SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A Rússia acusou a Ucrânia, país contra o qual trava uma guerra desde o ano passado, de ter orquestrado o ataque contra o aeroporto que recebeu um voo vindo de Israel na noite do domingo (29).

O insólito incidente ocorreu em Makhatchkala, capital da majoritariamente muçulmana República do Daguestão. Uma turba invadiu o aeroporto da cidade para "caçar" judeus e israelenses que chegaram em um voo da companhia russa Red Wings, em um protesto contra a retaliação de Tel Aviv contra o grupo terrorista palestino Hamas.

As pessoas não deixaram a aeronave até que a polícia controlasse a situação, prendendo 60 pessoas. Segundo relatos na imprensa russa, as pessoas foram ao aeroporto incentivadas por mensagens de grupos no Telegram que indicavam o horário de pouso do avião.

Mais cedo, o Kremlin havia falado em "influência externa" no evento, sem detalhar. Depois, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, afirmou que as evidências apontam que a Ucrânia está por trás da ação.

Ela não apresentou provas da acusação. No domingo, autoridades ucranianas haviam usado o episódio como um exemplo do que chamaram de brutalidade de Moscou. Kiev, bancada pelo Ocidente contra a invasão russa, apoia Israel na luta contra o Hamas.

Ainda nesta segunda (30), os poucos voos que ligavam Israel aos aeródromos da cidade e de Mineralnie Vodi, também no muçulmano Norte do Cáucaso, passarão a ser desviados para outras localidades.

O incidente é um dos mais graves desde que o Hamas atacou Israel, no dia 7 passado, levando a uma guerra aberta contra a Faixa de Gaza, comandada desde 2007 pelos facção radical palestina.

O governo de Vladimir Putin inseriu o conflito em sua agenda mais ampla de embate com o Ocidente, criticando a proporcionalidade da reação israelense e recebendo, na semana passada, uma comitiva do Hamas para discutir o caso dos reféns russos em poder do grupo.

A comitiva deixou Moscou prometendo trabalhar pela libertação dos 8 russos identificados até aqui, entre os 250 reféns que o Hamas diz ter em seu poder --50 dos quais já teriam morrido em bombardeios israelenses.

A relação de Moscou com Tel Aviv é conturbada, mas próxima. Os países coordenam suas ações militares na Síria, ditadura aliada do Kremlin onde Putin tem tropas, e cerca de 15% dos quase 10 milhões de israelenses são russos ou de origem russa, a maior parte tendo emigrado após o fim da União Soviética, em 1991.

Putin também apoia o Irã, que é o fiador do Hamas e de outros grupos anti-Israel no Oriente Médio, como o Hezbollah libanês. O presidente russo chegou a ameaçar os porta-aviões americanos enviados para dissuadir Teerã de entrar na guerra com mísseis hipersônicos.

O incidente no Daguestão, pequena república com 3,2 milhões de habitantes, é um dos mais graves desde que atual guerra começou. Protestos e crimes, inclusive assassinatos, já ocorreram pelo mundo ligados à tensão provocada pela disputa entre palestinos e israelenses.

No caso russo, a situação ecoa também capítulos sombrios da história local. A palavra pogrom (uma contração do verbo destruir), que designa ataques a judeus, surgiu das campanhas antissemitas da década de 1880 no Império Russo, e depois foi ampliada para qualquer ação contra grupos étnicos definidos.

Ao longo da história soviética, são notórios os episódios de perseguição a líderes políticos e intelectuais judeus, que estiveram presentes na fundação do Estado comunista de forma tão forte que a propaganda nazista fazia a ligação direta entre judaísmo e bolchevismo.

Hoje, cerca de 5% dos 143 milhões de russos são muçulmanos, e há influência em hábitos cotidianos, como o consumo de tabaco em narguilés nos bares de Moscou mostra.

Por fim, há a questão da relação de Moscou com suas repúblicas de maioria muçulmana, marcada pelas duas guerras travadas contra separatistas da Tchetchênia, vizinha do Daguestão, e a infiltração de grupos jihadistas na região, controlada com mão de ferro por prepostos do Kremlin.


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