CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) - Um grupo de católicos de Araruna, no interior do Paraná, quer um posicionamento dos padres da região sobre o que consideram temas essenciais para o segundo turno das eleições, como a defesa da igreja, da família e da pátria. Eles organizaram um movimento que foi até a igreja local para pressionar os padres a se manifestarem politicamente durante as missas.

O encontro aconteceu no dia 5 de outubro, três dias após o primeiro turno da eleição, na Paróquia Santo Antônio, conforme comunicado divulgado nas redes sociais e fontes ouvidas pela Folha de S.Paulo.

Nele, o grupo intitulado Unidos em Cristo diz que solicitou ao padre orientação aos fiéis sobre as eleições do próximo dia 30, "instruindo a comunidade para votar".

Para isso, era preciso considerar "princípios cristãos", como ser contra o aborto, a ideologia de gênero e a corrupção, e defender "a igreja, a família e a pátria".

Os temas e a pressão aos padres são discutidos em grupos de WhatsApp, com áudios que circulam pela cidade de apenas 14 mil habitantes. Neles, um homem identificado como liderança da igreja fala que esperam pelo menos 400 pessoas para pressionar o padre, que "tem que tomar uma posição".

Ele informa que foi criado um grupo de direita, com agricultores e empresários que teriam cedido espaços para reuniões, e descobriram que há padres "de esquerda".

Um sacerdote da região conversou com a Folha de S.Paulo, sob a condição de anonimato, e confirmou vários relatos de colegas que sofreram pressão política. Ele mesmo diz ter sofrido represálias na internet depois de uma postagem.

De acordo com ele, conforme as ofensas virtuais chegavam, as pessoas foram ampliando as conversas, dizendo que ele teria votado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que ele disse nunca ter afirmado.

Depois disso, resolveu se ausentar das redes sociais e disse se sentir ferido e "julgado por tudo", confirmando haver uma pressão nos padres da cidade.

Nos áudios, aos quais a Folha de S.Paulo teve acesso, o homem chama os que são "de direita" para fazerem o mesmo em todas as 40 paróquias da região e diz que a luta é "da igreja contra o diabo".

A mensagem diz que o grupo não pede para que o padre deixe de votar no ex-presidente, mas que ele "vá para o inferno junto com Lula" se ele quiser votar dessa forma.

Depois de citar temas como banheiro unissex, ideologia de gêneros e aborto, fala que tudo isso foi invenção do PT e que, portanto, "não são coisas de Deus".

Caso o padre se recuse a assumir posição política, ele diz que não tomará comunhão das mãos do sacerdote e irá para missa em outra paróquia, além de deixar de pagar o dízimo em Araruna.

Segundo o homem, não dá para ficar só rezando e é preciso, como cristão, ir à luta.

A pressão causou repúdio em várias entidades e profissionais da região e de outros estados. Entre eles, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), que confirmou assinatura da nota de solidariedade aos padres. Ela já tem quase 400 nomes.

Um deles é João Marcos Avelar, diretor da Unespar (Universidade Estadual do Paraná), campus de Campo Mourão. Ele assinou "como pessoa física, católico, cidadão" e vê a pressão política como assustadora, especialmente por reunir empresários fortes da cidade.

"O padre pode ter seu posicionamento lá fora, pode divulgar, mas na hora da missa nem o padre nem o pastor deveriam induzir fiéis a dizer que fulano é do bem ou ciclano é do mal", disse.

O movimento conservador na região é confirmado pelo ex-reitor da Unespar Antônio Carlos Aleixo, que também assina a nota de solidariedade.

"Alguns membros de paróquias usam fake news. São poucos, geralmente pequenos empresários bolsonaristas e confundem seus interesses com os interesses de religiosidade da maioria."

Aleixo afirmou ainda que os atos são violentos e desrespeitosos. "Querem colocar na boca dos padres aquilo que eles pensam. Isso é violência. Se não impedirmos, corre-se o risco de uma teocracia disfarçada."

Um morador da cidade, católico que frequenta a igreja, diz que muitos habitantes, mesmo bolsonaristas, não viram com bons olhos o movimento e cogitam rever seu voto no segundo turno.

Os padres da paróquia de Araruna não retornaram aos contatos da Folha. A Diocese de Araruna, à qual a Paróquia Santo Antônio faz parte, não quis se manifestar.


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