BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - A três dias das eleições, o dólar ficou sem preço na Argentina. Grande parte das "cuevas", mercado paralelo da moeda estrangeira no país, decidiram guardar suas cédulas e paralisaram a venda nesta quinta (19), pela incerteza do que vai acontecer na votação de domingo (22) e por controles reforçados pelo ministro da Economia e candidato Sergio Massa.

"Hoje já não estamos vendendo", responde uma das lojas por mensagem ao ser questionada sobre a cotação diária. "Há muitos controles do governo, e a maioria das instituições financeiras está fechada. Além disso, a expectativa é que [o dólar] suba após as eleições", explica o atendente. "Hoje fechamos para a venda às 13h30", informa outra.

Nos sites especializados que costumam divulgar o valor do chamado dólar "blue", a moeda terminou em 900 pesos no dia, mas nas ruas como a turística Florida esse preço praticamente não existia, variando entre os 990 e 1.065, segundo os jornais locais. Essa tarifa teoricamente é proibida, mas na prática é ela que rege os preços no país, sendo determinante para a inflação.

"Nos últimos dias, não há preços para compras de produtos, o que pode causar um freio da atividade econômica", alerta o economista e consultor Franco Jular. "O dólar é realmente um dispositivo político na Argentina."

Nas redes sociais, uma pequena loja de acessórios e bijuterias exemplificou o que acontece em alguns setores. "Que difícil ser empreendedor nesses tempos. Dúvidas, medo, tristeza, incertezas. Vendendo com os olhos fechados seus produtos, sem saber o preço. Fornecedores não te vendem, não te passam o preço."

O país sofre uma escassez histórica da moeda americana, principalmente pelo seu alto endividamento externo em sucessivas crises, por isso os últimos três governos impuseram fortes limites à sua compra pela cotação oficial. Com os pesos queimando nas mãos, porém, as pessoas recorrem ao mercado paralelo para ter a divisa estrangeira como garantia.

Essa corrida tende a se acelerar em períodos que antecedem eleições, porque qualquer argentino sabe que a moeda vai subir após o pleito, seja qual for o resultado. Mas nessa campanha isso se acentuou, considerando que o favorito à Presidência, o ultraliberal Javier Milei, tem como principal proposta dolarizar a economia e acabar com o peso e o Banco Central.

"Jamais [invista] em pesos, o peso é a moeda emitida pelo político argentino, portanto não vale nem excremento, esses lixos não servem nem como adubo", costuma repetir o deputado e economista, que é acusado por Massa de ser responsável pela corrida ao dólar, que o beneficia eleitoralmente.

"Se querem encontrar os responsáveis, olhem-se no espelho, sem-vergonhas", rebate o libertário.

A cotação "blue" vem subindo acentuadamente desde o início de outubro e, no último dia 10, chegou a ultrapassar os 1.000 pesos -o que quer dizer que os preços devem ser reajustados na mesma medida, ainda que demorem um pouco para refletir a alta. A fim de frear essa corrida, Massa, que é o principal prejudicado eleitoralmente quando a economia piora, lançou mão de uma série de medidas.

Entre elas está o aumento das operações nas ruas contra o mercado paralelo. A estratégia da Alfândega e da Receita Federal consiste, literalmente, em "ficar de guarda" na frente de prédios onde se sabe que a moeda é vendida ilegalmente, para inibir suas atividades.

No último dia 5, quando a moeda já subia, esses órgãos fizeram em conjunto com a Polícia Federal ao menos 51 operações de busca e apreensão em empresas suspeitas de falsificar informações para simular importações fictícias e retirar US$ 400 milhões (US$ 2 bilhões) do país. A venda paralela também parou naquele dia.

Massa apertou o cerco ainda ao mercado financeiro. Congelou o saldo de dólares dos bancos do país até o fim de outubro, por exemplo (sem afetar o dinheiro de pessoas físicas), e mudou as regras para títulos regidos por leis estrangeiras, limitando ainda mais o acesso a dólares. São medidas paliativas para segurar as pontas até domingo.

"O mercado cambial paralelo foi um campo de batalha na reta final antes das eleições. E, até agora, Massa parece ter conseguido neutralizar esse perigo", diz o jornalista e analista político Nicolás Lantos, que acompanhou de perto as últimas três eleições presidenciais. "Faltam 48 horas intermináveis."

A expectativa é que depois de domingo se intensifique o que ocorreu em agosto, após o triunfo inesperado de Milei nas primárias e de uma desvalorização parcial do peso promovida por Massa, atendendo a uma exigência do FMI para liberar empréstimos. Naquela semana, parte das vendas de produtos e serviços chegaram a ser paralisadas, já que também não havia referência para os preços.


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