SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Nas semanas que se seguiram à posse de Javier Milei na Argentina, algumas declarações em programas da TV argentina que passaram a naturalizar os impactos das medidas de ajuste do governo viralizaram nas redes sociais.
O jornalista Eduardo Serenellini é um exemplo disso. Em um programa no canal argentino La Nación+, ao lado da colega de bancada, Viviana Valles, ele tentou normalizar um possível corte de refeições por causa da disparada dos preços dos alimentos.
Serenellini comentou que não é "vergonha" para ninguém comer só uma vez ao dia, inclusive as crianças. "Alguns cortam o canal de streaming; outros vão dizer que não usam mais o carro; outros ?e isso é o mais grave? dirão que não há café da manhã ou almoço, mas uma refeição por dia", disse.
"Isso eu digo por ter escutado, [na] classe média: faço uma refeição reforçada no dia para todos, e costumo fazer isso à noite, para que as crianças possam ir para a cama e descansem melhor. Depois, durante o dia, vamos vendo", afirmou Valles.
"É a realidade, temos de aceitá-la, não é preciso sentir vergonha. Dizer: olha, estou ajustando um montão de coisas, e é assim", completou Serenellini.
Também no LN+, a ministra das Relações Exteriores de Milei, Diana Mondino, manifestou-se sobre a importância de não intervir nos preços.
Questionada pelos jornalistas sobre aumentos de 25% a 100% que se verificaram nos produtos dos supermercados, nos primeiros dias de governo, ela disse que o Executivo estava "muito preocupado".
Sem levar em conta que parte dos aumentos afeta produtos básicos e de consumo diário, como alimentos e bebidas, Mondino disse: "Não é preciso ter muita educação [financeira]. Se você não tem dinheiro no bolso, não vai comprar coisas muito caras."
O comentário de Mondino na TV ocorreu em um cenário preocupante para o consumidor: os últimos dias de 2023 foram de forte remarcação de preços nos supermercados, conforme mostrou reportagem da Folha.
Logo após a posse de Milei, os produtos que eram parte do programa "Preços Justos", de amortecimento da inflação durante o governo Alberto Fernández, já haviam sumido das prateleiras.
No canal TN (Todo Noticias), um programa com Lorena Maciel e Guillermo Lobo contava a história de um menino argentino que estaria livre da alta das passagens de ônibus por ir para a escola montado em um cavalo.
A história de Vicente, 11, de Sierra de la Ventana (província de Buenos Aires), já havia sido contada pelo canal em setembro, mas, ao mostrá-la novamente, os apresentadores associaram o percurso do menino montado em seu cavalo aos aumentos do transporte.
"Temos boas notícias? A verdade é que sim, temos. Em seguida, teremos [a história de] Vicente, que está terminando o primário e vai à escola todos os dias, 16 km, em um cavalo", diz o apresentador.
"Para ele não importa o aumento no transporte, pois graças a seu cavalo pôde terminar o seu ciclo escolar", afirma a apresentadora.
O canal La Nación+ era um dos principais críticos ao governo peronista de Alberto Fernández e das políticas econômicas do candidato derrotado por Milei em novembro, o ex-ministro Sergio Massa.
O ex-presidente Mauricio Macri, que apoiou o ultraliberal, também é presença frequente na programação. "Dizem que este aqui é o canal de Macri", afirmou Massa durante uma entrevista ao LN+ ainda na campanha.
A imprensa argentina afirma que Eduardo Serenellini será o novo secretário de Comunicação do governo.Segundo analistas do site Infobae, o governo Milei tenta formar uma equipe de comunicação integrada por nomes conhecidos da mídia argentina.
Outro desses rostos populares é o do porta-voz presidencial, Manuel Adorni. Além de ter sido colunista do próprio Infobae, participou de programas da Rádio Rivadavia e do canal A24.
O próprio Milei é considerado um produto da televisão argentina. "Um dia, faltou um convidado, e Javier entra. Ele entrou quando a audiência estava em 2,5 e a levou para 7 pontos", disse o apresentador Alejandro Fantino ao canal A24, relembrando a estreia do hoje presidente no programa "Animais Soltos".
Segundo a biografia não autorizada "El Loco", do jornalista Juan Luis González, o economista passou a aparecer na TV com frequência por um arranjo de seu chefe na Corporación América, Eduardo Eurnekian, que temia que o governo Macri tirasse da empresa as concessões dos aeroportos de Ezeiza e do Aeroparque. A empresa nega essa relação.
Com a participação nos programas de TV, em que ficou conhecido pelas falas histriônicas e por discutir com convidados de pensamento oposto ao seu, Milei ganhou popularidade. Em 2021, tornou-se deputado nacional e chegou à Casa Rosada apenas dois anos depois.
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