SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Em seus dois mandatos como presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se definiu diversas vezes como uma metamorfose ambulante, recorrendo a Raul Seixas para justificar as mudanças que ele e o PT tinham feito para alcançar o poder e governar.

Aos 76 anos, disputando sua sexta eleição presidencial, o petista deixou a metáfora de lado e tem oferecido pouco a quem lhe cobra planos de governo detalhados e autocrítica. A seguir alguns dos passos mais decisivos que Lula deu para chegar até aqui.

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POBREZA

Menções à origem humilde e à figura materna são recorrentes nos discursos de Lula. Servem para reforçar a identificação com as camadas mais pobres da população, fonte principal de sua força eleitoral, e também para falar de resiliência, pedra de toque de seus discursos.

"Quando não havia nem sequer um pedaço de pão para dar de comer aos filhos, ela dizia: 'Amanhã vai ter. Amanhã vai ser melhor'", disse ele em dezembro do ano passado. "Cresci ouvindo de minha mãe o conselho que me acompanha por toda a vida: 'Teima, meu filho, teima'."

Conhecida como dona Lindu, Eurídice Ferreira de Melo era uma agricultora no interior de Pernambuco e tinha oito filhos quando decidiu viajar com eles para encontrar o marido em Santos (SP). Ele migrara anos antes, trabalhava como estivador no porto e tinha criado outra família.

Em 1952, quando viajou com a mãe e os irmãos, Lula tinha 7 anos. Numa época em que a industrialização avançava e o Brasil crescia em ritmo acelerado, a mudança para a região mais rica do país lhe deu oportunidades que não teria no Nordeste.

Três anos depois, a mãe se mudou com os filhos para São Paulo. O primeiro emprego de Lula foi como entregador de uma lavanderia. Após concluir um curso de torneiro mecânico no Senai, conseguiu vaga numa grande indústria em São Bernardo do Campo, a Villares, em 1966.

SINDICALISMO

O trabalho como operário aproximou Lula do movimento sindical, que o catapultou para a política nacional. Com a ditadura militar (1964-1985) se aproximando do fim e o país se preparando para a volta da democracia, ele forjou ali também um estilo de liderança.

"O sindicato foi sua escola de política", afirma o historiador americano John French, da Universidade Duke, biógrafo de Lula. "Foi onde ele aprendeu a criar espaços de convergência ao seu redor, operando com vários grupos divergentes sem se deixar capturar por nenhum deles."

Lula foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo em 1975. As greves que liderou na região do ABC paulista entre 1978 e 1980 marcaram o ressurgimento do movimento sindical após um longo período de desmobilização dos trabalhadores.

Ele entrou no sindicato incentivado por um irmão militante do Partido Comunista, mas procurava manter distância dos grupos de esquerda que atuavam nas fábricas. Temia que a política contaminasse a ação sindical e a tornasse vulnerável a investidas dos órgãos de repressão.

Durante a greve de 1980, Lula foi preso junto com outros diretores do sindicato, com base na Lei de Segurança Nacional. Ele saiu da cadeia após 31 dias e passou a se dedicar à construção do Partido dos Trabalhadores, que fundara com sindicalistas, intelectuais e grupos católicos meses antes.

ALIANÇAS

Lula disputou e perdeu três eleições seguidas antes de chegar à Presidência da República. Para evitar nova derrota em 2002, fez uma campanha diferente, buscando alianças amplas e contratando um publicitário sem vínculo com o partido para cuidar da sua propaganda.

Para se livrar da imagem de radical que afugentava muitos eleitores, Lula escolheu como vice o empresário José Alencar, fundador do grupo têxtil Coteminas e então senador pelo Partido Liberal. Foi a primeira vez que o PT se uniu a uma sigla de direita numa eleição presidencial.

Descobriu-se depois que, como parte do acordo que selou a aliança, o PT se comprometeu a repassar R$ 10 milhões aos cofres do PL. A reunião decisiva ocorreu no apartamento de um deputado petista, enquanto Lula e Alencar conversavam numa sala ao lado.

O então deputado Valdemar Costa Neto, que fechou o acerto com o PT, foi um dos maiores beneficiários do esquema do mensalão, revelado no terceiro ano do governo Lula. Ele ficou preso por quase um ano, continuou mandando no PL e hoje apoia o presidente Jair Bolsonaro.

O publicitário Duda Mendonça (1944-2021), responsável pela campanha de Lula em 2002, também foi beneficiado pelo esquema. Quando o escândalo estourou, ele admitiu ter recebido a maior parte do seu pagamento, cerca de R$ 10 milhões, numa conta secreta aberta nas Bahamas.

Na época em que o esquema de financiamento ilegal veio à tona, Lula o caracterizou como uma infração menor, o uso de caixa dois pelo partido, e afirmou ter sido traído por aliados. Ele nunca disse quem o teria traído e com o tempo passou a minimizar a relevância do caso.

Em 2012, o Supremo Tribunal Federal concluiu que o esquema tinha sido organizado para comprar apoio político no Congresso e condenou à prisão os principais envolvidos, incluindo dirigentes do PT e o ex-ministro José Dirceu, um dos arquitetos da campanha vitoriosa de 2002.

POLÍTICA ECONÔMICA

Outro fator que deu impulso à eleição de Lula foi a guinada que ele promoveu no discurso econômico do partido durante a campanha, na qual prometeu manter os pilares da política ortodoxa conduzida pelo governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) nos anos anteriores.

O compromisso foi assumido com a leitura de um documento batizado como Carta ao Povo Brasileiro. A despeito do título, os principais destinatários da mensagem eram investidores e operadores do mercado financeiro, que viam com desconfiança as propostas dos petistas.

Pouco depois da posse, Lula surpreendeu a todos, incluindo o próprio partido, ao determinar um esforço adicional de contenção dos gastos do governo para frear seu crescente endividamento e conquistar a confiança dos banqueiros, indo além dos compromissos que assumira.

Mais tarde, fortalecido após superar a crise do mensalão e se reeleger, ele aproveitou o segundo mandato para promover uma inflexão, aumentando gastos com benefícios sociais, lançando um programa ambicioso de investimentos e oferecendo crédito barato às empresas.

O crescimento acelerado desses anos ajudou a eleger a sucessora que ele escolheu, Dilma Rousseff, mas alimentou também desequilíbrios que fizeram o país afundar na pior recessão econômica de sua história, entre 2014 e 2016, e na crise que levou ao impeachment da petista.

Na campanha deste ano, Lula tem evitado detalhar planos e assumir compromissos como os do passado. "Que Lula vai voltar? Será o Lula de 2002, o Lula de 2010?", disse ele em abril. "Não. É o Lula que a dona Lindu colocou no mundo. Igualzinho, com um pouco mais de maturidade."

Mas Lula fez um movimento significativo ao escolher como vice o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), antigo rival que derrotou na eleição de 2006. O ex-tucano tem sido apontado como uma das opções de Lula para comandar a economia se ele for eleito de novo.

LAVA JATO

Em abril de 2018, quando pouca gente apostava nas chances de Bolsonaro como candidato presidencial, o então juiz Sergio Moro decretou a prisão de Lula, para que começasse a cumprir a pena a que fora condenado numa das ações movidas pela Operação Lava Jato contra ele.

O petista tomou então uma decisão que se revelaria crucial para seu futuro político: entrincheirado com aliados no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, rejeitou conselhos para resistir à prisão ou buscar asilo numa embaixada estrangeira e se entregou à Polícia Federal.

Impedido de concorrer às eleições daquele ano, Lula ficou 580 dias preso numa cela em Curitiba. Foi solto após o Supremo reverter uma decisão que autorizava a prisão de condenados por tribunais de segunda instância, antes do esgotamento de recursos a cortes superiores.

Após recuperar a liberdade, Lula conseguiu os direitos políticos de volta. O STF concluiu que Moro não fora um juiz imparcial nos processos que envolviam o petista e anulou as ações movidas contra ele em Curitiba. Em pouco tempo, o ex-presidente se livrou também de dezenas de ações em outras jurisdições.

Pesquisas de opinião mostram que as decisões sobre Lula dividem o eleitorado, mas ele ganhou um argumento para se apresentar como vítima de injustiças e contornar questionamentos sobre a corrupção na Petrobras e outros escândalos que marcaram os governos do PT.

É improvável que a reviravolta tivesse ocorrido se Lula não tivesse se entregado em 2018. Como o jornalista Fernando Morais conta na biografia mais recente do petista, ele sabia que não tinha alternativa e que a fuga seria uma confissão de culpa que o marcaria para sempre.


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