SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Faltam poucos dias para o primeiro turno das eleições de 2022, mas nas duas maiores favelas de São Paulo a campanha eleitoral parece ainda estar engatinhando. Tanto em Heliópolis quanto em Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, moradores sentem que este período eleitoral está "mais frio" que o de anos anteriores.
Pelas ruas das duas comunidades, há uma divulgação menor por parte de candidatos dos que nos pleitos passados. Moradores relataram à Agência Mural um certo receio em abordar o assunto das eleições abertamente.
"Acho que é por conta dessa agressividade. A morte daquele moço que estava fazendo aniversário, com bolo do Lula, e vem um bolsonarista e mata ele. Essas coisas extremas. Não parece uma campanha, esse é o sentimento", diz Antônia Cleide Alves, presidente da Unas, associação dos moradores de Heliópolis.
Ela afirma que os próprios moradores têm evitado falar sobre política, o que poderia ser um reflexo da violência eleitoral, citando casos como a morte do petista Marcelo Arruda, assassinado por um bolsonarista durante sua festa de aniversário em Foz do Iguaçu (PR).
"O pessoal não está muito animado, está uma campanha fria, comparando com os outros anos."
As campanhas dos principais candidatos também foram tímidas nas regiões que reúnem mais de 300 mil habitantes. Entre os três candidatos mais bem colocados para o governo estadual na última pesquisa Datafolha, apenas Rodrigo Garcia (PSDB) visitou as duas comunidades durante a campanha oficial. Tarcísio de Freitas (Republicanos) esteve somente em Heliópolis e Fernando Haddad (PT) não foi a nenhuma das duas favelas.
Já entre os quatro presidenciáveis com maior intenção de voto no Datafolha, apenas Simone Tebet (MDB) cumpriu agenda de campanha em Heliópolis até o momento.
Apesar disso, demandas não faltam nas duas favelas. A vendedora Amanda da Silva Souza, 28, trabalha na avenida Hebe Camargo, uma das principais vias de acesso à Paraisópolis.
Incentivada pelo noivo a tirar o título de eleitor neste ano, Amanda vai votar pela primeira vez. Ela diz que ainda vai pesquisar mais sobre os candidatos e defende que os governantes invistam em saúde e educação.
"É o que mais falta para quem mora aqui. Não adianta ter um monte de escola se o ensino é precário", comenta, sugerindo ainda que as escolas deveriam oferecer aulas de educação financeira para os alunos.
O pintor André Ribeiro da Silva, 37, diz que tem visto um movimento maior das campanhas no centro de Paraisópolis, mas que mesmo assim alguns candidatos "não fazem nada nem nessa época."
André afirma que está há dez anos na fila para conseguir uma casa por meio de um programa habitacional e que a construção de moradias populares deve ser priorizada por quem vencer as eleições. "Ninguém constrói prédio", comenta.
Dona de um trailer de comida, Adriana Ferreira, 49, conta que está indecisa sobre em quem votar nestas eleições. "Eles prometem tudo e chegam lá e não fazem", critica Adriana.
Na disputa presidencial, ela está indecisa entre os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenções de voto -Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PL).
Ela aponta que apesar do custo de vida mais alto, o Auxílio Brasil de R$ 600 foi um ponto positivo do atual governo. Sancionado pelo governo às vésperas das eleições e driblando a legislação eleitoral, o Auxílio Brasil de R$ 600 não está previsto no orçamento apresentado para 2023.
A disputa entre Lula e Bolsonaro tem deixado tensa a campanha, na avaliação de Jucelene do Vale, 49, moradora de Heliópolis há 30 anos. "Parece que não existem outros candidatos", conta ela.
Dona de uma loja de autopeças em uma das principais avenidas do bairro, ela tem recebido panfletos de vizinhos que vão disputar cargos de deputado federal e estadual, e diz que os candidatos petistas são os que mais visitam a comunidade.
Para ela, quem vencer a disputa deve focar o combate à violência e melhorar a educação. "Um país sem educação não vai pra frente", afirma.
O aposentado Luís Carlos da Silva, 69, concorda que a educação é uma pauta urgente para os próximos quatro anos para recuperar os problemas gerados com a pandemia. "Tô com uma neta de 7 anos que ainda não conseguiu se alfabetizar", conta.
Dados do último Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) apontam que o desempenho dos alunos brasileiros no ciclo de alfabetização despencou com o fechamento das escolas devido à pandemia.
A análise foi feita a partir do resultado de provas aplicadas para alunos do 2º ano do ensino fundamental. Em 2021, o desempenho médio dos estudantes em língua portuguesa foi 24,5 pontos menor do que o registrado em 2019 pelos alunos nesta série.
Além da educação, outro tema que está "na ponta da língua" dos moradores das duas regiões é a saúde.
Em Paraisópolis, Marli Maria Santos, 54, viu o marido ter que esperar seis meses para fazer uma ressonância após apresentar inchaço e dores nas pernas. "Foi até rápido", brinca a moradora, lembrando que a consulta dele com um médico especialista nunca aconteceu.
"Meu marido está há mais de um ano na fila de espera [para passar no especialista]", afirma Marli.
Para Denise Aparecida Oliveira, 39, moradora de Heliópolis, quem assumir os cargos no executivo e legislativo precisa "melhorar tudo". O marido dela, Richard Ávila de Oliveira, 33, completa a frase: "Principalmente saúde, transporte e segurança pública".
Os temas, segundo ele, são os que mais afetam o dia a dia da família, que também é impactada pela falta de espaços culturais no bairro. O casal conta que já precisou mudar de casa duas vezes pelo barulho causado pelos bailes que acontecem na região.
Para eles, é importante que o próximo governador garanta um espaço adequado para as festas e um "policiamento digno" para a população. "Pega um galpão e deixa o povo se divertir lá", sugere Richard.
Jovens que frequentam os pancadões também cobraram espaços, mas sobretudo a descriminalização dos bailes.
Promessas As duas maiores comunidades de São Paulo colecionam promessas não cumpridas em seus territórios. Em 2011, o então governador do estado e hoje candidato a vice-presidente, Geraldo Alckmin, assinou o contrato da linha 17- Ouro do monotrilho prometendo uma estação em Paraisópolis. Dez anos depois, o monotrilho ainda não começou a funcionar e a estação na comunidade não saiu do papel.
Em 2019, depois da morte de nove jovens durante uma ação da Polícia Militar em Paraisópolis, a gestão formada por João Doria e Rodrigo Garcia (ambos do PSDB), anunciou um pacote de investimentos para as duas comunidades.
Na área de lazer, cultura e esportes para Paraisópolis, havia a promessa da entrega de três pistas de skate, implantação de duas quadras de futebol society e a abertura de uma Fábrica de Cultura.
Parte desses investimentos foram entregues por meio da Praça da Cidadania, inaugurada em dezembro de 2020. Além de uma pista de skate e uma quadra society, o espaço conta com parquinho para as crianças e uma escola de qualificação profissional.
Há a previsão de um espaço semelhante em Heliópolis, o Parque da Cidadania, onde deve ser implantada mais uma unidade da Fábrica de Cultura. O parque continua em obras.
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