BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) - Agora que os argentinos escolheram o peronista Sergio Massa e o ultraliberal Javier Milei para disputar um segundo turno, começa tudo de novo. Analistas não veem como automática a transferência de votos da terceira colocada, Patricia Bullrich, para um lado ou para outro e divergem quanto a quem sairá na frente nesta nova disputa ?embora indiquem que o pêndulo está a favor de Massa.
O governista superou o favoritismo de Milei e obteve 36,7% dos votos válidos nas urnas, contra 30% do libertário, que aparecia na frente na maioria das pesquisas e frustrou a expectativa de seus apoiadores de vitória no primeiro turno. Já Bullrich somou 23,8% das cédulas e ficou de fora da corrida.
Enquanto o ministro da Economia deve atrair o voto mais racional contra um candidato com propostas radicais como a dolarização da economia, o fechamento do Banco Central e a implementação de um sistema de educação pública baseado em vouchers, o economista e deputado pode reter os eleitores que estão cansados de 20 anos das mesmas forças políticas, principalmente do kirchnerismo.
A estratégia de Massa, como indicado em seu discurso de vitória neste domingo (22), deve focar a convocação a uma união nacional e o reforço de seu programa de governo. Já de Milei espera-se que module suas falas, busque apoios na derrotada coalizão Juntos pela Mudança e aprofunde o discurso antikirchnerista.
Ambos, porém, terão dificuldades substanciais. Massa, por exemplo, precisa convencer o eleitor de que é capaz de resolver a crise econômica. O problema é que ele já é chefe da pasta, e enfrentará desafios ainda maiores caso o cenário piore até 19 de novembro. Milei, por sua vez, tem de obter consensos depois de uma campanha bastante agressiva em relação à macrista Patricia Bullrich e à "casta política" tradicional ?de cujo apoio precisará se quiser governar.
"O favorito evidentemente passa a ser Massa. Se o mercado ou a sociedade em geral interpretava que para ganhar um segundo turno ele precisaria somar 20 pontos percentuais, esse cenário se inverteu e agora é Milei quem tem que conseguir os 20 pontos", opina Hernán Letcher, diretor do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).
A cientista política Camila Miele, da Universidade de Buenos Aires (UBA), concorda: "No segundo turno, costuma prevalecer o voto racional. Uma parte do eleitor de Bullrich que é antikirchnerista vai transferir [seus votos] para Milei, mas não todos. Milei provoca medo e fez ataques muito duros ao eleitor dela, que é mais velho e religioso. Disse coisas como ?velhos mijões? e ofendeu o papa Francisco".
Esta também é a opinião do analista político e jornalista Nicolás Lantos. "Milei não conseguiu crescer após as primárias, o que reflete a dificuldade em conquistar apoio além daqueles que o escolheram inicialmente. Uma parte do eleitorado de Bullrich, especialmente os radicais e uma ala do PRO [partido de Maurício Macri], não o apoiará, seja optando por Massa ou pelo voto em branco", avalia.
Já Andrei Roman, CEO da empresa brasileira de pesquisas AtlasIntel, uma das únicas que previram a liderança de Massa, tem visão oposta. Ele acha que quem chega como favorito ao segundo turno é Javier Milei, e justamente em razão do espectro político dos outros candidatos que ficaram pelo caminho no primeiro turno.
"Em termos de estrutura eleitoral, Milei sai na frente, porque reúne os votos tradicionalmente antikirchneristas e de direita na Argentina. O perfil desses eleitores muito dificilmente migrará para o Massa. Isso também acontece com Juan Schiaretti [peronista não kirchnerista que ficou com 6,8% dos votos], que deu sinais de aproximação com Milei."
Roman, porém, prevê agora uma "guerra de rejeição" entre as forças que vão ao segundo turno, com um tentando desconstruir o outro, e faz uma ressalva. "Isso é o retrato de ontem, mas já vimos diversas eleições na América Latina em que o resultado parecia claro na noite anterior e depois mudou."
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