SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Disputando um cargo eletivo pela primeira vez, o ex-secretário da Educação da Bahia Jerônimo Rodrigues (PT) faz sua estreia nas urnas com a missão de manter a hegemonia do partido, que governa o estado há 16 anos com dois mandatos de Jaques Wagner (PT) e dois de Rui Costa (PT).
Ancorado em um grupo político sólido e na popularidade do candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele polariza a disputa com o ex-prefeito de Salvador ACM Neto (União Brasil).
Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele diz que o adversário age com oportunismo ao querer se associar a Lula. Também falou sobre os gargalos que a Bahia enfrenta na educação, segurança e emprego.
PERGUNTA - O senhor faz uma campanha atrelada a Lula, e parte das suas propostas dependem do governo federal. Como botar o plano em prática caso seja eleito um presidente de outro campo político?
JERÔNIMO RODRIGUES - É claro que há temas que o estado não tem condições de resolver sozinho. Por exemplo, o tema do desemprego é nacional, diz respeito a taxa de juros, a investimento. A fome é questão estrutural, é de renda, emprego, acesso à terra. Está muito claro que a responsabilidade de um governador é fazer o seu papel, mas não dá para desatrelar [do governo federal]. Por exemplo, a duplicação da BR-101. Hoje, a rodovia vem do Espírito Santo duplicada, entra na Bahia em pista única e sai em Sergipe duplicada. A Bahia não está nesse roteiro e nós temos que duplicar.
Mas da parte da BR-101 foi duplicada durante os governos do PT e a Bahia ficou de fora. Não acha que esse exemplo mostra que não basta apenas ser aliado?
J. R. - O Brasil tinha prioridades e a gente entende isso. Quando o Lula ganhou as eleições [em 2002], a gente sabia que tinha o Norte, que tinha parte do Nordeste que não tinha nem estrada. A Bahia já tinha suas estradas. Então, eu compreendo que há um grau de prioridade.
Como avalia a estratégia de seu principal adversário, ACM Neto, de desvincular a eleição estadual e nacional?
J. R. - Na política, não existe água morna. Você é ou não é. O ex-prefeito andou dizendo que ia dar uma surra em Lula. Andou dizendo que o Lula é muleta de Jerônimo. É um tratamento muito ruim, do tempo do passado. Ele é novo, mas a cabeça dele é antiga, o modelo dele de governar dele é antigo. Ele acha que ser gestor é autoritarismo, mas não aguenta pressão, está sofrendo com as pesquisas agora.
Do ponto de vista da eleição nacional, não é bom que um adversário local não abrace a candidatura de Bolsonaro?
J. R. - Isso é oportunismo. Ele não gosta do Lula, não gosta do PT. Ele fez campanha para Bolsonaro, o partido dele indicou cargos federais. Tem foto deles abraçados, sorrindo. Lula precisa de votos, ele não vai escorraçar votos. Se as pessoas estão mal informadas, eu entendo. É uma coisa que nós temos que trabalhar e televisão ajudou a mostrar que o candidato de Lula na Bahia é Jerônimo.
O senhor acha que o PT errou ao definir sua candidatura tão tarde?
J. R. - Antes da minha escolha, diziam que eu era o queridinho de Rui. Mas eu não estava naquela disputa ansiosa porque nós temos clareza de orientação partidária. Antes, Jaques Wagner tinha se credenciado. Mas movimentação na política foi por um nome novo. Agora, eles [adversários] não encontram motivações para bater e começaram a me bater de forma desonesta, irresponsável e a Justiça puniu. Depois, por felicidade da gente, saiu o resultado do Ideb. O terceiro melhor do Brasil, por duas vezes, foi a Bahia. Saiu agora.
Como terceiro melhor Ideb? Para o ensino médio, a posição da Bahia foi 24º entre os estados.
J. R. - Essa é a posição que a Bahia está. Em 2021, a Bahia cresceu mais pontos e foi a terceira melhor evolução.
Mas quando você parte de uma base baixa, o crescimento tende a ser maior. O ensino médio estadual da Bahia saiu de 3,2 para 3,5.
J. R. - São Paulo não fez isso. Por que não subiu? Por que Goiás e Espírito Santo que estão entre os maiores [índices] não subiram?
Na avaliação externa, houve um recuo. A Bahia ficou à frente apenas no Maranhão.
J. R. - Você está olhando a posição atual, eu estou dizendo que nós estamos evoluindo. Se você quiser olhar o copo pela metade, você olha. Eu não estou celebrando nós sermos os 24º ou 23º. Salvador caiu de 5,6 para 5,4 [nos anos iniciais do ensino fundamental], mas não vou vibrar porque quem paga a conta são os meninos.
O governador Rui Costa incentivou parcerias entre PM e prefeituras para escolas de ensino fundamental. O senhor vai dar continuidade a esse modelo militarizado?
J. R. - Não é incentivo. O prefeito vem e diz que vai pegar um policial da reserva. Só em alguns casos que ainda tem policiais da ativa. É atitude do governo municipal, o estado não tem nada a ver com isso.
Como um gestor da educação, como o senhor vê esse modelo?
J. R. - No meu programa de governo, a proposta principal é educação em tempo integral. Essa é a minha prioridade.
A Bahia tem a maior taxa de desemprego do país e se manteve nas últimas posições mesmo em momentos de pujança. Como mudar esse cenário de forma estrutural?
J. R. - O estado sozinho não resolve. Emprego é questão estrutural, é macroeconomia. Agora, não vou também ficar celebrando que a maior taxa desemprego das capitais é Salvador. É culpa do prefeito? Eu não quero pensar assim. Vamos fazer os investimentos necessários, formar mão de obra. Estamos com a pauta de industrialização forte com energia eólica, solar, hidrogênio verde.
O senhor também vê a segurança pública como responsabilidade do governo federal?
J. R. - São duas frentes. O papel do estado é em concurso público, formação profissional, inteligência, tecnologia. A parte do estado, a Bahia está fazendo.
E por que os indicadores de mortes violentas não cedem?
J. R. - Nós não temos uma política [nacional] de defesa de fronteiras. Armas e drogas entram com facilidade. A Polícia Militar não tem pernas para isso. Lula apontou saídas. Uma, o estatuto do desarmamento. Botar em prática para que a gente segure a onda de estar todo mundo se armando. O outro é um Plano Nacional de Segurança Pública.
No que estiver na sua alçada, o que pretende fazer diferente dos antecessores?
J. R. - Vamos ampliar câmeras em ruas, nas viaturas e ver em que momento a gente pode fazer um teste com câmeras nas fardas dos policiais. O diálogo com a Justiça também é importante, além ações que promovam uma cultura de paz.
Os sistemas de reconhecimento facial foram prioridade para Rui Costa, o último contrato foi de R$ 500 milhões. Vale a pena?
J. R. - Tem coisa que não pode ser na ponta do lápis, porque senão você não faz nada na área pública. Toda iniciativa que freia a violência e que vale a pena, eu vou investir.
Mas é uma política controversa, há discussões em torno de questões de privacidade e de racismo.
J. R. - Quem anda direito acho que não tem por que ficar com esse receio. Nós estamos numa guerra contra a violência. Respeitando a ética, não tem por que a gente ficar freando por falta de privacidade de algumas pessoas. Isso até acharmos uma saída mais eficiente.
O orçamento da ponte Salvador-Itaparica subiu para R$ 9 bilhões. Em um estado com tantas carências, vale dar andamento à obra?
J. R. - A gente tem que pensar em grandes obras de infraestrutura. Se eu deixo de investir, eu perco. A ponte Salvador-Itaparica economiza distâncias, a obra vai gerar de cinco a sete mil empregos diretos, afora capacidade de expansão de setor imobiliário, indústria, turismo. Se, depois da pandemia, os valores subiram muito por conta dos preços, temos que renegociar.
A campanha do senhor tem criticado ACM Neto por ter se declarado pardo ao TSE. Como é que o senhor avalia essa questão?
J. R. - Fica um negócio meio fora de tom, não é? O partido dele votou contra as cotas. Aí, para receber o dinheiro de cotas do partido, foi isso que aconteceu? Ele nunca se declarou tão veementemente. Eu prefiro respeitar o povo negro. Ele não tem nem na condição de cor, nem na na condição social característica de negro. Acho que é falta de ética.
O senhor acha que seu vice, Geraldo Júnior (MDB), faltou com a ética? Ele também se declarou o pardo.
J. R. - Pelo que eu saiba, Geraldo Júnior aprovou a Lei de Igualdade Racial na Câmara Municipal. Pelo menos tem isso. Se Geraldo Júnior sempre se declarou como pardo, por que mudaria? Ele não mudou. O outro [ACM Neto] que mudou. Se ele se acha negro, que peça desculpa porque o partido dele foi contra [as cotas]. Tudo que é de Lula, ele votou contra. Agora está querendo absorver tudo, até o voto do povo de Lula.
O senhor fechou uma aliança com MDB, partido que está sob influência de Geddel Vira Lima na Bahia. Qual o papel o partido vai ter no seu governo? Farão indicações de secretários?
J. R. - Eu não vou responder questão de cargos, eu primeiro tenho que ganhar as eleições. Ele [Geddel] estava de que lado? Do lado de lá [de ACM Neto]. Mas aí ninguém dizia nada. Nós sentamos em cima de uma plataforma de trabalho. Se ele errou, ele responde na Justiça.
Como projeta um possível governo Lula? Tende a ser um governo menos petista do que os últimos?
J. R. - É um momento de concertação. Lula vai pegar um país muito mais sofrido, com a imagem desgastada lá fora, vamos ter que fazer um grande pacto nesse país. O Congresso Federal será um gargalo porque está mal-acostumado com orçamento secreto. Vai ser difícil, mas a missão de quem está na política é essa.
RAIO-X
Jerônimo Rodrigues, 57
Natural de Aiquara (BA), é agronômo e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana. Foi secretário estadual de Desenvolvimento Agrário e de Educação na gestão Rui costa (PT). Concorre a um cargo eletivo pela primeira vez.
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