BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Mesmo com apelos de aliados e militares para que Jair Bolsonaro (PL) evitasse ataques contra instituições no Bicentenário da Independência, o presidente atuou, na véspera do 7 de Setembro, para inflamar apoiadores e provocar o STF (Supremo Tribunal Federal) ao ordenar a entrada de caminhões na Esplanada dos Ministérios.

A decisão do presidente de autorizar o acesso de caminhões com apoiadores na região onde ocorre o tradicional desfile cívico-militar do feriado provocou um embate com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que disse à Folha de S.Paulo que iria proibir a entrada desses veículos na Esplanada.

O veto à entrada de caminhões era o pedido prioritário do STF às forças de segurança, e um acordo chegou a ser fechado para evitar a entrada dos caminhoneiros.

Com a ordem de Bolsonaro, o Exército cadastrou cerca de 60 caminhões para entrarem na Esplanada e ficarem expostos na via oposta à do desfile, inflando o movimento.

O Exército foi acionado para o cadastramento por ser o responsável pela organização da comemoração, por meio do Comando Militar do Planalto

Ao pedir a proibição de caminhões na Esplanada, o Supremo queria evitar a repetição de episódios registrados no ano passado. No feriado da Independência de 2021, caminhões e ônibus derrubaram duas barreiras montadas pela PM e invadiram a área restrita.

No dia seguinte, mais de cem caminhões ocuparam a Esplanada dos Ministérios, sendo usados para pressionar pela derrubada dos bloqueios que davam acesso ao STF e ao Congresso.

Depois de a Folha de S.Paulo revelar a ordem de Bolsonaro, Ibaneis contrariou o presidente.

"Não vai entrar [nenhum caminhão]. A segurança é do Governo do Distrito Federal. Eles só vão entrar se for por ato de força, o que não vamos permitir", disse o governador.

"A Esplanada está fechada [para o trânsito de veículos] e só vai entrar caminhão se depender de minha ordem. Vão entrar pessoas, como estava definido. A Polícia Militar está lá e a ordem é não entrar ninguém [de caminhão]", completou.

Ibaneis ainda disse à Folha de S.Paulo que a segurança do 7 de Setembro foi "combinada com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF, com participação da Presidência da República". O governador afirmou que não conversou com Bolsonaro sobre o assunto.

Nas semanas que antecederam o 7 de Setembro, aliados de Bolsonaro tentaram modular o discurso do presidente. O temor de estrategistas da campanha é que novos embates com o Judiciário e ameaças golpistas afugentem eleitores moderados, que o mandatário tenta conquistar.

Interlocutores do presidente enviaram mensagens ao TSE de que o tom da participação de Bolsonaro no Dia da Independência seria definido de acordo com as conversas que as Forças Armadas teriam com a corte eleitoral.

Os militares sugerem alterações no teste de integridade das urnas, pauta usada por Bolsonaro para atacar o sistema eleitoral. Na última quarta-feira (31), o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, acenou ao Ministério da Defesa e afirmou que vai elaborar um projeto-piloto para atender à sugestão das Forças Armadas.

Apesar do aceno, Bolsonaro chamou Moraes de "vagabundo" no último sábado (3) ao comentar a operação da PF (Polícia Federal) contra oito empresários bolsonaristas que defendiam um golpe de Estado num grupo de WhatsApp.

"Eu posso pegar meia dúzia aqui, bater um papo e falar o que bem entender. Não é porque tem um vagabundo ouvindo atrás da árvore a nossa conversa que vai querer roubar nossa liberdade. Agora, mais vagabundo do que esse que está ouvindo a conversa é quem dá a canetada após ouvir o que ouviu esse vagabundo", disse em evento em Nova Hamburgo (RS).

Bolsonaro também deu sinais de que pretende radicalizar o discurso no 7 de Setembro ao convidar os empresários investigados para os eventos de comemoração do Bicentenário da Independência. "Convidei. São pessoas honradas. Duas delas têm contato comigo", afirmou em entrevista à Jovem Pan na terça (6).

Na entrevista, Bolsonaro ainda afirmou que "não concorda em nada" com o ministro Edson Fachin, do STF, e fez críticas à decisão do ministro de suspender decretos que flexibilizavam a compra de armas e munições.

"E peço a quem está assistindo que acredite em mim. Acabando as eleições, a gente resolve a questão dos decretos em uma semana. Todo mundo tem que jogar dentro das quatro linhas da Constituição", disse, sem dar detalhes.

O esforço para conter Bolsonaro no 7 de Setembro tinha dois objetivos principais. Articuladores da campanha de reeleição acreditam que as falas mais inflamadas do presidente, com agressões a instituições, prejudicam-no eleitoralmente.

O problema, segundo integrantes da campanha ouvidos pela reportagem, é que os ataques radicais não ajudam a reduzir a alta rejeição do presidente.

Além disso, militares envolvidos na construção do armistício com o TSE entendem que ataques do presidente aos ministros do STF e às urnas eletrônicas podem desmobilizar Moraes e áreas técnicas do tribunal no esforço de atender às sugestões das Forças Armadas.

O Exército enviou um comunicado direcionado ao público interno da Força nesta terça-feira (6) informando que os eventos do 7 de Setembro organizados pelos militares não têm caráter político-partidário.

"Os eventos programados pela Força, particularmente pelo Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro (RJ), para as comemorações do Bicentenário da Independência, não têm qualquer caráter político-partidário. Assim, por tratar-se de evento cívico, é facultada a presença de qualquer cidadão", diz o comunicado.

O Centro de Comunicação Social do Exército ainda destacou que não há "determinação específica em relação à participação de militares da ativa em eventuais manifestações políticas previstas para o dia 7 de Setembro".

Bolsonaro terá ao menos três estruturas montadas para discursar em eventos do Bicentenário da Independência.

Em Brasília, o desfile cívico-militar deve começar por volta de 8h30, na Esplanada dos Ministérios. Serão mais de 5.700 pessoas desfilando a pé, em viaturas ou a cavalo.

Durante o evento, não há previsão de discurso de Bolsonaro. O Palácio do Planalto, no entanto, articulou com movimentos do agronegócio para levar um carro de som à Esplanada dos Ministérios, para o presidente fazer uma rápida declaração a apoiadores após o desfile.

O carro de som ficará estacionado perto do Ministério da Saúde, do lado oposto ao evento cívico-militar no Eixo Monumental. O veículo só deve se deslocar para o ato político, que deve ocorrer em frente ao Congresso Nacional, depois do fim do desfile oficial, por volta de 11h30.

Além do carro de som, o Movimento Brasil Verde e Amarelo levou a Brasília 27 tratores para participar do desfile de 7 de Setembro, numa tentativa de demonstrar apoio do agronegócio a Bolsonaro. Os custos do trânsito dos tratores foram bancados por ruralistas de Goiás, Bahia, Tocantins e São Paulo.

Da cidade de Jataí (GO) saíram pelo menos três tratores. O ex-vereador da cidade pelo PSDB, Victor Priori, foi um dos que contribuiu com um veículo. Ricardo Caleffi, produtor rural e empresário da região, afirmou à Folha que o custo do envio da máquina é de cerca de R$ 9.000.

No Rio, as Forças Armadas preparam uma programação de oito horas para comemorar o Bicentenário da Independência. Os atos devem se encerrar com a presença de Bolsonaro em uma estrutura montada pelo Comando Militar do Leste, com a participação de ministros, comandantes das Forças e aliados

A programação prevê ainda 29 salvas de canhão no Forte de Copacabana, além da parada com navios militares e da Esquadrilha da Fumaça, salto de paraquedistas e apresentação de banda militar.

O evento foi montado próximo ao Forte de Copacabana, a cerca de três quilômetros de distância do Copacabana Palace, onde os apoiadores do presidente costumam realizar manifestações favoráveis ao governo.

Após o término do evento, Bolsonaro vai participar de atos políticos com apoiadores ao longo da orla de Copacabana. Um carro de som contratado por lideranças evangélicas estará a postos para o presidente discursar.

Antes dos eventos militares, Bolsonaro participará de um café da manhã com ministros no Palácio da Alvorada às 7h. Os comandantes das Forças Armadas também foram convidados e devem participar.


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