SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na véspera do 11 de agosto, a ausência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) dentre os signatários da carta pró-democracia da Faculdade de Direito ainda gera incomodo. Embora o manifesto próprio, lançado na segunda-feira (8), tenha recebido elogios, a demora ainda gera críticas.
O gesto veio quase duas semanas após o lançamento da "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!", uma referência à Carta aos Brasileiros, de 1977, marco no enfrentamento à ditadura militar no país.
Dentre as mais de 880 mil subscrições ao novo texto, que exalta princípios democráticos, estão as dos ex-presidentes da Ordem Felipe Santa Cruz, Cezar Britto e José Roberto Batochio. Advogados e presidentes de algumas seccionais também aderiram, como Patrícia Vanzolini, da OAB-SP, a maior do país.
Até a manhã desta quarta (10), Beto Simonetti, atual presidente da instituição, não estava entre os signatários da carta, que será lida em uma cerimônia restrita a 1.200 convidados nesta quinta (11). Da mesma forma, a OAB não figurava na lista de 279 entidades que apoiam o documento.
Procurada pela reportagem, a Ordem não se posicionou sobre a ausência. Na segunda, durante reunião do Conselho Federal em Brasília, Simonetti destacou a importância das cartas, recebeu elogios pelo manifesto próprio da Ordem e também foi cobrado a se somar aos outros movimentos.
Para a cientista política Maria Tereza Sadek, da USP, fica o questionamento sobre o motivo da demora para a manifestação da Ordem, que ela entende como um reflexo claro de divisão interna na instituição.
O criminalista Alberto Toron, conselheiro por São Paulo, afirma que há uma interpretação equivocada por parte da direção da OAB, que identifica nos documentos viés partidário. "A meu ver, é um grande engano", disse, cobrando que a instituição também se some aos outros movimentos.
Para o conselheiro, há em tal postura uma tentativa de se diferenciar da gestão de Santo Cruz, notabilizada por críticas a Bolsonaro, e um reflexo da divisão existente na classe.
Olavo Hamilton, conselheiro da OAB pelo Rio Grande do Norte, nega que exista uma divisão interna na instituição e atribui a demora de posicionamento à necessidade de ouvir todos os 80 conselheiros. Ele também reforça que não houve uma decisão sobre não assinar os outros manifestos.
"Foi o texto possível dentro de um conselho, que é grande e representa os 26 estados e o Distrito Federal, e o prazo de 11 de agosto", diz.
Os organizadores da carta da Faculdade de Direito afirmam que a manifestação da OAB é bem-vinda. "Cada entidade escolhe sua melhor forma de defender o Estado democrático de Direito. Todos somam na mesma defesa da democracia e do cumprimento da Constituição".
O advogado e professor titular da faculdade, Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, diz que a nota é boa "porque a OAB não poderia seguir se omitindo, mas que é uma pena que ela não perfile entidades, inclusive seccionais suas, no movimento pelo Estado democrático de Direito que é apartidário, supra ideológico, amplo e plural".
"Este é o momento de somar e multiplicar, não de dividir", afirmou.
Apesar de convidada, a OAB também não aderiu ao manifesto pró-democracia articulado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
O professor Oscar Vilhena Vieira, professor da FGV Direito SP e colunista da Folha, que integra a organização do texto, diz a OAB deu um passo tímido, mas relevante.
"O Conselho Federal deu agora um primeiro passo, que embora tímido, é relevante, pois contempla a defesa das urnas eletrônicas e do TSE. Seria uma contradição que uma entidade que representa a advocacia não se posicionasse na defesa do Estado de Direito", afirmou, acrescentando que seccionais como a de São Paulo tem reiterado o compromisso histórico da instituição.
O professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurélio Vannucchi, autor da tese "Os cruzados da ordem jurídicas: a atuação da OAB, 1945-1964", explica que foi na luta contra a ditadura do Estado Novo de Vargas que a Ordem, criada em 1930 para assegurar a reserva de mercado aos formados em direito, passou a ter outro papel.
"A partir de 1944 o que acontece é que um grupo de juristas liberais que depois vai aderir à UDN (União Democrática Nacional) consegue assumir a direção do Conselho Federal e coloca a OAB e outros conselhos seccionais em oposição ao Estado Novo. Esse é um período de intensa e evidente militância política da OAB", diz.
Com o governo de João Goulart, a partir de 1961, Vannuchi afirma que a instituição passa a fazer uma clara oposição às medidas adotadas pelo presidente, como as chamadas reformas de base, fazendo eco a setores conservadores da sociedade.
A instauração da ditadura militar no país, em 1964, teve apoio da OAB, que, diante de críticas de contradições do regime, mudou de postura na década de 1970, quando a Ordem se torna voz de referência para a sociedade civil na luta pela redemocratização.
Para o professor, a instituição passa agora por um dilema sobre como manter a relação com o Estado para dar conta da agenda da classe, sem perder a relevância no debate sobre a democracia no país.
"Hoje em dia, essa boa relação com o Estado coloca em tensão, se não em risco, esse papel que a OAB se auto atribui e é m grande medida reconhecido socialmente de defender a ordem jurídica entendida como uma ordem jurídica vinculada a tradição democrática liberal."
Como exemplo disso, ele cita o trecho do manifesto na qual a OAB diz não ser "apoiadora ou opositora de governos, partidos e candidatos" para na sequência que a autonomia crítica da instituição "assegura credibilidade e força para nossas ações de amparo e intransigente defesa ao Estado democrático de Direito".
"A pergunta que vem é: e quando governos partidos e candidatos se colocam contra o Estado democrático de Direito?", diz.
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