LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) - Pelo menos dois reféns do Hamas, sequestrados durante os ataques de 7 de outubro em Israel, receberam a nacionalidade portuguesa enquanto estão em cativeiro. Outras cinco pessoas em poder do grupo radical, incluindo dois menores, também podem ser beneficiadas com o passaporte luso em breve.
A naturalização dos reféns foi possibilitada por uma lei --cujo fim já foi aprovado-- que permite a concessão da cidadania portuguesa para descendentes dos judeus sefarditas expulsos do país durante a Inquisição.
As vítimas do Hamas já haviam requerido a nacionalidade lusa, mas seus casos ainda estavam na longa fila de processos a serem analisados. Atualmente, devido à grande demanda, a espera pode superar os dois anos para casos de naturalização.
Por conta da situação de risco extremo para os sequestrados, seus representantes legais apresentaram requerimentos para que os casos fossem apreciados com máxima urgência pelas autoridades portuguesas.
Um dos motivos para a aceleração dos processos é a expectativa de que a nacionalidade lusa possa contribuir para a liberação dos reféns. As primeiras vítimas libertadas tinham passaportes dos Estados Unidos: Judith Tai Raanan e sua filha, Natalie Shoshana Raanan.
O primeiro refém beneficiado com a nacionalidade portuguesa foi o israelense Ofer Calderon, 52, que dera entrada no pedido de naturalização em setembro de 2021. O homem foi raptado no kibutz de Nir Oz, próximo à fronteira com Gaza. A comunidade no Sul de Israel foi devastada pelo Hamas: dos 400 moradores, cerca de 100 foram assassinados e 80 foram sequestrados.
A outra refém a conseguir a nacionalidade lusa foi Adina Moshe, 72, também moradora desse kibutz, que havia feito o pedido de naturalização em 2020. Seu marido, Said Moshe, foi assassinado durante o ataque do Hamas. Imagens da mulher sendo levada em uma moto pelos radicais islâmicos para o enclave palestino circularam amplamente nas redes sociais.
Em entrevista à RTP, TV pública portuguesa, Anat Moshe, neta da vítima, disse ter esperança de que o passaporte luso possa contribuir para a liberdade da avó. "Espero que o fato de ela ter mais de um país [de nacionalidade], além de Israel, possa ajudar. Eu me agarro em qualquer esperança", afirmou ela.
Adina e Said visitaram Portugal em várias ocasiões, sendo a última delas em julho. Outros cinco reféns do Hamas, sendo dois menores, também teriam direito à nacionalidade portuguesa pela via dos sefarditas.
O ministério da Justiça de Portugal, responsável pelas nacionalidades, não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem a respeito da celeridade nos processos.
Em vigor desde 2015, o regime simplificado de concessão de cidadania lusa para descendentes de judeus sefarditas irá acabar. O fim do mecanismo já foi aprovado na generalidade pelo Parlamento, mas os deputados ainda precisam bater o martelo sobre a data de encerramento.
Uma vez que a votação aconteceu em 13 de outubro, já depois do início do conflito entre Israel e o Hamas, havia alguma expectativa de que o governo luso poderia recuar na decisão de acabar com o regime.
Em declarações aos deputados, a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, defendeu a mudança. Ainda que exista o dever de reparação histórica [por conta da expulsão da comunidade judaica], nenhum regime desse tipo "deve ser eterno", disse.
A ministra relembrou o caso da vizinha Espanha, que em 2019 encerrou a concessão de nacionalidade para judeus expulsos na Inquisição, e afirmou que o desígnio da lei original foi cumprido.
Segundo a titular da Justiça, foram cerca de 262 mil pedidos de naturalização por descendentes de sefarditas. A cidadania já foi concedida nesses termos a cerca de 75 mil pessoas.
"Esta proposta de lei não visa impedir que descendentes de judeus sefarditas de origem portuguesa obtenham a nacionalidade portuguesa. Apenas fixa um limite temporal para um regime de exceção que tem aplicação desde 2015, e que permite a concessão da nacionalidade a quem não reside em Portugal nem fala português", destacou.
Os pedidos de naturalização por essa via já tinham regras mais rígidas desde setembro do ano passado, quando se passou a exigir comprovação de vínculos com Portugal, como propriedade de imóveis ou viagens regulares ao país ao longo da vida, além da certificação das origens sefarditas.
Anteriormente, as exigências se concentravam apenas na comprovação da linhagem judaica expulsa da Península Ibérica.
As mudanças nas regras foram introduzidas pelo governo após suspeitas de irregularidades na concessão de nacionalidade lusa para o oligarca russo Roman Abramovich.
Imerso em polêmicas, o processo de naturalização do bilionário, ex-dono do Chelsea, é alvo de duas investigações. Responsável pela certificação do vínculo sefardita de Abramovich, o rabino Daniel Litvak, chefe da Comunidade Israelita do Porto (CIP), chegou a ser preso em uma investigação sobre irregularidades no processo do magnata e de outros empresários. A entidade nega que tenha havido qualquer irregularidade.
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