BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Políticas temporárias de apoio à renda no cenário doméstico e desaceleração mais acentuada da atividade global em um ambiente de inflação pressionada reforçam a cautela do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central sobre os juros, conforme ata divulgada nesta terça (9).

Na última quarta (3),o Copom repetiu a dose de 0,5 ponto percentual, elevando a Selic a 13,75% ao ano, e deixou a porta aberta para um possível ajuste residual na próxima reunião, em setembro. Na ata, o comitê repetiu que avaliará a necessidade de uma nova alta de menor magnitude, ou seja, de 0,25 ponto.

"Além disso, dada a persistência dos choques recentes, o comitê seguirá vigilante e avaliará se somente a perspectiva de manutenção da taxa básica de juros por um período suficientemente longo assegurará tal convergência", afirmou. No último encontro, o colegiado do BC estendeu o período de avaliação até o primeiro trimestre de 2024, quando projeta inflação de 3,5%.

Considerando a defasagem dos efeitos da política monetária na economia, o colegiado tomou sua decisão sobre os juros olhando para a meta de 2023 e, em menor grau, para o objetivo de 2024 ?fixados pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 3,25% e 3%, respectivamente, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.?

No documento, o colegiado ressaltou que a política fiscal pode afetar a inflação por meio de vários canais, incluindo seu efeito sobre a atividade, preços de ativos e expectativas de inflação. ?

Nesta terça, o governo Jair Bolsonaro (PL) iniciou o pagamento de benefícios sociais turbinados à população. Na corrida ao Planalto, tanto o atual chefe do Executivo quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já prometeram que, se eleitos, manterão o Auxílio Brasil no patamar de R$ 600 em 2023.

"O prolongamento de tais políticas [de apoio à renda] pode elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionam a demanda agregada e pioram a trajetória fiscal", afirmou.

O BC ressaltou também que ainda não é possível observar grande parte do efeito contracionista esperado sobre a economia, bem como seu reflexo sobre a inflação corrente. De acordo com o Copom, esses impactos devem ficar mais evidentes nos indicadores de atividade referentes ao segundo semestre.

"Mas o comitê antecipa que medidas de sustentação da demanda agregada, que serão implementadas no curto prazo, devem dificultar uma avaliação mais precisa sobre o estágio do ciclo econômico e dos impactos da política monetária", ponderou.

Com o teto de 17% ou 18% da alíquota de ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, o Brasil teve deflação (queda de preços) de 0,68% em julho, informou nesta terça o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mesmo com a trégua mensal, o índice de inflação segue em dois dígitos no acumulado de 12 meses. Até julho, a alta foi de 10,07%.

Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital, disse que a ata e o comunicado divulgado após a reunião trazem leituras bem similares. Para ele, o documento mais recente avança com a constatação do BC de que o hiato do produto está mais fechado, com influência das medidas fiscais que sustentam a atividade no Brasil.

O jargão usado pelo economista se refere ao nível de ociosidade da economia. Quando o número fica negativo, isso significa que a economia está rodando abaixo de seu potencial.

A autoridade monetária destacou na ata que "os dados referentes ao mercado de trabalho, em especial o volume de contratações e a taxa de desocupação, surpreenderam no período e indicam um estreitamento da estimativa do hiato do produto mais célere que o antecipado."

"Ele [o BC] anuiu que o hiato está mais fechado. Isso acaba fazendo com que a política monetária seja contracionista, ainda mais porque estamos com a inflação muito acima do centro da meta para esse ano e para o ano que vem, e [o comitê] leve a Selic para pelo menos 13,75% e a mantenha nesse patamar por um bom tempo", afirmou o economista.

De acordo com Maciel, uma eventual alta de 0,25 ponto percentual na próxima reunião faz uma certa diferença caso haja alguma surpresa inflacionária "no meio do caminho", citando o recrudescimento do discurso chinês sobre o Taiwan como exemplo.

Para o Itaú, a ata do Copom sugere que a elevação mais recente da Selic foi provavelmente a última do ciclo de aperto monetário.

"As autoridades mencionam que os efeitos defasados da política monetária devem se intensificar no segundo semestre de 2022, mas destacam que estímulos fiscais de curto prazo podem confundir a interpretação dos efeitos cumulativos da política monetária. A nosso ver, isso contribui para a decisão de manter a taxa de juros estável à frente", disse Mario Mesquita, economista-chefe do banco, em relatório.

Tatiana Nogueira, economista da XP, também considera que a ata sinaliza o fim do choque de juros com a Selic em 13,75% e o início de um longo período de "parar para ver".

"Na nossa opinião, apesar de nesse nível ainda não ser suficiente para trazer a inflação para a meta em 2023, trará desaceleração e, quando o horizonte da política monetária mudar para 2024, o BC terá espaço para iniciar o ciclo de flexibilização", disse.

A ata deu bastante destaque para o cenário internacional de desaceleração econômica, com a retirada de estímulos implementados ao longo da pandemia e a atuação dos bancos centrais para frear o avanço da inflação global. Segundo a autoridade monetária, permanecem pontos de atenção referentes a questões geopolíticas.

"A guerra na Ucrânia gera impactos sobre o fornecimento de gás natural, adicionando incerteza sobre o cenário econômico europeu, enquanto a deterioração do setor imobiliário, aliada à política de combate à Covid-19, impactam negativamente as perspectivas de crescimento chinesas", considerou.

Mas o BC indicou igualmente no documento que já se observa uma "normalização incipiente" nas cadeias de suprimento e uma "acomodação" nos preços das principais commodities.

"Aliada à recomposição nos estoques de produtos industrializados, esses desenvolvimentos podem implicar moderação nas pressões inflacionárias ligadas a bens. Por outro lado, o grau de ociosidade do mercado de trabalho nessas economias sugere que pressões inflacionárias no setor de serviços podem demorar a se dissipar", comentou.

Desde o primeiro movimento, quando a Selic partiu de seu piso histórico (2% ao ano) em março de 2021, o ciclo de aperto acumula elevação de 11,75 pontos percentuais. O atual choque de juros já é o mais longo da série histórica e o mais intenso desde a adoção do regime de metas para inflação, em 1999.

?Com o 12º aumento consecutivo, a taxa básica atingiu o patamar mais alto desde o fim de 2016. De outubro a novembro daquele ano, ainda durante o governo Michel Temer (MDB), a Selic estava fixada em 14% ao ano.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!