SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT), que disputam o segundo turno para o Governo de São Paulo, trocaram acusações envolvendo os padrinhos na eleição nacional, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em debate na TV Globo na noite desta quinta-feira (27), a três dias do pleito.
Deixando temas estaduais em segundo plano, os candidatos a governador discutiram temas como valorização do salário mínimo, vacinação, relação com o agronegócio, programas de transferência de renda e outras questões que têm oposto o atual mandatário ao ex-presidente na corrida ao Planalto.
Tarcísio e Haddad replicaram discursos dos respectivos aliados e buscaram se distinguir do ponto de vista político e ideológico, com Bolsonaro e Lula no pano de fundo. Os dois competidores estaduais também elevaram a tensão ao discutir o episódio do tiroteio em Paraisópolis durante ato de campanha de Tarcísio.
Haddad, que ficou atrás no primeiro turno, adotou um tom assertivo e em alguns momentos exaltado, na tentativa de acuar o rival, e puxou a nacionalização do debate, com um esforço para associar o oponente a Bolsonaro. Questões estaduais apareceram ao longo do programa, mas sem abandonar a polarização entre os dois projetos federais.
A discussão sobre valorização do salário mínimo, que aparece na disputa nacional desde que a Folha de S.Paulo revelou na semana passada o plano do ministro Paulo Guedes (Economia) para mudar a política de reajustes do salário mínimo e de aposentadorias, ficou no meio de um cabo de guerra no debate.
Haddad afirmou que Bolsonaro manterá a política de não dar ganho real para o salário e que Lula, se eleito, garantirá a valorização. "Em que planeta você vive?", indagou. Tarcísio repetiu a promessa do presidente de que, em um eventual segundo mandato, o salário mínimo e as aposentadorias terão aumento acima da inflação.
Em esforço para contrapor os dois governos, Haddad disse ao rival que "vocês acabaram com o Minha Casa, Minha Vida" e "vocês destruíram o Programa de Aquisição de Alimentos". Quando se referiu à era PT na máquina federal e à sua passagem pelo MEC sob Lula, o petista enfatizou a expressão "nós".
Tarcísio, logo no início, disse que "está sendo bombardeado por fake news" e afirmou ser mentira que vá elevar a conta de água, por causa da promessa feita ao longo da campanha (e depois atenuada) de privatizar a Sabesp (companhia estadual de saneamento). "Vamos estudar a privatização da Sabesp e seguir com ela apenas se for bom para o cidadão", disse, prometendo reduzir a tarifa.
O candidato do Republicanos também afirmou querer desmentir a mensagem de que Bolsonaro, se reeleito, vai acabar com o Auxílio Emergencial ?na verdade, o nome do programa é Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família). Haddad criticou a desorganização da política pública e a autorização para empréstimos consignados, dizendo que o atual governo quer "arrancar o couro do beneficiário do Auxílio Brasil".
Momentos tensos se alternaram, como a decisão de Tarcísio de relembrar o caso de um morador de rua que supostamente morreu de frio na época em que o rival era prefeito da capital paulista. Já Haddad explorou longamente um tema levado à TV por sua campanha: a tentativa de vincular o ex-ministro da Infraestrutura à crise de oxigênio em Manaus em um dos piores momentos da pandemia de Covid-19.
Os dois entraram em uma discussão sobre estradas, aviões e a maneira mais rápida de enviar suprimentos à capital amazônica. A campanha do PT diz que uma decisão equivocada do então ministro piorou a demora no atendimento aos doentes. "Bolsonaro tomou decisões equivocadas na pandemia de Covid-19", disse o petista. Lula também responsabiliza o mandatário por parte das mortes na pandemia.
Outro embate foi sobre a obrigatoriedade da vacinação de crianças, com o petista atacando o adversário por ter dito que a imunização infantil não será mais obrigatória no estado, caso ele seja eleito. Tarcísio respondeu que, se virar governador, vai "trabalhar para que a vacinação seja um sucesso".
Haddad também mencionou o caso, revelado pela Folha de S.Paulo, de um integrante da campanha de Tarcísio que mandou um cinegrafista da Jovem Pan apagar imagens de um tiroteio em Paraisópolis durante agenda de campanha do candidato, no último dia 17. Um homem morreu na ocasião, e a campanha chegou a falar inicialmente em atentado, o que não foi endossado pelas autoridades de segurança.
"Se tem uma imagem que acha que pode colocar alguém em risco? Você apaga ou leva para autoridade policial? Esse procedimento é um absurdo, pergunte para qualquer criminalista. A imagem pode ser útil para o investigador concluir o que aconteceu", disse o petista.
O bolsonarista disse lamentar que o rival faça "sensacionalismo com uma coisa tão séria", após a insinuação de que a cena do homicídio foi alterada. Um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) compunha a equipe de segurança do candidato no dia da troca de tiros na comunidade paulistana.
O petista também apontou problema no pedido para que as imagens fossem apagadas, dizendo que esse tipo de gesto levanta suspeição e vai na contramão da transparência esperada de investigações oficiais. "Não se destroem provas, não se destroem evidências, se confia na autoridade policial", disse Haddad.
Irritado, Tarcísio afirmou que o adversário fazia um "papelão" e "sensacionalismo barato" ao levantar o assunto. O candidato apoiado por Bolsonaro disse que sua equipe teve "uma atitude de boa-fé" e que não havia nada a ser escondido.
Segundo ele, foi pedido para apagar o vídeo para proteger a segurança de pessoas da campanha e da imprensa que estavam no local e aparecem nas imagens. "A preocupação foi com a segurança, porque fomos abordados por criminosos."
O bolsonarista também rebateu o ataque feito pelo PT no horário eleitoral sobre mudanças que Tarcísio estuda para a segurança pública. A campanha petista mostra no programa o título de uma reportagem da Folha de S.Paulo: "Tarcísio quer adotar modelo do RJ que acaba com a Secretaria da Segurança".
O ex-ministro disse que seu plano é manter a secretaria, mas acabar com "intermediários" na estrutura pública "para ter as polícias mais próximas do governador".
Como faz Bolsonaro com Lula, o ex-ministro buscou associar Haddad ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), resgatando frase do ex-prefeito sobre desapropriação de terras produtivas e perguntando que papel o grupo teria em eventual governo dele. "Produzir, como ele [MST] está produzindo", retrucou o petista.
Para se contrapor, o candidato do Republicanos citou medidas atribuídas por ele a Bolsonaro, como ampliação do acesso a crédito para micro e pequenos empreendedores e avanço em programas de concessão e privatização.
O bolsonarista respondeu às provocações no mesmo tom do rival, fazendo defesa intransigente da gestão Bolsonaro e de propostas do candidato à reeleição, que o escolheu como ministro da Infraestrutura e formatou sua campanha no estado.
Tarcísio buscou desgastar o petista com críticas à gestão dele como prefeito da capital paulista, listando obras que não foram entregues e acusando-o de deixar a cidade com déficit, o que é contestável. "É muita promessa, mas, quando você esteve com a mão na massa, você não fez", disse o postulante do Republicanos.
"Supera, vamos discutir São Paulo", disse Tarcísio a Haddad, mencionando que ele foi derrotado por Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018. "Você tem uma fixação de falar de governo federal, falar do presidente Bolsonaro, que eu acho que você deveria disputar de novo a Presidência da República."
O petista voltou a ironizar a origem do rival, afirmando que ele não conhece São Paulo e ironizando que os cariocas falam "biscoito" em vez de "bolacha", como fazem os paulistas. "Você é bem-vindo a São Paulo, mudou há seis meses, fez um contrato de aluguel com o seu cunhado, já foi acusado pelo seu vice de nunca ter vivido em São José dos Campos, é público e notório isso."
Em outro momento, adotando tom duro e gesticulando os braços, o ex-prefeito disse: "Você não tem raízes aqui [no estado]".
Tarcísio cutucou o partido do adversário ao afirmar que o atual governo federal defende a responsabilidade fiscal e que, se virar governador, seguirá a mesma lógica. O bolsonarista também falou em "fracasso de concessões do PT" e questionou quem estaria com Lula em um eventual governo dele, já que até agora "a gente não tem nenhum cheiro" de quem será o ministro da Economia, por exemplo.
"Vocês são bons de obras, só não fizeram obras aqui", disse Tarcísio, emulando Bolsonaro ao citar financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a empreendimentos em países como Venezuela e Cuba. O ex-ministro afirmou que as ideias de Lula são velhas e que o PT "mistura ideologia com aritmética", resultando em concessões desastradas.
Segundo pesquisa Ipec divulgada na terça-feira (25), Tarcísio e Haddad estão tecnicamente empatados na disputa pelo Governo de São Paulo, com 46% e 43% das intenções de voto, respectivamente. O levantamento injetou gás na campanha e na militância do petista, com a expectativa de virada.
Tarcísio teve 42,3% dos votos válidos no primeiro turno, e Haddad recebeu 35,7%. O terceiro colocado foi o candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), que declarou apoio ao bolsonarista.
O debate desta quinta foi o segundo e último nesta etapa final do pleito em São Paulo. O anterior foi o promovido pela TV Bandeirantes no dia 10 deste mês, quanto Tarcísio e Haddad trocaram críticas e provocações, mas evitaram ataques e ofensas pessoais, adotando um tom civilizado.
Tarcísio se recusou a comparecer ao debate do SBT, transformado em uma sabatina com Haddad, e à edição conjunta do Roda Viva, da TV Cultura, que acabou sendo feita só com o petista. A Record cancelou o programa que faria, alegando "dificuldades na agenda dos candidatos", mas a campanha do PT disse que o cancelamento ocorreu exclusivamente em razão da desistência de Tarcísio.
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