SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na segunda substituição misteriosa de seu alto escalão neste ano, o líder chinês Xi Jinping demitiu nesta terça (24) o ministro da Defesa da terceira maior potência nuclear do planeta, general Li Shangfu.

Não só isso: retirou o militar do exclusivo cargo de conselheiro de Estado, medida aplicada também à outra vítima dos expurgos deste ano na cúpula chinesa, o ex-chanceler Qin Gang, que havia sido demitido em julho.

O general Li havia assumido em março deste ano, o que faz de sua queda em desgraça a mais rápida da história de um ocupante da Defesa na China. Ela vem na sequência de uma série de mudanças em áreas sensíveis do establishment militar da ditadura asiática.

A demissão foi noticiada de forma lacônica pela mídia estatal chinesa, que não deu explicações. Sem Li e Qin, o número de conselheiros de Estado de Xi caiu para três, o menor da história recente. Nenhum substituto foi apontado para a Defesa, enquanto a chancelaria já vinha sendo tocada pelo mais alto diplomata do Partido Comunista, Wang Yi.

Houve outra mudança apresentada, a troca de Liu Kun por Lan Foan como ministro das Finanças, por outro lado, já era esperada e não atendeu aos requisitos de opacidade das duas outras mudanças --nas quais os titulares dos postos desapareceram da vista pública por meses antes do anúncio de sua saída.

No caso de Li, há um consenso entre analistas e diplomatas ocidentais de que ele está sob investigação por causa de um caso de corrupção envolvendo a importação de partes de motores de foguetes. Ele fez sua carreira nesse ramo das Forças Armadas, e em 2018 recebeu sanções dos EUA pela compra de caças e mísseis da Rússia, aliada de Pequim na Guerra Fria 2.0 contra Washington.

De forma significativa, em julho o governo de Xi derrubou os dois principais comandantes da Força de Foguetes, o ente militar responsável não só pelo arsenal de ogivas nucleares chinesas, 320 segundo a mais recente estimativa da Federação dos Cientistas Americanos, ou 500, segundo o Pentágono, mas também por todo o enorme arsenal de mísseis e foguetes com bombas convencionais do país.

A isso foi somado dois altamente inusuais editoriais no jornal PLA Daily, que costuma publicar textos chapa-branca sobre as Forças Armadas. Um deles era justamente sobre defeitos em mísseis e outro, acerca da necessidade de "purificar o círculo social" dos oficiais.

Recado dado, observadores externos tentam entender agora o sentido da mudança. Sob Xi, no poder desde 2012, a China ampliou muito suas capacidades militares para embasar a assertividade política e econômica do líder.

Isso levou a um risco maior de conflagração regional, com a retórica inflamada sobre a necessidade de retomar Taiwan e a militarização do mar do Sul da China, que recentemente tem levado as Marinhas chinesa e filipina às raias do embate.

A húngara Victoria Herczegh, especialista em política chinesa e analista da consultoria americana Geopolitical Futures, sustenta que Xi está mais preocupado agora em consertar os problemas econômicos decorrentes da crise no setor imobiliário. A indicação de Lan para as Finanças é parte do plano, que inclui um pacote de estímulo fiscal já anunciado, além de medidas para coibir o déficit público.

Para isso, não pode tolerar o que ela vê como dissenso entre militares. "Agora, o governo está colocando as rédeas nas Forças Armadas, mesmo que esteja cortando fora o nariz para salvar a face", escreveu Herczegh, que descarta uma revolução interna mais ampla. "A boa notícia é que isso vai provavelmente fazer um conflito armado na região muito improvável."

Seja como for, o modus operandi da demissão de Li e de Qin diz muito acerca de Xi, que sempre operou seus expurgos sacando a carta da corrupção --que é um tema tabu no Estado comunista, punível com morte. Enquanto o problema é um fato da vida pública chinesa, não são poucos analistas que veem nela uma desculpa ideal para rearranjos de conveniência política.


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