GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) - chegada de um número incomum e expressivo de cidadãos do Vietnã ao Brasil neste ano e, em especial, no último final de semana, desperta atenção das autoridades. Há preocupação sobre redes de coiotes e contrabando de migrantes por trás desse fluxo.
Em apenas dois dias, no sábado (2) e no domingo (3), 189 imigrantes desembarcaram no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, sem vistos para o Brasil, e a maioria do grupo manifestou que deseja pedir refúgio para ficar no país. Destes, ao menos 150 eram vietnamitas, 28 eram indianos e 5, ganeses.
Somado a um contingente que havia chegado em dias anteriores, o grupo chegou a 358 migrantes ?maioria vietnamita? que até ao menos segunda-feira (4) aguardavam na área restrita do Terminal 3 para a solicitação de refúgio ou, então, para serem repatriados.
A interpretação inicial de autoridades envolvidas no tema sugere que os cidadãos vietnamitas seguem um padrão que vinha se estruturando entre outros imigrantes da Ásia, notadamente de países como Índia, Nepal e Bangladesh, que instruídos por coiotes buscam o Brasil como porta de entrada para as Américas. O objetivo não é ficar, mas sim empreender uma rota rumo ao norte que os leve aos Estados Unidos.
O que chama a atenção desta vez, além da nacionalidade vietnamita, é o volume de pessoas, com 123 tendo chegado apenas no último domingo. Tentando driblar a barreira linguística e pedindo ajuda aos poucos que falam inglês, muitos manifestam que "querem pedir asilo".
O volume de vietnamitas é o que mais tem despertado atenção das autoridades de segurança. Antes de 2023, a migração vietnamita para o Brasil era inexpressiva ?houve apenas uma solicitação de refúgio em 2022, e 30 cidadãos que se registraram como migrantes.
Mas de janeiro até a última sexta (1º), quase 700 haviam chegado na situação de "inadmitidos" ?sem documentos ou visto para ingressar no Brasil. Deste grupo, ao menos 550 fizeram pedidos de refúgio, uma solicitação que no Brasil costuma levar anos para ser processada.
À Folha a Polícia Federal (PF) detalhou que, no fluxo atual, a maioria dos imigrantes não pegam seus voos de origem em seu país natal, mas em países da Europa. Seus destinos finais tampouco são o Brasil, mas outras nações da América do Sul, como Chile e Paraguai.
Uma vez em território brasileiro, os migrantes que estão sem visto para desembarcar ?segundo as regras no Brasil, um passageiro que apenas usará o país como escala não precisa de visto? recusam-se a concluir a conexão, dizem que querem ficar e pedem refúgio.
O Brasil concede refúgio a cidadãos que fugiram de seus países devido a perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, além de quando há generalizada violação de direitos humanos. O imigrante terá acesso a direitos, como o de trabalho, ao completar a solicitação de refúgio, mesmo que ela ainda não tenha sido acatada ou negada pelo Estado.
O que os especialistas temem é que a política, apelidada como "de portas abertas" e elogiada globalmente, esteja sendo usada pelas redes de coiote para inserir o Brasil como o pontapé inicial de uma rota por terra que levará os migrantes até a fronteira dos EUA com o México, em situações de perigo e extrema vulnerabilidade.
Ainda que o volume massivo dos vietnamitas tenha chamado a atenção, são os nepaleses os que mais recorrem à prática. Desde o início deste ano, 1.160 cidadãos do Nepal pediram refúgio ao desembarcarem em Guarulhos. Em seguida no ranking estão os vietnamitas (550), os indianos (380), os camaroneses (148) e os bangladenses (144).
A maioria dos migrantes vindos da Ásia que chega ao Brasil nessas condições tem duas portas de entrada principais: Guarulhos, pelo aeroporto, e Bonfim, em Roraima, na fronteira com a Guiana.
No caso destes últimos, a entrada na América do Sul ocorre através de Suriname ou Guiana, países que atravessam até chegar à guianense Lethem, na fronteira com o Brasil. Há fraco monitoramento das cifras dessa parcela migratória que entra pela fronteira terrestre, de modo que o número de asiáticos em geral e de vietnamitas pode ser maior.
Em geral, eles buscam o Brasil, regularizam-se como refugiados para uma estadia temporária e rumam ao norte do país, para então empreender, muitos por terra, o caminho até a América do Norte.
Para uma maioria, a extenuante rota passará pelo estreito de Darién, a densa e perigosa selva entre Colômbia e Panamá que é o único trecho por terra que liga a América do Sul à Central. Os números oficiais apontam que, muito em breve, o estreito chegará a 500 mil migrantes que o cruzaram apenas neste ano.
Também neste ano, que registrou o aumento exponencial do fluxo vietnamita ao Brasil, o serviço migratório do Panamá passou a registrar um também expressivo fluxo de migrantes dessa nacionalidade cruzando a selva. Foram ao menos 1.296 vietnamitas de janeiro a outubro.
Em nota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, que em seu guarda-chuva abriga o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), afirmou à reportagem que acompanha a situação de perto e investiga possíveis relações com tráfico de pessoas e contrabando de migrantes.
A pasta disse ainda que, diante do alto fluxo de solicitações de refúgio, alargou a capacidade de atendimento para que ao menos 50 pedidos possam ser recebidos por dia no aeroporto de Guarulhos.
O fato de essas centenas de migrantes estarem há dias na área restrita do Terminal 3, porém, despertou preocupação da DPU, a Defensoria Pública da União. Na noite desta terça-feira (5), o órgão oficializou ao Conare e à PF a recomendação para que esses migrantes sejam admitidos de forma imediata e excepcional no Brasil e que a burocracia da solicitação de refúgio possa ser feita depois.
"Após duas visitas técnicas das nossas equipes nos dias 2 [sábado] e 4 [segunda], nossa interpretação é de que há uma violação de direitos quando tantas pessoas estão em um local sem acesso a higiene e alimentação adequadas e com assistência insuficiente", diz João Chaves, defensor público federal.
A reportagem solicitou, mas não obteve acesso à área restrita onde estão os vietnamitas. Imagens obtidas pela reportagem mostram crianças e gestantes no grupo, espalhado no espaço com suas bagagens e se dividindo entre o chão e as fileiras de cadeiras que usualmente são preenchidas por passageiros.
Procuradas, as companhias aéreas com as quais vieram o grupo que chegou nos últimos dias, Latam e Air France, escolheram não comentar o assunto. A primeira disse que a resposta deveria vir da concessionária do aeroporto, a GRU Airport, e do serviço diplomático vietnamita.
A GRU Airport alegou que qualquer resposta sobre o assunto caberia à PF. A reportagem não conseguiu contato com a embaixada do Vietnã no Brasil, por email ou por telefone, desde a manhã da última segunda-feira.
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