ITAGUAÍ, RJ, SÃO PAULO, SP, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Se em seu primeiro dia no Brasil o presidente da França, Emmanuel Macron, pouco falou de geopolítica, nesta quarta-feira (27), foram várias as suas declarações sobre o tema.
Sua programação na data, que incluiu eventos na região metropolitana do Rio de Janeiro e na cidade de São Paulo, justifica as falas em certa medida. Seu primeiro compromisso do dia foi, afinal, a cerimônia de batismo e lançamento ao mar do submarino Tonelero, no Complexo Naval de Itaguaí (RJ).
Trata-se do terceiro dos quatro submarinos convencionais com propulsão diesel-elétrica previstos no Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), uma das iniciativas oriundas de um acordo de parceria estratégica assinado entre França e Brasil em 2008 e estimado em R$ 40 bilhões em valores atuais. O programa prevê ainda a construção de um submarino convencional movido a propulsão nuclear, batizado de "Álvaro Alberto".
"As grande potências pacíficas, como a França e o Brasil, devem reconhecer que, neste mundo cada vez mais desorganizado, temos que ser capazes de fazer uso de falar da firmeza e da força. Somos as potências que não querem ser os lacaios de outros. Temos que saber defender com credibilidade a ordem internacional", afirmou Macron.
Lula, por sua vez, defendeu a ampliação da cooperação internacional militar entre as nações para ajudar o Brasil a "conquistar maior autonomia estratégica diante os múltiplos desafios que a humanidade se depara nesse século 21".
"É uma parceria que vai permitir que dois países importantes, cada um em um continente, preparem-se para que a gente possa conseguir conviver com essa diversidade sem nos preocupar com qualquer tipo de guerra, porque somos defensores da paz", disse o petista, acrescentando ser necessário "se preocupar com a tranquilidade de 203 milhões de brasileiros que moram nesse país". "Hoje nós sabemos que existe um problema muito sério de animosidade contra o processo democrático neste país e no planeta Terra."
O termo "autonomia estratégica", usado por Lula, tem lugar no vocabulário de Macron há tempos. O francês defende maior independência da Europa em relação a países de fora do continente em âmbitos como energia, defesa, tecnologia e outros.
Quando ele afirmou, quase um ano atrás, que isso deveria valer também para a disputa crescente entre Estados Unidos e China, causou furor entre líderes de países vizinhos. Para eles, Macron estaria abrindo uma brecha para um desmantelamento da aliança com Washington no momento em que ela é mais necessária no continente --em meio à Guerra da Ucrânia, maior conflito no território desde a Segunda Guerra Mundial.
Mais tarde, já em São Paulo --único trecho de sua visita em que ele não esteve acompanhado de Lula--, Macron voltou a mencionar o conceito, dessa vez em discurso em um fórum econômico organizado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) que contou com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço.
Na ocasião, o francês afirmou ver um grande potencial na parceria entre Brasil e França porque os dois países compartilhavam a mesma visão de mundo. Ambos, ele disse, recusam-se à se render a "uma ordem bipolar, onde cada um teria de escolher o seu lado" e ser submisso a ele. E preferem o multilateralismo, um caminho que, prosseguiu, "permite-nos ser independentes, o que não significa nos fecharmos".
Depois da Fiesp, e com a agenda já atrasada, Macron seguiu para o campus Butantã da Universidade de São Paulo (USP), na zona oeste da capital, onde participou da cerimônia de inauguração da unidade do Institut Pasteur de São Paulo. A organização privada, sem fins lucrativos e voltada para a pesquisa científica, firmou em março de 2023 um convênio com a USP.
Em seguida, o líder foi ao Lycée Pasteur, na Vila Mariana, onde uma recepção para a comunidade francesa teve a presença do chef Patrick Martin, diretor da escola francesa de gastronomia Le Cordon Bleu em São Paulo; de Fabrice Le Nud, da Pâtisserie Douce France, também da capital paulista; e do chef Christian Formon, à frente de um bufê. O coquetel teve queijos e charcuteria de origem francesa e outras receitas do mesmo país, como pães.
Entre os presentes estava ainda o ex-jogador Raí, que por anos vestiu a camisa do time de futebol francês Paris Saint-Germain (PSG). Ele e cinco jovens que participam de sua ONG, a Fundação Gol de Letra, e participarão em julho da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris se encontraram com o presidente francês.
Macron também participaria de um jantar com artistas no hotel Rosewood. O estabelecimento ocupa um antigo hospital dentro da Cidade Matarazzo, complexo de edifícios do início do século 20 que passou por obras de restauros, e fica nos arredores da avenida Paulista. É operado pelo empresário francês Alexandre Allard e pela rede Rosewood Hotels & Resorts, cadeia internacional de estabelecimentos de luxo.
A visita de Macron ao Lycée Pasteur alterou a rotina da pacata via onde fica a instituição, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Por volta das 17h --mais de três horas antes da chegada de Macron--, três agentes vestidos de preto, falando francês, vasculharam o entorno do colégio com dois cães da raça pastor alemão, e depois o interior da unidade escolar. Cinco toldos brancos e dez seguranças de uma empresa privada também faziam uma vigília na região.
O movimento diferente atraiu quem passou pela rua à tarde. Uma pequena multidão chegou a reunir 12 pessoas.
O advogado aposentado José Claudio Macedo, 77, era uma delas. "Sou de Santos, mas vim para São Paulo hoje porque minha mulher foi visitar os netos aqui perto e quando soube que o Macron estava para chegar, eu decidir tentar ver o presidente. Ele é muito carismático, vim tietar", disse.
A visita do líder francês, sua primeira à América Latina no cargo, termina nesta quinta-feira (28), em Brasília. Ao final, ele terá por quatro cidades --a primeira delas, na terça (26), foi Belém, no Pará, onde Lula e Macron anunciaram um plano de investimentos em bioeconomia para a Amazônia.
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