SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A ordem de um integrante da equipe do candidato ao Governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos) a um cinegrafista da Jovem Pan para que apagasse as imagens do tiroteio que interrompeu a visita do político à favela de Paraisópolis pode configurar a prática de até cinco crimes diferentes previstos no Código Penal, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.

Parte dos advogados especializados em direito penal ouvidos pela reportagem vê indícios de possíveis delitos de obstrução à Justiça, favorecimento pessoal, supressão de documento, fraude processual e coação no curso do processo, além de violações à legislação eleitoral.

Outros criminalistas consultados avaliam ainda não haver elementos suficientes no episódio para enquadramento no Código Penal, mas defendem a necessidade de investigação.

O caso aconteceu no último dia 17, na favela de Paraisópolis. O profissional da Jovem Pan fazia imagens da campanha do postulante ao Governo de São Paulo. Tarcísio estava na sede de um projeto social que inaugurou um polo universitário na favela quando um tiroteio entre policiais e suspeitos terminou com uma morte.

Conforme revelou a Folha de S.Paulo, em um prédio usado pela campanha, um membro da equipe do candidato questionou o cinegrafista sobre o que havia filmado, citando o tiroteio e pessoas que estavam em uma ONG. "Você tem que apagar", diz o homem.

A reportagem apurou, no entanto, que as imagens já tinham sido enviadas à Jovem Pan. No momento logo após o tiroteio, a emissora passou a exibir imagens do local do tiroteio, da ação da polícia e da retirada às pressas da equipe de Tarcísio.

A Jovem Pan afirmou que exibiu todas as imagens feitas durante o tiroteio. Já a campanha de Tarcísio afirmou que "um integrante da equipe perguntou ao cinegrafista se ele havia filmado aqueles que estavam no local e se seria possível não enviar essa parte para não expor quem estava lá".

A assessoria ainda disse que, durante a agenda, diversos veículos fizeram imagens da situação e as colocaram no ar.

A advogada criminalista e presidente da comissão da Mulher Advogada da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subsecção Pinheiros, Ana Carolina Moreira Santos, diz que a conduta da equipe de Tarcísio pode configurar ato de obstrução à Justiça.

"O caso merece uma investigação mais profunda, sobretudo quanto à motivação do pedido ou ordem para apagar o vídeo, bem como sobre as circunstâncias do fato original, mas é possível constatar contornos do crime de favorecimento pessoal ou de embaraço à investigação de infração penal", afirma.

A pena para o crime de obstrução à Justiça é de reclusão, de três a oito anos, e multa, e o delito de favorecimento pessoal tem como punição detenção, de um a seis meses, e multa.

A criminalista afirma que o ato pode levar os responsáveis a responderem também por um crime que na linguagem técnica é denominado "supressão de documento", que consiste em destruir ou ocultar documento público ou particular verdadeiro, sobre o qual não se tinha direito.

O crime de supressão de documento é punido com reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento for particular.

Para a advogada, o caso ainda poderá ter repercussão na área eleitoral.

"A iniciativa pode configurar crime eleitoral, na medida em que a filmagem, além de utilizada para fins de campanha político partidária, trata de fato juridicamente relevante, não só pela exploração do fato como um pretenso atentado, como pelo resultado da ação, com a morte de uma pessoa no local."

O criminalista e presidente da comissão de Investigação Defensiva da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Gabriel Bulhões, afirma que, para configurar o crime de obstrução à Justiça, é preciso que o caso envolva também um contexto de investigação de organização criminosa, uma vez que esse tipo de delito está previsto na lei específica que trata dos grupos criminosos, a lei 12.850, de 2013.

Mas, mesmo que não haja organização criminosa no episódio, a conduta da equipe de Tarcísio pode ser em tese enquadrada, a depender das circunstâncias apuradas pela investigação, na conduta de fraude processual, que está prevista no artigo 347 do Código Penal, ou ainda na do crime de coação, definido no artigo 344 do mesmo código.

A pena para o crime de fraude processual é de detenção, de três meses a dois anos, e multa. Já o delito de coação tem punição de reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Para o criminalista, "é preciso verificar se na reunião com os jornalistas houve algo ameaçador no sentido de oferecer até um risco contra a integridade física dos presentes, pois nessa situação pode ter ocorrido o crime de coação no curso do processo, ou se a ação alterou estado de evidência relevante para a investigação, com o objetivo de dificultar a apuração por qualquer razão, pode caracterizar fraude processual".

Quanto às possíveis repercussões no campo eleitoral, o especialista diz que primeiro teria que ser comprovada uma prática ilícita da campanha de Tarcísio e, "a depender da forma como isso foi capitalizado politicamente, se tiver um potencial de interferir no pleito eleitoral, isso pode caracterizar abuso de poder dentro da campanha".

O criminalista e professor da FGV Direito São Paulo Celso Vilardi diz que o fato merece ser aprofundado, mas a princípio não vê a ocorrência de obstrução à Justiça ou outro delito.

"O embaraço à investigação deve envolver organização criminosa. Daí que, apesar de não descartar, de forma absoluta, não vejo elementos que me faça concluir pela prática criminosa", diz Vilardi.

A criminalista e mestre em direito processual penal pela USP Maria Jamile José diz não verificar ainda no caso a prática de obstrução de Justiça, mas uma tentativa de cerceamento da atividade da imprensa.

"O crime de obstrução à Justiça no nosso ordenamento jurídico se configura quando há intervenção inapropriada, uma tentativa de dificultar a investigação de crimes que envolvem organização criminosa. Nesse caso não me parece que havia uma investigação instaurada e também não me parece que seria caso de investigação de organização criminosa. Então, por esses dois vieses, eu não não enxergo, pelo menos a priori, a tipificação do crime de obstrução à Justiça", afirma a criminalista.

Tarcísio afirmou que o "momento de tensão" pode ter levado um integrante da equipe a pedir ao cinegrafista para apagar as imagens para "preservar a identidade de pessoas que fazem parte da nossa segurança".

"É muito ruim revelar a identidade de pessoas que acabam de se envolver com criminosos", afirmou ele, falando haver sensacionalismo no caso.


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