SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Marcelo Nogueira, ex-funcionário da família de Jair Bolsonaro (PL), contou em entrevista ao UOL que a advogada Ana Cristina Siqueira Valle, segunda ex-mulher do presidente, confidenciou a ele que a primeira mansão onde o casal viveu, na Barra da Tijuca (RJ), entre 2002 e 2007, foi paga com "dinheiro por fora". Ela nega as acusações.
O imóvel que fica na rua Maurice Assuf, na zona oeste do Rio, foi comprado em 22 de novembro de 2002. A antiga mansão tinha dois pisos e piscina e ficava no mesmo condomínio do ex-jogador Zico, ídolo do Flamengo.
Antes de formalizar a negociação, o antigo casal Bolsonaro fez uma escritura de promessa de compra e venda. Esse documento foi lavrado no 24º Ofício de Notas em 19 de agosto de 2002.
Nessa escritura, ficou descrito que a venda da mansão foi negociada por um valor de R$ 500 mil. No entanto, o imóvel, à época, tinha valor de avaliação para cálculo de imposto no total de R$ 874,1 mil. Ou seja, o negócio saiu com um desconto de 43%.
Segundo o acerto de Cristina e Jair com os antigos proprietários, R$ 160 mil foram quitados com um cheque, entregue no ato da compra da mansão, e outros R$ 250 mil deveriam ser pagos até o dia 19 de dezembro de 2002.
O casal declarou ao cartório que havia pagado R$ 90 mil anteriormente, como sinal. Não ficou descrito no documento o modo do pagamento desse sinal. Nem foi informado posteriormente, quando a escritura de compra e venda foi formalizada após os R$ 250 mil terem sido quitados.
Como Marcelo Nogueira trabalhou para Cristina e Bolsonaro na época da compra, o UOL perguntou ao ex-funcionário se ele sabia como se deram as tratativas. Marcelo relatou que começou a trabalhar para Cristina, como a advogada é conhecida, e Bolsonaro na campanha de Flávio Bolsonaro para deputado estadual, em 2002, e depois foi convidado a permanecer trabalhando na nova mansão que o casal havia comprado.
Ele contou que, ao limpar o escritório e organizar alguns papéis, viu a escritura da casa, por ocasião da mudança, e comentou com Cristina que se surpreendeu com o valor, dadas as características do imóvel. Marcelo afirma que então Cristina disse a ele: "É que sempre tem um por fora, né?". Atualmente a casa vale quase R$ 3 milhões.
"Quando ela comprou aquela casa da Barra, na época, por R$ 500 mil, na documentação. Só que foi mais. Que foi dado em dinheiro vivo, por trás", contou o ex-funcionário.
A mansão consta do levantamento feito pelo UOL revelado na terça-feira (30). Desde os anos 1990 até os dias atuais, o presidente, irmãos, a mãe e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo, segundo declaração dos próprios integrantes do clã.
No entanto, só agora, por meio do depoimento de Marcelo Nogueira, é que se sabe que a transação também pode ter envolvido dinheiro em espécie.
Após a separação de Cristina, em 2007, Bolsonaro ficou com o imóvel da rua Maurice Assuf e o vendeu para comprar outra casa na Barra da Tijuca, no condomínio Vivendas da Barra, onde ele foi viver com Michelle, a atual primeira-dama.
A nova compra aconteceu em 2009. A casa foi adquirida por R$ 409 mil, porém era avaliada em R$ 1 milhão à época. Outra singularidade é que a proprietária anterior vendeu o imóvel a Bolsonaro com redução de 31% em comparação ao que havia desembolsado quatro meses antes.
O caso foi revelado pela Folha em 2018 e chegou a ter uma apuração preliminar na PGR (Procuradoria-Geral da República), arquivada posteriormente.
Quem é o ex-funcionário Marcelo Nogueira fazia parte do núcleo de assessores de gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual, atuando como assessor entre 2003 e 2007. No entanto, o trabalho dele sempre foi gerenciar a mansão onde Ana Cristina vivia e cuidar do filho dela com Jair Bolsonaro, Jair Renan Bolsonaro.
Quando Bolsonaro e Ana Cristina se separaram, ele foi exonerado do cargo e empregado no escritório de advocacia dela, até 2009. Depois disso, ela deixou o Brasil. Quando retornou ao país, em 2014, ela o convidou para trabalhar novamente em sua casa, em Resende, no interior do Rio.
Nogueira é alvo de investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro que apurou a prática de "rachadinha" no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ele teve sigilos fiscal e bancário quebrados por autorização judicial quando o caso estava na primeira instância no Rio.
Em fevereiro do ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou as quebras de sigilo. A investigação segue sendo tocada pelo MP fluminense.
Em 2021, Marcelo Nogueira brigou com Ana Cristina, por desavenças de ordem trabalhista. Desde então ele vem relatando em público supostos crimes da ex-empregadora.
Nogueira já havia dito que entregava salário, 13º e férias em dinheiro vivo a Cristina. Também disse que devolvia 80% do seu salário quando ficou no gabinete de Flávio.
O que dizem os envolvidos O UOL conversou com Edison Magalhães, antigo proprietário da mansão. Ele informou que a negociação foi feita por sua mulher, que já faleceu, com Cristina, e que foi feita legalmente. Ele disse que não se recordava dos detalhes devido ao tempo, mas que eles estariam em acordo com o que foi declarado na escritura.
Ao UOL, Cristina negou ter havido pagamento "por fora" na compra da casa. Segundo ela, o valor venal do imóvel era maior que o real por se tratar de "avaliação artificial" da prefeitura do Rio. "Prefeituras de todo Brasil fazem isso para cobrar IPTU maior e aumentar a arrecadação", afirmou.
De acordo com a ex-mulher de Bolsonaro, à época dos fatos, "o imóvel foi comprado pelo valor real de mercado regular e dentro da lei".
"Querem atingir o presidente em época de campanha, criando especulação sobre coisas que não existem, de 20 anos atrás. Fazem isso por não encontrarem nenhuma irregularidade no governo", afirmou.
O UOL procurou o presidente Jair Bolsonaro, por meio da assessoria do governo, mas ele não se manifestou antes da publicação da reportagem.
Na terça, o presidente demonstrou irritação ao ser questionado sobre as negociações em dinheiro do patrimônio familiar. "Qual é o problema de comprar com dinheiro vivo algum imóvel, eu não sei o que está escrito na matéria... Qual é o problema?", disse o presidente após participar de uma sabatina promovida pela União Nacional do Comércio e dos Serviços. "O que eu tenho a ver com o negócio deles?", questionou sobre os filhos e a familiares que moram no Vale do Ribeira (SP).
"Então tudo bem. Investiga, meu Deus do céu. Quantos imóveis são? Mais de cem imóveis... Quem comprou? Eu? A minha família? Meus filhos já foram investigados. Desde quando eu assumi, quatro anos de pancada em cima do Flávio, do Carlos, Eduardo menos... Familiares meus do Vale do Ribeira. Eu tenho cinco irmãos no Vale do Ribeira."
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