MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) - Quando os russos forem às urnas na inédita eleição presidencial de três dias que começa nesta sexta (15), ninguém terá dúvida do resultado. Vladimir Vladimirovitch Putin, 71, será reeleito pela quarta vez, cristalizando seu poder de czar do século 21.
O que ninguém sabe é o que o presidente tem em mente acerca de dois temas interligados: o curso da Guerra da Ucrânia e a economia.
Uma resposta à questão militar pôde ser encontrado já nesta quinta (14), quando os primeiros eleitores puderam votar de forma antecipada nas quatro regiões que Putin anexou ilegalmente no sul e no leste ucranianos, em setembro de 2022.
A cena foi condenada nos EUA e na Europa, mas simboliza a disposição russa de tornar a absorção um fato tão consumado como foi a anexação da Crimeia em 2014 ?ali, uma resposta à derrubada do governo pró-Moscou em Kiev, buscando inviabilizar a entrada da Ucrânia no Ocidente.
É diferente desta vez, porque há exatos dez anos nenhum tiro foi disparado e a península historicamente era russa, tendo sido cedida a Kiev em 1954.
Ao longo desta semana, a Folha de S.Paulo conversou com políticos, diplomatas e consultores ligados ao governo russo para tentar checar o pulso do Kremlin. Sob a proteção do anonimato, o consenso acerca da guerra é sombrio para quem está do lado de Volodimir Zelenski.
Segundo um consultor empresarial e um político do governista Rússia Unida, ambos fazendo a ressalva de que ninguém de fato sabe o que pensa Putin, os sinais são de que a guerra irá se estender até a definição sobre a volta ou não de Donald Trump à Casa Branca, em novembro.
Se o republicano simpático ao russo estiver no poder em 2025, o conflito segundo eles irá se expandir. Se tiver recursos militares, Putin pode tentar engolir a costa do mar Negro e ligar as áreas já ocupadas à Transdnístria, área russa étnica em Moldova. E talvez mais.
Já na hipótese de Joe Biden se reeleger, eles veem Putin mirando paz com seus ganhos consolidados, o que Kiev rejeita. Em ambos os casos, o temor dos ouvidos é de que o russo resolva testar a disposição da Otan [aliança militar ocidental] de defender Polônia e Lituânia caso ele queira unir o território de Kaliningrado a Belarus pelo chamado corredor de Suwalki.
Todos concordam que, passado motim de mercenários do Grupo Wagner contra a cúpula militar de junho passado e com a posição favorável em campo hoje, Putin está no zênite de seu poder.
Um diplomata sugere que a economia de guerra montada por Putin, com 2,7 vezes mais armas produzidas segundo o Kremlin só em 2023, garantirá ao menos três anos de fôlego ao presidente, se o barril de petróleo estiver acima de US$ 60 (está em US$ 84).
Depois disso, diz, a realidade começará a se interpor. A economia está bem, apesar das 19.282 sanções que sofre: cresceu 3,6% no ano passado, e a inflação começou a cair após os juros irem a 16% ao ano, marcando cerca de 7% anualizados em fevereiro.
O gasto militar russo, que foi de 4% do PIB em 2023, pode chegar a 7% neste ano. Um terço do orçamento federal discricionário está dedicado à guerra, e o conflito de dois anos drenou R$ 350 bilhões do fundo soberano montado com receitas de petróleo do país.
Com isso, há um impacto na vida cotidiana que até aqui se materializou num surto inflacionário dos ovos. "A vida não está ruim, mas podia melhorar. Ganho o mesmo há cinco anos", diz Ivan Konovalov, engenheiro da área de automação moscovita, que recebe o equivalente a R$ 15 mil mensais.
Em termos de renda, a Rússia vive uma década perdida. Desde 2014, as variações do PIB por PPP (paridade de poder de compra) per capita foram mínimas: ele está em R$ 138 mil ao ano. Até aqui, Putin reciclou promessas e disse que vai aplicar R$ 760 bilhões até 2030, quando acabará seu próximo mandato, em ações sociais.
Outro consultor político lembra que, diferentemente do que o Ocidente diz, o regime de Putin não é uma ditadura absoluta clássica. Ele depende da popularidade do líder para manter de pé o edifício do poder, no qual, à imagem dos czares ou secretários-gerais dos tempos soviéticos, a elite se confronta nos andares inferiores.
E essa popularidade veio justamente da melhoria na vida do russo sob Putin. Quando o ex-espião da KGB chegou ao Kremlin como primeiro-ministro, em 9 de agosto de 1999, o PIB por PPP per capita era de R$ 65 mil anuais ?mais que dobrou até 2013, quando começou a estagnação.
É por isso que há o verniz democrático de eleições que, como disse no ano passado o porta-voz Dmitri Peskov, são mera formalidade. Se Putin não repetir os 76,7% de votação do pleito de 2018, que teve 67,7% de comparecimento, luzes de alerta se acenderão.
Há sempre denúncias de manipulação das urnas, que neste ano serão amplificadas pelos três dias de votação e pela possibilidade, em 27 das 83 unidades da Federação, de votar por meio de um aplicativo de celular.
Ao fim, contudo, é a consolidação do sistema de poder sob Putin e seu apoio popular, que segundo o independente Centro Levada é de 85% na avaliação e de 76% sobre a guerra, que mantém o status quo. Em 2028, ele ultrapassará Josef Stálin (1878-1953) como mais longevo líder russo moderno, e se concorrer novamente à reeleição, poderá ficar até 2036 no Kremlin.
Segundo a mais recente pesquisa do estatal mas respeitado Centro Russo para o Estudo da Opinião Pública, publicada no começo do mês, Putin tem 75% de intenções de voto. Ainda assim, não há trégua ao dissenso, de resto reprimido no país de forma dura desde 2018 e, principalmente, após a guerra. Dois candidatos nanicos, mas de oposição, foram barrados.
O mesmo ocorrera com Alexei Navalni na eleição passada, e o ativista morto no mês passado na cadeia nunca teve peso eleitoral nacional. Seu fantasma assombra com a convocação de seus aliados por um protesto na forma de comparecimento maciço a seções eleitorais ao meio-dia do domingo (17).
Assim, os 114,2 milhões de russos aptos a votar terão, além de Putin, nomes que jogam dentro das regras do Kremlin nas cédulas. São eles o comunista Nikolai Kharitonov, 75 anos e 3% de intenção de voto, o ultranacionalista Leonid Slutski, 56 e 3%, e o liberal Vladislav Davankov, 40 e 5%, este o único que fala em paz com a Ucrânia, sem criticar o líder.
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