MANAUS, AM (FOLHAPRESS) - Reeleito governador do Acre em primeiro turno, após nova derrota do PT num estado governado pelo partido por 20 anos, Gladson Cameli (PP) afirmou à Folha de S.Paulo que "não há fiscalização assídua" do governo federal no estado e que essa ausência influencia na presença de facções do narcotráfico na região. Mesmo assim, o apoio à tentativa de reeleição de Jair Bolsonaro (PL) é automático.
"Com meu eleitor no Acre, eu teria um prejuízo muito grande se não o apoiasse", disse Cameli, que viajou a Brasília para reunião com Bolsonaro nesta quinta-feira (6). O encontro teve outros governadores da Amazônia que também dão apoio ao projeto político do presidente, cujo resultado é o aumento expressivo do desmatamento da Amazônia nesses lugares.
"Essa eleição tem dado recados claros. Não é partido, são ideias e pessoas", afirmou o governador. A seguir, os principais trechos da entrevista:
PERGUNTA - O senhor foi reeleito em primeiro turno, e a votação de Bolsonaro no Acre foi até mais expressiva. A que atribui esse êxito do presidente?
GLADSON CAMELI - Foi uma conquista de votos que ele já havia conseguido desde a primeira eleição. É a forma dele de agir. Houve 20 anos de esquerda, tanto no governo estadual quanto no federal. Bolsonaro conseguiu concluir obras que foram promessa de anos e anos da esquerda, como a ponte do Abunã. E a política de agronegócio, de geração de emprego e renda, pegou muito desde 2018.
P. - O êxito eleitoral se deu em estados com aumentos expressivos dos índices de desmatamento na Amazônia, como Acre e Rondônia. Existe correlação entre o avanço do desmatamento e o avanço do bolsonarismo nesses lugares?
GC - Vários fatores explicam isso. As pessoas ficaram paradas por muito tempo na pandemia sem poder plantar, trabalhar. E, com a ansiedade de querer fazer tudo, teve realmente um relaxamento. Houve um recomeço de tudo. Até conseguir colocar o servidor público num gás, para que pudesse rodar mais, isso leva tempo. A política do agronegócio foi o cavalo mestre da economia. E não há fiscalização muito assídua, além de ser ano político, de reeleição. Acabou acontecendo essa situação. Sou a favor da preservação, mas também do agronegócio. Acredito no agronegócio com sustentabilidade, sem precisar estar reprimindo.
P. - Mas existe relação direta entre o avanço dos votos em candidatos com essa política e a redução de fiscalização e repressão de crimes ambientais?
GC - Não totalmente dessa forma. Enxergo que há uma politização. Parece tipo um código. Quem é ambientalista é de esquerda, quem é do agronegócio é de direita. Isso não tem nada a ver. Tudo isso está acontecendo porque houve sim uma política do agronegócio, houve exagero e houve enfraquecimento dos cuidados com a preservação.
P. - O senhor concorda com a política do presidente de redução da fiscalização ambiental?
GC - No Acre, o desmatamento de 2019 a 2021 foi de 2.259 km², mais do que o dobro dos três anos anteriores, conforme dados do Inpe. Não tenho esses números de fato. Não concordo com nada que seja ilegal. Se for desmatamento através de um projeto, manejo, perfeito. Eu vou investir no agronegócio, mas vou triplicar a fiscalização no que for competência dos órgãos estaduais, mais parceria com os órgãos federais, para que a gente possa fazer o que está na lei. Eu preciso do meio ambiente e das florestas intactas para explorar o turismo. Não preciso desmatar uma árvore para o agronegócio, porque já ganhou gás. Aquilo que está sendo feito através de irregularidades, tem de punir. Na fronteira, a Bolívia não tem controle, e acaba sobrando para gente.
P. - Como os governadores da chamada Amacro, região que inclui sul do Amazonas, Acre e Rondônia, estão se organizando para pedir votos ao presidente no segundo turno?
GC - Quem é de esquerda vai na esquerda, quem é de direita vai na direita. Só vai ter de conquistar aquele voto indeciso. É conversar com o eleitor. Nós, governadores, não nos reunimos ainda.
P. - O apoio desses governadores da Amazônia ao presidente é automático? Com meu eleitor no Acre, eu teria um prejuízo muito grande se não o apoiasse. Por quê?
GC - Porque é esquerda e direita. O meu eleitor, que é contra os [irmãos] Viana, contra o PT, que quis uma alternância de poder pelo tempo que eles passaram, vai me ver apoiando o presidente Lula? Essa eleição tem dado recados claros. Não é partido, são ideias e pessoas. Quem não está entendendo o recado das urnas vai ter prejuízo nas próximas.
P. - Nos últimos anos, houve um avanço das maiores facções criminosas do país, de Rio e São Paulo, na Amazônia e especificamente no Acre. Esse avanço só não foi possível por causa da redução da presença do Estado e da fiscalização no Acre?
GC - Não somente pela questão ambiental. O primeiro ponto foi a presença do Estado. O PT deixou as fronteiras totalmente abertas, sem condições de impedirmos o contrabando. Com Bolsonaro, reestruturamos todo o sistema de segurança. Houve aumento do contrabando de drogas. Facção é droga. Chegou ao ponto de eu achar que o Estado de Direito ia perder para as facções. O que está pegando é essa política polarizada, essa guerra de meio ambiente com agronegócio. Sou contra esse radicalismo da conjuntura do momento.
P. - Uma maior presença do governo federal, com mais ações de fiscalização, não inibiria as ações das facções?
GC - Concordo que sim. Agora, é preciso dizer que a população é contra o desmatamento. Da região de Rio Branco a Cruzeiro do Sul, a tendência lá é criar gado, que não precisa desmatar, e cuidar do meio ambiente. Já não posso dizer que é a mesma coisa pro lado de Brasileia, que é mais do plantio de soja. O grande gargalo nosso é facção e proteção da fronteira.
P. - Os governadores bolsonaristas da Amacro tentaram criar essa zona de produção para o agronegócio, houve bastante crítica e um relativo recuo. Mesmo assim, a região é um arco do desmatamento na Amazônia. Se Bolsonaro for reeleito, o projeto pode ser retomado?
GC - Pode. O que estava acontecendo é que invasores de terra estavam invadindo fazendas. Esse consórcio da Amacro... A polícia do Amazonas não tem como atender todas as ocorrências se não for com apoio da nossa. Só se pode fazer isso se houver acordo de cooperação.
Mas houve um relativo recuo. Não tem nada agendado sobre essa pauta Amacro nos próximos dias. O negócio agora é a reeleição presidencial.
P. - Esse alinhamento automático a Bolsonaro pode deixar esses governadores em posição difícil, em caso de deslocamento de poder e eleição de Lula?
GC - Aí vai muito da consciência de cada candidato. Imagina se eu ficasse neutro ou apoiasse o presidente Lula. Não ia dar um voto pra ele, porque meu eleitor não ia votar nele. Toda vez que eu fosse falar com ele, ele ia pedir autorização para o Jorge Viana [ex-senador e ex-governador do PT, derrotado por Cameli]. Quem for o próximo presidente, vou procurar. No outro dia estou pedindo uma audiência com a bancada federal.
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!