WASGHINTON, EUA (FOLHAPRESS) - Ao assumir a presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas em outubro, o objetivo do Brasil era usar o mandato para reforçar sua imagem de mediador e, assim, fortalecer seu pleito por um assento permanente. A eclosão inesperada de uma guerra no Oriente Médio permitiu uma projeção histórica dessa estratégia, mas também mostrou seus limites.

O país conseguiu elaborar uma resolução que obteve 12 votos favoráveis entre os 15 membros do órgão, o melhor desempenho das quatro propostas analisadas até agora. O texto brasileiro, no entanto, foi vetado pelos Estados Unidos.

O veto americano não foi uma surpresa para a missão brasileira, que trabalhou previamente em quatro rascunhos, negociados com os demais integrantes do Conselho, até chegar na versão final levada para votação ?a qual sofreu dois adiamentos também por pressão de Washington.

A avaliação do Itamaraty é que, apesar da derrota, a resolução foi um trunfo para a diplomacia brasileira, com o custo político pelo seu fracasso recaindo sobre os EUA.

Mesmo antes dos ataques terroristas pelo Hamas e do início da ofensiva israelense em Gaza, em 7 de outubro, já havia uma programação densa prevista para outubro, mês que concentra uma série de reuniões periódicas.

Durante a presidência brasileira, sete resoluções foram aprovadas, a de maior destaque sendo a autorização para um força policial multinacional liderada pelo Quênia atuar no Haiti. Dado o histórico do Brasil com a ilha, onde liderou uma missão de paz da ONU, começar o mandato com a adoção do texto foi um sinal positivo para o Itamaraty.

O Brasil ainda havia definido como o principal evento de sua gestão ?todo mês, o presidente da vez tem a prerrogativa de marcar uma agenda própria? um debate sobre contribuições de organismos regionais para a paz e segurança, com o objetivo de reforçar a bandeira de uma abordagem preventiva e da mediação. O chanceler Mauro Vieira presidiria a sessão, mas teve que ir para o Egito participar de uma cúpula de emergência sobre o Oriente Médio.

Vieira, no entanto, esteve quatro vezes em Nova York no período, para presidir reuniões que trataram do conflito. Falando a jornalistas na noite desta terça, ele avaliou o mandato brasileiro como bem-sucedido.

"Estamos empenhados em mostrar como o Brasil no Conselho de Segurança é capaz de trabalhar pelo consenso, pelo diálogo. É uma oportunidade muito grande que temos para mostrar como o Brasil pode dar uma contribuição eficaz aos trabalhos do conselho", disse o embaixador brasileiro na ONU, Sérgio Danese, poucos dias antes da declaração de guerra por Israel.

O Brasil, no entanto, não foi capaz de contornar a paralisia que atinge o Conselho, diante da guerra de vetos entre EUA, de um lado, e Rússia e China, de outro. O impasse mostrou os limites da estratégia brasileira, mas também deu força aos apelos por uma reforma do órgão e do poder de veto dos membros permanentes.

"Essa é uma discussão sobre a crise no Oriente Médio, mas também sobre a relevância da ONU", avalia Monica Herz, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. "Há um esforço da presidência brasileira de manter o Conselho de Segurança relevante em uma situação de crise dramática."

Para a especialista, a liderança brasileira do Conselho, ainda que temporária, consolida a volta do Brasil à cena internacional após o isolamento dos anos sob Jair Bolsonaro, em especial em temas como defesa da paz e práticas humanitárias, em que o Itamaraty tem tradição.

"Caiu no colo do Brasil uma dificuldade gigantesca. A diplomacia está fazendo um esforço hercúleo para achar um ponto de consenso mínimo no Conselho. Isso está sendo notado", acrescenta Herz.

A atuação também serviu para o Brasil se recuperar dos danos de imagem sofridos pelas declarações do presidente Lula sobre a Guerra da Ucrânia, como a que equiparou os papéis de Kiev e de Moscou no conflito, e que frustraram americanos e europeus, avalia o analista político e jornalista Brian Winter, vice-presidente da Americas Society/Council of the Americas.

"O Brasil está saindo desse processo mais respeitado e está sendo percebido como um claro exemplo de um país que quer trazer o multilateralismo de volta. A marca Brasil voltou a ser associada a esse desejo de ter fóruns como a ONU, como o Conselho de Segurança, para resolver os problemas do mundo", diz.

O fracasso dessas instâncias em dar alguma resposta ao conflito, no entanto, ilustra um descompasso entre a tradição do Itamaraty, sobretudo a abordagem petista, e a conjuntura global atual, fortemente polarizada, avalia Kai Lehmann, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.

"Não faz sentido aplicar o receituário dos anos 2000 agora. O Brasil tem há muito tempo essa ideia de multilateralismo, mas as circunstâncias mudaram. O mundo não é mais o mesmo. A União Europeia enfrenta uma crise existencial. Os EUA também estão profundamente divididos, em uma batalha doméstica por sobrevivência, porque se Donald Trump vencer as próximas eleições, acabou", diz.

Para Lehmann, em algum momento o país vai precisar tomar uma decisão entre insistir em um papel de mediador ou tomar posições claras e brigar por elas. O professor vê a presidência brasileira no Conselho como dentro das expectativas. Com a resolução proposta, o país conseguiu marcar posição e mostrar capacidade de obter apoio considerável, mas não o suficiente para ter um impacto prático, afirma.

Essa foi a 18º vez em que o Brasil presidiu o conselho desde 1946 ?com frequência, um país ocupa o comando rotativo do órgão duas vezes no mesmo mandato, que dura dois anos. A última vez que a missão brasileira desempenhou essa função foi em julho de 2022.

Quem assume a presidência do conselho em novembro é a China. O mandato do Brasil como membro não permanente termina em 31 de dezembro.


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