SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - "Quem ama São Paulo não vota em quem deixou São Paulo por último", diz um dos últimos tuítes do governador Rodrigo Garcia (PSDB) antes do primeiro turno da eleição -ele terminou em terceiro lugar, numa derrota histórica para os tucanos.

A crítica é dirigida ao ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), que avançou para o segundo turno junto com Fernando Haddad (PT). Apesar da acusação de que o governo federal preteriu o estado, Rodrigo declarou apoio a Tarcísio e a Jair Bolsonaro (PL) dois dias após a votação.

Ao longo da gestão de Bolsonaro, o estado de São Paulo travou embates com Brasília, não só a respeito da pandemia, mas de obras e investimentos -casos que chegaram a ser levados por Rodrigo à campanha eleitoral para desgastar Tarcísio.

Como secretário de Governo, posto que ocupou até assumir o Palácio dos Bandeirantes em abril passado, Rodrigo acompanhou cada imbróglio, já que ele gerenciava os empreendimentos da gestão. A construção de uma ponte entre Santos e Guarujá e de um canal na Hidrovia Tietê-Paraná são exemplos de obras que ficaram travadas à espera de aval da pasta de Tarcísio.

As desavenças com o governo federal começaram a partir do momento em que o então governador João Doria (PSDB) adotou uma postura de oposição ao negacionismo de Bolsonaro na pandemia.

Aliados de Rodrigo tinham a avaliação de que o presidente agiu para prejudicar o estado e que Tarcísio, que antes planejava uma candidatura ao Senado por Goiás, seria cobrado na campanha pelo tratamento dispensado a São Paulo.

A Folha mostrou em março que o Ministério da Infraestrutura tinha entregas tímidas em São Paulo na comparação com outros estados.

No debate da TV Globo, por exemplo, Rodrigo questionou a concessão da Dutra feita pelo governo federal, que prevê a duplicação da Rio-Santos somente no trecho do Rio de Janeiro, não no paulista. Ele ainda ressaltou que Brasília entregou 18 km de estradas no estado ante 11 mil km do governo estadual.

A declaração sobre São Paulo em último lugar se refere ao ranking de investimentos em rodovias previstos pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para cada estado em 2022.

Santa Catarina lidera a lista com R$ 259,3 milhões, enquanto São Paulo ocupa a lanterna, com R$ 14,5 milhões.

No debate, Tarcísio justificou os números, afirmando que o Dnit administra apenas 53 km de malha rodoviária em São Paulo, já que o estado privatizou as principais rodovias, e declarou que sua gestão trouxe mais de R$ 50 bilhões em investimentos privados para os paulistas.

O mote da campanha de Rodrigo, "paulista raiz", também foi pensado para espezinhar Tarcísio, que é nascido no Rio de Janeiro e mudou seu domicílio eleitoral para São José dos Campos (SP) somente para a eleição. Esse slogan e o "nem direita nem esquerda", porém, ficaram ultrapassados quando o governador apoiou os bolsonaristas na terça-feira (4).

Em encontro com o presidente no aeroporto de Congonhas, Rodrigo afirmou que dava seu apoio "incondicional" a Bolsonaro e a Tarcísio.

O embarque imediato na campanha bolsonarista acabou gerando uma crise para o governador, que viu três secretários pedirem demissão. Tucanos reclamam que não houve consulta de Rodrigo ao PSDB, mas ele argumenta que seu apoio é pessoal e que o movimento foi individual.

Na quinta-feira (6), questionado pela Folha se apoiar o governo federal após ter apontado o descaso da gestão Bolsonaro com São Paulo não seria uma incoerência, Rodrigo afirmou que "incoerência é apoiar o PT, que acabou com este país".

"Nesse segundo turno, temos dois lados. O lado do PT e esse lado. Esse é o meu lado, em que sempre estive. Total coerência na minha decisão", disse o governador.

"A decisão é coerente com a minha história e com aquilo que eu defendi na campanha. São Paulo vai bem porque o PT nunca governou São Paulo, e quero que continue bem", completou.

Segundo o Datafolha, 51% dos paulistas afirmam que Rodrigo deveria apoiar Tarcísio, índice que sobe para 57% entre eleitores do governador.

Rodrigo afirmou ainda que o "incondicional significa sem nenhum pedido em troca". Políticos do entorno do tucano e do presidente falam, contudo, em expectativa de manutenção de cargos no governo estadual e até ocupar um ministério caso Bolsonaro vença a eleição.

Enquanto o apoio foi celebrado por Bolsonaro, o próprio Tarcísio torceu o nariz, afirmando que sua proposta era de mudança em relação à gestão do PSDB e que não via sentido em ter o governador e seu partido em seu palanque, já que a adesão de tucanos seria natural.

Aliados de Rodrigo viram na fala do candidato uma indisposição de ceder espaço de um eventual governo. Ao não dividir o palanque, Tarcísio não estaria obrigado a contemplar os pleitos do atual governador ou acomodar seu grupo político.

A união repentina dos antigos rivais foi questionada pela deputada Janaina Paschoal (PRTB), candidata derrotada ao Senado, ao comentar o fato de que Carla Zambelli (PL-SP) comemorou o embarque de Rodrigo. Janaina resgatou um vídeo publicado por Zambelli que critica Rodrigo e o associa a Doria.

"Até ontem, tratava o homem como se fosse o cão. O que mudou? Sem nenhum demérito às partes envolvidas, como alguém muda tanto em alguns dias?", disse a deputada.

O embate mais conhecido entre Bolsonaro e a gestão Doria/Rodrigo envolveu a compra de vacinas e o isolamento social -ações defendidas pelos tucanos e boicotadas pelo governo federal. Além disso, ao menos oito grandes projetos do Palácio dos Bandeirantes foram atrasados ou inviabilizados pela gestão Bolsonaro.

A lista inclui a nova fábrica do Instituto Butantan, a concessão do ginásio do Ibirapuera e a implantação da nova Ceagesp, além do monotrilho no aeroporto de Guarulhos e a construção do piscinão de Jaboticabal.

As entregas ligadas ao Ministério da Infraestrutura, além da concessão da Dutra, eram a ponte Santos-Guarujá, que chegou a ter o projeto modificado a pedido da pasta, mas não saiu do papel -o governo federal prefere uma ligação via túnel.

E o canal de Avanhandava, da Hidrovia Tietê-Paraná, que teve o projeto enviado ao ministério em setembro de 2020 e a aprovação veio em fevereiro de 2022. A pasta diz que a demora foi causada pelos estudos insuficientes apresentados pelo governo paulista.

Na campanha, além da crítica à atuação no ministério, a equipe de Rodrigo criou um site que reunia reportagens negativas para Tarcísio e expôs suas gafes, como não saber em qual colégio votava em São José dos Campos.

O tucano explorou ainda os aliados polêmicos de Tarcísio, como Fernando Collor (PTB); o prefeito Ney Santos (Republicanos), investigado por ligação com o PCC; Douglas Garcia (Republicanos) e Frederico D'Avila (PL); além dos filhos de Bolsonaro.

Um deles, Eduardo, que é deputado federal por São Paulo, ficou atrás do pai durante o encontro em que Rodrigo selou a aliança com Tarcísio e Bolsonaro.


Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!