ADIS ADEBA, ETIÓPIA (FOLHAPRESS) - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a criticar Israel pela resposta "desproporcional" aos ataques do Hamas e pediu apoio das nações africanas para a reforma do sistema de governança global, afirmando que a resposta para as mazelas atuais "não virá da extrema direita racista e xenófoba".

O mandatário ainda afirmou que a política e a diplomacia são as únicas formas de encerrar o outro conflito que mobiliza a comunidade internacional, a guerra entre Rússia e Ucrânia.

Além disso, falando para líderes africanos, disse que o Brasil detém uma dívida de 300 anos de escravidão com o continente e a única forma de pagar é com "solidariedade e muito amor".

Lula participou na sessão de abertura da cúpula anual da União Africana, em Adis Abeba, na Etiópia, como líder convidado de fora do continente. O presidente foi bastante aplaudido em alguns momentos do discurso, em particular quando exortava uma união do Sul Global e cobrava que nações ricas e instituições econômicas amenizassem os termos do pagamento das dívidas, para possibilitar o desenvolvimento das nações.

Assim como em suas outras falas, durante a viagem à África, o presidente voltou a criticar Israel por suas ações na Faixa de Gaza, após ter sido atacado pelo grupo terrorista Hamas.

"O momento é propício para resgatar as melhores tradições humanistas dos grandes líderes da descolonização africana. Ser humanista hoje implica condenar os ataques perpetrados pelo Hamas contra civis israelenses e demandar a liberação imediata de todos os reféns", afirmou o presidente.

"Ser humanista impõe igualmente o rechaço à resposta desproporcional de Israel, que vitimou quase 30 mil palestinos em Gaza, em sua ampla maioria, mulheres e crianças, e provocou deslocamento forçado de mais de 80% da população", completou.

Lula ainda voltou a defender a criação de um estado Palestino, que seja reconhecido e membro pleno da ONU. E também pediu novamente uma reforma no sistema internacional político, em particular do Conselho de Segurança da ONU, para que seja mais representativo e sem países com poder de veto.

Nesse ponto, criticou a paralisia do órgão em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia

"[Precisamos] de uma ONU fortalecida e que tenha um Conselho de Segurança mais representativo, sem países com poder de veto, e com membros permanentes da África e da América Latina. Há dois anos a guerra na Ucrânia escancara a paralisia do Conselho. Além da trágica perda de vidas, suas consequências são sentidas em todo o mundo, no preço dos alimentos e fertilizantes", afirmou.

"Não haverá solução militar para esse conflito. É chegada a hora da política e da diplomacia", completou.

Na mesma linha, o presidente também criticou duramente os países ricos, pedindo apoio a uma reforma urgente no sistema de governança global. O Brasil busca aproveitar a sua presidência no G20 para colocar em discussão mudanças em órgãos, como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e também o Banco Mundial

"O Sul Global está se constituindo em parte incontornável da solução para as principais crises que afligem o planeta, crises que decorrem de um modelo concentrador de riquezas, e que atingem sobretudo os mais pobres, e entre esses os imigrantes"., afirmou.

"A alternativa às mazelas da globalização neoliberal não virá da extrema direita racista e xenófoba. O desenvolvimento não pode ser privilégio de poucos. Só um projeto social inclusivo nos permitirá erigir sociedades prósperas, livres, democráticas e soberanas. Não haverá estabilidade nem democracia com fome e desemprego", completou.

A maior parte do seu discurso, no entanto, foi para sinalizar uma parceria mais produtiva com o continente africano. Condenou de forma veemente as condições para pagamento das dívidas das nações africanas, que impedem o desenvolvimento.

Disse que 60 países, muitos deles na África estão próximos da insolvência e destinam mais recursos para pagar a dívida externa do que para gastos mais essenciais, como saúde e educação.

"É preciso buscar soluções para transformar dívidas injustas e impagáveis em ativos concretos, como rodovias, ferrovias, hidroelétricas, parques de energia eólica e solar, produção de hidrogênio verde e redes de transmissão de energia. Precisamos acompanhar passo a passo a evolução das novas tecnologias", afirmou.

Como mostrou a Folha, o governo Lula trabalha em um plano de renegociação das dívidas que países africanos têm com o Brasil. O objetivo é usar isso como trunfo, durante a presidência do G20, para cobrar os países ricos e as instituições financeiras, a seguirem o mesmo caminho.

Ao final, de improviso, o presidente pediu uma parceria maior com o continente, para ajudar os países a aproveitarem um potencial inexplorado, citando a agricultura, como exemplo. Disse que o Brasil por muitos séculos ignorou o continente africano.

E afirmou que agora quer compartilhar com as nações africanas "tudo o que o Brasil tem".

"O Brasil sempre olhou o mundo sem enxergar o continente africano. O Brasil durante muitos séculos foi governado olhando para o Estados Unidos e olhando para a Europa, e o Brasil não via nem a América do Sul e muito menos via continente africano. Quando assumi a presidência em 2003, resolvi fazer com que o Brasil se aproximasse do continente africano", afirmou.

"O oceano Atlântico não é um obstáculo para nossa aproximação, é uma dádiva de Deus para nossa aproximação [...]. Voltei a presidir o país, eu voltei e quero contribuir com o continente africano. Tudo, muito ou pouco, que o Brasil tem, quero compartilhar com o os países africanos, pois temos uma dívida histórica de 300 anos de escravidão que a única forma de pagar é com solidariedade e muito amor.

Lula também exaltou a atuação dos Brics, bloco que reunia originalmente Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas que foi ampliado no ano passado. Falou que se trata de um "avanço inegável" a consolidação do bloco como principal espaço de articulação dos países emergentes.

O mandatário brasileiro está em uma viagem de cinco dias pelo continente africano. A primeira parada foi Cairo, no Egito, onde visitou as pirâmides com a primeira-dama Janja, teve eventos com o ditador egípcio Abdel Fattah al-Sisi e discursou na sede da Liga Árabe.

Na sequência, Lula viajou para a Etiópia, onde foi recebido pelo controverso primeiro-ministro Abiy Ahmed, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, mas que agora lidera guerra contra rebeldes e é acusado de genocídio.

Lula também teria uma série de reuniões bilaterais em Adis Abeba no mesmo dia, mas que acabaram canceladas pois seus interlocutores tiveram problemas logísticos ou então foram convocados para reunião emergencial para tratar da escalada da violência na República Democrática do Congo.

Ele se encontrou para discutir a situação em Gaza no dia seguinte, às margens da cúpula da União Africana, com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shteyyeh.

Durante a sessão, Lula foi a quinta autoridade a discursar. Foi aplaudido pelos chefes de Estado e delegados, quando foi apresentado pelo presidente da Comissão da União Africana, Moussa Faki.

Em seu discurso, Faki criticou Israel pelos "ataques sem precedentes" à Faixa de Gaza.

Reprodução - Lula critica Israel por guerra e diz que mazelas não serão resolvidas por extrema direita racista

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