SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O voto nulo no segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) virou um caminho para desiludidos da terceira via que veem obstáculos grandes demais para apoiar um dos lados. Ao mesmo tempo, pessoas que pretendiam anular, mas agora têm uma opção, fazem adaptações de discurso.
A lista dos que vieram a público nos últimos dias declarar a anulação de seu voto inclui o ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB), o ex-presidenciável do Novo Felipe d'Avila e o economista Affonso Celso Pastore, que colaborou com o ex-juiz Sergio Moro quando ele pretendia disputar a Presidência.
Já o economista Arminio Fraga desistiu de anular e revelou apoio a Lula. O deputado federal Vinicius Poit (Novo), que concorreu ao Governo de São Paulo, anunciou alinhamento a Bolsonaro. Como mostrou reportagem da Folha em dezembro de 2021, Poit pretendia não votar em ninguém no atual cenário.
A anulação, que consiste em digitar um número inexistente de candidato e confirmar, foi a alternativa de 2,8% dos eleitores no primeiro turno presidencial. Foi o menor percentual desde 2002, assim como o de votos brancos (1,6%). Para o segundo caso, a urna eletrônica tem um botão específico.
O voto em branco foi a opção anunciada pela senadora paulista Mara Gabrilli (PSDB), que foi vice da presidenciável Simone Tebet (MDB). Tebet, terceira colocada na corrida ao Planalto, fechou apoio a Lula na segunda fase e disse que a gravidade do momento não admite "a omissão da neutralidade".
A estabilidade do quadro, com a polarização eleitoral entre Lula e Bolsonaro desde o ano passado, já tinha acendido o debate da anulação, com argumentos sobre defeitos e riscos de cada postulante.
No MBL (Movimento Brasil Livre), o assunto apareceu diante dos primeiros empecilhos para construção de uma candidatura de centro-direita competitiva.
Agora, líderes do MBL como o deputado federal reeleito Kim Kataguiri e o estadual eleito Guto Zacarias (os dois da União Brasil-SP) confirmaram sua decisão.
Para Kim, ambos os projetos em disputa são autoritários e corruptos. "Defendo o voto nulo justamente para que o próximo presidente da República entre o mais fraco possível em relação ao Congresso Nacional e a gente consiga barrar pautas como os petistas e os bolsonaristas em aliança já tentaram aprovar", disse em entrevista à rádio Bandeirantes.
Zacarias foi às redes sociais propor: "Dia 30 é lacrar [apertar] o 00 e ir fazer um churrasco com os amigos. Quero manter a consciência limpa e continuar sem nunca ter votado em bandidos". Nacionalmente, a União Brasil está neutra no segundo turno e liberou os filiados para se posicionarem.
Apesar das manifestações de integrantes, o MBL não está, institucionalmente, pregando o voto nulo.
A falta de propostas claras de Bolsonaro e Lula foi a justificativa de Doria, em entrevista à Folha, para sua decisão, que já vinha sendo comentada desde meados deste ano.
O tucano despontou na política se valendo do antipetismo e, após se eleger em 2018 com a estratégia do "BolsoDoria", rompeu com o presidente e passou a rivalizar com ele na pandemia de Covid-19. Inúmeras vezes, o então governador acusou Bolsonaro de ser antidemocrático e "claramente golpista".
No caso de D'Avila, a definição também foi colocada ao longo da campanha e reafirmada por ele até o primeiro turno, do qual saiu com 0,47% dos votos válidos, na sexta colocação.
Ele, que é cientista político, classifica os dois candidatos ainda na disputa como populistas e considera ambos igualmente danosos para o país, a democracia e a economia.
Ao discordar do critério de ir no candidato "menos pior" no segundo turno, D'Avila costuma citar o raciocínio da filósofa Hannah Arendt de que aqueles que escolhem o mal menor se esquecem rapidamente de que escolheram o mal.
Na semana em que economistas tidos como "pais do Plano Real" se juntaram a outros profissionais de tendências liberais e declararam apoio a Lula, Affonso Pastore destoou ao expor seu voto nulo.
À Folha ele disse que nenhum dos finalistas da disputa preenche os requisitos de defesa da ética e da democracia nem sinalizam políticas para o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável.
"Jamais poderia votar em um candidato [Bolsonaro] que nos últimos quatro anos procurou enfraquecer as instituições. Da mesma forma, jamais poderia votar em um candidato [Lula] que anuncia que quer estabelecer o controle social da mídia e que estimulou a corrupção sistêmica", afirmou.
A equiparação entre eles foi também o argumento de Mara Gabrilli para o voto em branco. Com mandato até 2027, ela afirmou esperar por um governo que defenda seus ideais de país e disse que fará "oposição sensata" a quem quer que vença.
Arminio, um dos que repensaram a anulação, já tinha dito que poderia recalcular a rota "se a eleição estivesse apertada" e enxergasse chance de reeleição de Bolsonaro.
Com a diferença menor do que se pensava --o atual mandatário teve 43,2% dos votos válidos no primeiro turno e o ex-presidente, 48,4%--, o ex-presidente do Banco Central declarou apoio a Lula.
"Eu já tinha uma inclinação anunciada de votar no PT se considerasse necessário. Avaliando o resultado do primeiro turno, que formou um Congresso de direita, conservador, amplamente favorável ao atual governo, minha decisão nessa direção se fortaleceu", disse.
Quarto colocado na eleição para governador paulista, com 1,67% dos votos válidos, Poit também abandonou a ideia de anular --mas, no seu caso, a opção é por Bolsonaro.
"Discordo de muita coisa do atual governo, mas discordo ainda mais do PT", explicou-se. "Mais do que ser de direita, sou direito, humano e civilizado. Lutarei para construirmos mais diálogo na política e menos extremismos."
Em 2021, Poit disse à Folha que "votaria nulo porque populismo, seja de direita ou de esquerda, não faz bem ao país" e que a anulação, a primeira de sua vida, seria um gesto de protesto. Ele também apoia o candidato bolsonarista ao Palácio dos Bandeirantes, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Segundo a pesquisa Datafolha de sexta-feira (7), a fatia do eleitorado que pretende anular ou votar em branco é de 6%.
Apesar das manifestações individuais por voto nulo, não existe até aqui alguma campanha organizada para estimulá-lo. O contrário, no entanto, existe: o movimento Vem Pra Rua, pró-Lava Jato e anti-PT, está difundindo a mensagem de que a anulação favorece Lula.
"Vem pra urna. Não votar ou votar nulo elege um condenado", publicou o grupo em redes sociais.
A Justiça Eleitoral considera apenas os votos válidos, ou seja, aqueles dados a um candidato específico, para contabilizar o resultado do pleito e declarar o vencedor. Na prática, nulos e brancos são descartados.
Tanto Lula quanto Bolsonaro pediram ao longo da campanha que cidadãos não anulem nem se abstenham (deixem de comparecer). O petista disse que quem não escolhe seus candidatos nas urnas "não tem direito de reclamar" depois, e o presidente lançou apelos para que o eleitor "vote em alguém".
COMO SE POSICIONAM
DECLARARAM VOTO NULO
- João Doria (PSDB), ex-governador de São Paulo
- Felipe D'Avila (Novo), ex-presidenciável
- Kim Kataguiri (União Brasil), deputado federal reeleito e líder do MBL (Movimento Brasil Livre)
- Guto Zacarias (União Brasil), deputado estadual eleito e líder do MBL (Movimento Brasil Livre)
- Affonso Celso Pastore, economista que colaborou com o programa de governo do ex-presidenciável Sergio Moro
- Alexandre Schwartsman, economista e ex-diretor de relações internacionais do Banco Central
DECLAROU VOTO EM BRANCO
- Mara Gabrilli (PSDB), senadora por São Paulo e ex-candidata a vice de Simone Tebet (MDB)
DESISTIRAM DE ANULAR
- Vinicius Poit (Novo), deputado federal e candidato a governador de São Paulo derrotado no primeiro turno, que agora apoia Bolsonaro
- Arminio Fraga, economista, que agora apoia Lula
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