BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Uma estratégia que ganhou força na campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) no último mês foi a tentativa de associar o PT, partido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) --muitas vezes utilizando informações falsas e distorcidas.
Na mais recente ação, Bolsonaro ironizou a entrevista de Lula ao Jornal Nacional, no final de agosto, e publicou em suas redes uma montagem em que ele aparece assistindo a um programa de TV com falsos integrantes do PCC.
O ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), chegou a barrar conteúdos publicados nas redes bolsonaristas com esse teor.
A decisão de Moraes, do dia 17 de julho, determinou a remoção de publicações que diziam haver provas do envolvimento de Lula, do STF (Supremo Tribunal Federal) e do PCC para um "golpe milionário".
Poucos dias depois, a ministra do TSE Maria Claudia Bucchianeri teve entendimento diferente e negou um pedido da campanha de Lula para que Bolsonaro excluísse postagens de um áudio de integrante da facção que citava o PT.
Na ocasião, a ministra argumentou que não fez juízo de valor sobre a gravação, mas sustentou que o áudio foi objeto de reportagens jornalísticas recentes, sem ser desmentido.
Na quinta (1º), porém, o TSE decidiu por 6 a 1 pela remoção de três postagens e aplicação de multa de R$ 5.000 a Bolsonaro. O ministro Ricardo Lewandowski divergiu de Bucchianeri e foi seguido pelos demais membros do tribunal, considerando que a publicação deturpa a notícia para atacar Lula.
Em nota, a assessoria da campanha do petista afirmou que o bolsonarismo "cria e propaga mentiras na internet, com a participação intensa dos filhos do presidente da República, para esconder os desastres do seu governo e se proteger das graves acusações contra a família do atual presidente".
"É um expediente antidemocrático, antiético e lamentável do atual ocupante do Planalto a propagação de fake news sobre a pandemia e a saúde pública, sobre as urnas eletrônicas e a democracia e também contra o ex-presidente Lula", afirmou a campanha do petista.
Veja episódios utilizados por bolsonaristas para ligar o PT ao PCC.
O que disse Marcos Valério sobre PT e PCC?
De acordo com a revista Veja, Marcos Valério, condenado no esquema do mensalão, teria afirmado que ouviu do então secretário-geral do PT Sílvio Pereira, sem mais detalhes, o que seria a relação entre petistas e o PCC. O publicitário não confirmou as declarações após a publicação da reportagem.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) chegou a pedir na Comissão de Segurança Pública da Câmara que Valério fosse ouvido para falar sobre o caso, mas ele recusou o convite afirmando que o material foi vazado de forma ilícita e "sem qualquer respaldo técnico".
A situação foi suficiente para que sites que apoiam o presidente publicassem conteúdos distorcidos, compartilhados por deputados federais bolsonaristas, afirmando que "descobriram provas do envolvimento de Lula e STF com o PCC para golpe milionário".
A assessoria da deputada Carla Zambelli (PL-SP) afirmou, na ocasião, que a delação de Valério "faz parte do debate político nacional, que deve ser amplo e irrestrito", e que "as ligações diretas ou indiretas do PCC com agentes públicos, seja de qual esfera for, tanto do Judiciário, Legislativo ou Executivo, devem e serão sempre levadas ao conhecimento do público".
A cúpula do PT disse, em nota, que a delação é "mentirosa" e que se trata de "manipulação política".
"A partir de um vazamento ilegal e parcial de depoimento mentiroso do condenado Marcos Valério, tentam associar o partido a um crime cometido 20 anos atrás, que foi investigado em pelo menos seis inquéritos e ações judiciais, inclusive a Lava Jato; e em todos foi derrubada", afirmou.
O que houve com o ex-contador de Lula alvo de operação?
Um ex-contador do ex-presidente Lula foi alvo de uma decisão da Justiça de São Paulo, em junho deste ano, que bloqueou cerca de R$ 40 milhões em bens de um grupo suspeito de ligação com o PCC.
De acordo com a polícia, João Muniz Leite ajudou a montar um esquema de lavagem de dinheiro por meio de loterias para Anselmo Santa Fausta, o Cara Preta, suposto chefe do PCC. A Polícia Civil afirmou, porém, que nenhum político --Lula ou nenhum outro nome-- aparece na investigação. Leite negou as acusações.
O ex-funcionário também já foi ouvido na Operação Lava Jato em 2017 por ter participado da compra, segundo a polícia, de imóveis do ex-presidente Lula. A investigação apurava suposta falsificação de recibos de aluguel de apartamento utilizado pelo petista em São Bernardo do Campo.
O caso foi explorado pelo empresário Luciano Hang, da Havan, que escreveu no Twitter: "Já imaginou se fosse o contador do Bolsonaro? Ainda não vi a velha mídia se pronunciar. Vai dar repercussão?".
O que diz o áudio da interceptação telefônica de membro do PCC?
Interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Cravada, em 2019, revelaram conversas de um integrante do PCC afirmando que o PT tinha "uma linha de diálogo cabulosa" com a organização criminosa. Nenhum outro detalhe foi apresentado na ocasião.
Na gravação, utilizada muitas vezes por Bolsonaro e sua campanha, não fica claro o tipo de conversa que o PCC manteria com o PT, se houve benefício a partir disso e o nível em que esse diálogo ocorreria (se com integrantes do partido ou com pessoas próximas).
De acordo com membros do Ministério Público de São Paulo, o personagem da ligação, Alexsandro Roberto Pereira (o "Elias"), é pouco expressivo na facção, sem cargos de relevo. A fala de Elias associando o PT à facção não foi alvo de investigação pela operação.
Na ocasião, o PT disse se tratar de "mais uma armação como tantas outras forjadas" e que a Polícia Federal estava subordinada ao então ministro da Justiça Sergio Moro, que estaria "acuado" pelas revelações da Vaza Jato. Em julho, Bolsonaro voltou a publicar sobre o tema. "Não sou eu, mas o próprio crime organizado que demonstra tê-lo como aliado e a mim como inimigo", disse.
O que foi apontado contra vereador suspeito do PT?
O vereador Senival Moura, líder do PT na Câmara Municipal de São Paulo, é investigado pela Polícia Civil paulista por supostamente ser sócio oculto de uma frota de ônibus que lavaria dinheiro para a facção.
Reportagem da Folha mostrou que, segundo a polícia, ele chegou a ter a morte decretada pelo PCC porque não estaria realizando o repasse de valores devidos aos membros do grupo. Moura também é suspeito de envolvimento na morte de Adauto Soares Jorge, ex-presidente da concessionária Transunião.
O vereador afirma que desde fevereiro de 2020 não faz mais parte do quadro de sócios da companhia e que não tem relação com os fatos apontados. Ele também nega ligação com o PCC, dizendo-se vítima de uma orquestração política para afetar o partido em ano eleitoral. Em junho, petistas pediram ao vereador que se licenciasse da liderança da bancada do partido até que sejam concluídas as investigações.
O que é a suposta entrevista a membros do PCC?
A tentativa mais recente de Bolsonaro de associar o seu adversário ao PCC é o uso de uma entrevista falsa transmitida no programa Domingo Legal, do apresentador Gugu Liberato (1959-2019).
Em 2003, o programa de Gugu exibiu falsos integrantes do PCC fazendo intimidações a figuras públicas.
A encenação, na qual encapuzados ameaçavam autoridades e apresentadores, gerou a mais grave crise de credibilidade vivida pelo apresentador, além de processos judiciais.
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!