RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro decidiu nesta terça-feira (23) abrir a primeira ação penal no país pelo crime de violência política de gênero, tipificação criada no ano passado.
O réu é o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ)), acusado pela Procuradoria Eleitoral de proferir um discurso que assediou, constrangeu e humilhou Benny Briolly (PSOL-RJ), vereadora em Niterói, por sua condição de mulher trans.
Em discurso na Assembleia Legislativa, Amorim chamou Briolly de "aberração da natureza", "boizebu", entre outras ofensas.
A desembargadora Katia Junqueira, relatora do processo, negou pedido da defesa do deputado para negar a abertura da ação penal sob alegação da imunidade parlamentar.
"Não há como se conceber o manejo de uma garantia inerente à democracia para ofender o seu principal fundamental, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Na linha da jurisprudência construída pelo STF, tanto a liberdade de expressão como a inviolabilidade parlamentar não se compatibilizam com o discurso de ódio, o ato discriminatório e o preconceito", afirmou a magistrada.
Na acusação, a Procuradoria Eleitoral afirmou que Amorim teve "o claro propósito de dificultar o desempenho do mandato eletivo da parlamentar", condição para denúncia do tipo.
"O acusado buscou menosprezar a parlamentar, chamando-a de aberração entre outras ofensas, para tirar dela a legitimidade de propor e defender pautas de gênero", disse a procuradora Neide de Oliveira.
Amorim ficou nacionalmente conhecido na campanha de 2018 ao quebrar a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros em março daquele ano em crime cujo mando ainda não foi esclarecido.
Durante a sessão que instaurou a ação penal, o advogado Rodrigo Barroso, que representava Amorim, alegou que o deputado conta com imunidade parlamentar. Afirmou também que, caso a prerrogativa não fosse considerada, o caso tratava-se apenas de uma possível injúria, e não crime de violência política de gênero.
"O denunciado tem imunidade parlamentar. Obviamente a imunidade não é absoluta. Só que a gente não pode relativizá-la ao ponto de suprimi-la. Não como se cogitar qualquer violência de gênero. Se a gente for levar a ideia de um crime de violência política de gênero pelas palavras proferidas pelo denunciado, no máximo esbarraria no crime tipificado no art. 140 do Código Penal [injúria], uma ação privada", disse o advogado.
Procurada, a assessoria do deputado não respondeu até a publicação deste texto.
Briolly comemorou o resultado em seus redes sociais: "Viva a luta das mulheres!"
O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na Lei 14.192, uma vitória da bancada feminina no Congresso. A legislação estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a das Eleições.
A eleição de outubro 2022 é a primeira em que é considerado crime assédio, constrangimento, humilhação, perseguição e ameaça de uma candidata ou a uma política já eleita. Ainda estabelece que é ilegal atuar com menosprezo ou discriminação à condição de mulher, sua cor, raça ou etnia.
A punição é de até quatro anos de prisão e multa. Se a violência ocorrer pela internet, a pena é mais dura, podendo chegar a seis anos.
Qualquer candidato ou político pode ser vítima de violência política, um ato que tenta minar uma candidatura com ameaça e intimidação, de forma organizada ou não. A segmentação do gênero, entretanto, foi resultado dos debates sobre igualdade de gênero na política e os efeitos da violência em candidaturas femininas, bem como nas da população LGBTQIA+, de negros e indígenas.
A lei brasileira considera a violência política contra a mulher "toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher".
Ela garante, também, que sejam cumpridos os direitos de participação política da mulher, "vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça".
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