LONDRES, REINO UNIDO (FOLHAPRESS) - Reunidos ao longo desta semana na sede da IMO (Organização Marítima Internacional), em Londres, os países-membros da agência da ONU concluíram, na noite desta quinta-feira (6), uma nova estratégia de gases-estufa para o setor marítimo.
Os países conseguiram consenso sobre o objetivo de zerar as emissões líquidas do setor até por volta de 2050. A decisão será adotada em plenária nesta sexta-feira (7) e representa um salto em relação ao compromisso anterior, que estimava reduzir apenas pela metade as emissões até 2050.
O prazo de 2050 foi objeto de disputa que levou negociadores a vararem a madrugada de quarta para quinta. Isso porque o Acordo de Paris permite flexibilidade aos países para determinar suas metas climáticas, fazendo com que alguns já tenham definido o ano de 2050 como limite para zerar suas emissões, algo previsto na meta brasileira, enquanto outros, como a China, estabeleceram o prazo de 2060.
Como a decisão da IMO se tornará lei nos países, os negociadores priorizaram a acomodação das diversas circunstâncias nacionais no texto. O texto final ficou com a seguinte construção: "zerar emissões até ou por volta de, isso é, perto de 2050".
A trajetória até 2050 também foi aprovada na forma de "checkpoints indicativos" (uma nomenclatura mais fraca do que "objetivos", o que diminui a pressão sobre países que não acompanharem essa trajetória).
O novo texto aproxima-se do que os países já haviam decidido no Acordo de Paris (que não aborda emissões do setor marítimo nem da aviação civil), mas ainda não é alinhado ao compromisso de evitar um aquecimento superior a 1,5°C na média global, o que significa cortar emissões pela metade até 2030.
Os países concordaram em reduzir as emissões de gases-estufa em "pelo menos 20%, esforçando-se para 30% até 2030". Até 2040, a janela de redução deve ficar entre 70% e 80%, chegando a zero por volta de 2050.
Embora insuficiente diante do desafio climático, o resultado foi celebrado pelos negociadores e também pelo secretário-geral do órgão, Kitack Lim. "O resultado é monumental, eu não esperava. Os países chegaram a um consenso sem precedentes na IMO", afirmou à Folha.
Após reuniões tensas pela madrugada, as negociações correram o risco de terminar sem acordo. Foi da noite para o dia, literalmente, que a ambição da projeção na curva de emissões aumentou.
Após países africanos e de pequenas ilhas terem abandonado as salas de negociação sob forte frustração na madrugada de quarta para quinta, na manhã desta quinta o Brasil operou, a pedido do grupo das pequenas ilhas, uma costura para convencer os países a subirem as metas de 2030 e 2040.
A Folha apurou que as Ilhas Marshall insistiram com o Brasil para que saíssem dali com meta 5% maior. No rascunho anterior, as reduções de emissões estavam previstas para até 25% em 2030 e até 75% em 2040.
O Brasil, então, negociou com países desenvolvidos e com o bloco em desenvolvimento para adicionar ao texto os trechos "esforçando-se para 30% até 2030" e "esforçando-se para 80% até 2040". As metas são relativas às emissões do setor no ano de 2008.
A conquista satisfez os países-ilha, que voltaram a bordo para o acordo. Em agradecimento, o enviado especial das Ilhas Marshall, Albon Ishoda, retirou o colar que usou durante a semana e o vestiu no negociador do Itamaraty, Bruno Carvalho Arruda, em um gesto de aliança. Países desenvolvidos também agradeceram ao Brasil pela costura.
O Brasil foi de vilão a mocinho das negociações ao longo da semana. Isso porque os países chegaram à plenária inicial da IMO, na segunda-feira (3), sob forte divisão: o bloco desenvolvido e o grupo dos mais vulneráveis estavam juntos em defesa da taxação de carbono para o setor marítimo.
Do outro lado, Brasil, China e países em desenvolvimento da América Latina e da África resistiram à proposta, sob o argumento de que ela afetaria desproporcionalmente as exportações dos países em desenvolvimento, tanto por eles estarem mais longe de grandes mercados consumidores, quanto por exportarem commodities, de menor valor agregado em relação aos industrializados, o que aumenta o impacto de uma taxação no preço final dos produtos.
A principal proposta de taxa de carbono, apoiada pelos europeus e pelos países mais vulneráveis ao clima, estabelece que países paguem US$ 100 por tonelada de carbono emitida, gerando um fundo de apoio ao financiamento climático nos países mais necessitados.
Já outras propostas buscam flexibilizar as condições para pagamento. A Noruega, por exemplo, propôs um mercado de créditos de carbono para o setor marítimo. Já o Japão propôs um sistema de taxas e descontos, que geraria recompensas para navios que usassem combustíveis de mais alto padrão ambiental.
Nessa linha, a China propôs, com apoio do Brasil e outros países em desenvolvimento, que os incentivos fossem baseados no padrão de combustível -classificado de A a E, semelhante à classificação de eficiência energética dos eletrodomésticos brasileiros.
Os navios movidos a combustíveis de notas mais altas (A e B) receberiam incentivos, enquanto os de nota mais baixa (D e E) teriam que pagar uma taxa, que financia programas de transferência tecnológica para países em desenvolvimento.
Após terem discutido as propostas nos últimos seis meses, os negociadores chegaram a Londres com a expectativa de ter que escolher um dos mecanismos de precificação de carbono. Sob resistência das economias emergentes, a decisão foi adiada.
Após divulgar um estudo da USP (Universidade de São Paulo) mostrando que os países em desenvolvimento seriam desproporcionalmente afetados por uma taxa de carbono, o Brasil buscou convencer os países de que um estudo de avaliação dos impactos deveria ser feito antes da escolha do mecanismo.
O país participou da elaboração de uma complexa matriz de cenários, que devem ser cruzados com as principais propostas de precificação de carbono para medir os impactos sociais e econômicos em todas as regiões do globo.
O estudo deve ficar pronto até o início de 2025, quando os países terão seis meses para analisar impactos e adotar um dos mecanismos de precificação de carbono, que deve passar a valer a partir de 2027.
A jornalista viajou a convite do Global Strategic Communications Council (GSCC)
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