SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em seu penúltimo dia na Casa Rosada, Alberto Fernández se despediu da Presidência argentina com discurso em cadeia nacional de TV nesta sexta-feira (8) no qual admitiu o fracasso da agenda econômica e de combate às desigualdades sociais de seu governo.
"Foram desafios inconclusos, e não fujo à culpa", disse o peronista. "Não alcançamos uma matriz econômica sólida, que permita acesso a uma vida digna. Ampliamos direitos, mas ainda falta. Colocamos a justiça social como horizonte, mas não a alcançamos", listou.
Mas ele não fugiu às tradicionais críticas feitas por seu governo à gestão anterior, de Maurício Macri, figura que apoiou o presidente eleito, Javier Milei, e cujos correligionários comporão os ministérios.
"Sei que tenho responsabilidade, mesmo quando o contexto argentino fez de tudo muito mais complexo", disse Fernández. "Mas sofremos os efeitos negativos da dívida que o governo que me precedeu assumiu. Essa é a principal causa da nossa atual crise econômica."
Sob Macri, o país fez um empréstimo de US$ 57 bilhões com o Fundo Monetário Internacional. Desde então, e já sob o governo de Fernández, a Argentina reescalonou a dívida, renegociando-a para US$ 44 bilhões. Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, dizem que o empréstimo, o maior já feito por um país com o Fundo, sufoca a economia.
Em nenhum momento o líder cessante mencionou seu sucessor, Milei, nominalmente. Mas os recados à política que o novo ocupante da Casa Rosada promete colocar em prática permearam o discurso de meia hora que foi gravado na manhã desta sexta-feira no Pátio das Palmeiras.
"Tenho confiança em nosso povo e na sua capacidade de defender os valores da vida em comum e dos direitos que foram conquistados até aqui", disse Alberto Fernández.
Fernández fez inúmeras menções aos 40 anos da retomada de democracia argentina, celebrados justamente neste domingo, 10 de dezembro, quando Milei será empossado durante cerimônia com a presença de vários líderes internacionais --o presidente Lula (PT) não irá, mas seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL) não só está em Buenos Aires como também é tratado como convidado de honra.
"A geração que se despediu da ditadura, com medo de que em algum momento de nossa história se repetisse o ciclo de autoritarismo, não poderia imaginar que, quatro décadas mais tarde, nós viveríamos a transição de um governo de uma força política para outra completamente diferente. Ambas eleitas pelo povo."
Também mencionou outros desafios que perpassaram seu governo, a saber: a pandemia de coronavírus, a Guerra da Ucrânia --"que distorceu todos os preços de energia e alimentos no mundo"-- e a seca que assolou a Argentina e alguns vizinhos, como o Uruguai.
Sua declaração à nação também listou ações de seu governo que, ele sabe, são alvos de Milei, como num recado ao sucessor. Fernández mencionou a legalização do aborto até a 14ª semana de gestação ("Fizemos história, essa era uma dívida da democracia") e a o lucro da Aerolíneas Argentinas, estatal reestatizada em 2008 ("É um verdadeiro orgulho a companhia aérea que carrega a nossa bandeira").
No início deste mês, a companhia informou que projeta um lucro de US$ 32 milhões para o exercício de 2023, o que representaria a primeira vez que seu balanço sai do vermelho desde sua reestatização.
Mencionou ainda a inauguração do gasoduto Vaca Muerta, com o qual o país, sob sua chefia, mirou a independência energética e exportação.
"É importante dizer que no próximo ano entrará dinheiro de nossas exportações de gás, graças a esse gasoduto que construímos. Daqui até 2030 nossas exportações de bens e serviços vão crescer 80%", disse, como quem sugere que os possíveis louros a serem colhidos pela gestão de Milei têm, também, uma participação sua.
"Fui injuriado, caluniado, mas não denunciei nenhum jornalista. Em nosso governo não houve perseguições judiciais ou políticas. Nós respeitamos a liberdade de imprensa. Jamais usamos a estrutura do Estado para calar uma voz", finalizou.
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