SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O volume de fake news circulando nas redes sociais e aplicativos de mensagens explodiu entre o primeiro e segundo turno da eleição deste ano, mostram levantamentos da Palver e do NetLab, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e dados do Facebook e Instagram coletados por Crowdtangle.
Considerando dois dos principais tópicos de desinformação na campanha eleitoral, valores cristãos e gênero e família, houve um aumento de 253% na média diária de publicações ou mensagens do primeiro para o segundo turno, segundo volumetria do NetLab. A análise usa amostragem do WhatsApp, Telegram, Twitter, YouTube, Facebook e Instagram, e cobre o período de 15 de agosto a 15 de outubro.
Os tópicos abarcam mensagens sobre perseguição a cristãos, maçonaria, fechamento de igrejas satanismo, aborto, banheiro unissex, ideologia de gênero, oposição ao feminismo e às pautas identitárias.
No início da campanha para o segundo turno, a desinformação sobre valores cristãos, família e gênero praticamente substituiu os ataques à integridade eleitoral.
A média diária de fake news relativas a supostas fraudes nas urnas caiu 82% entre o primeiro e segundo turno --considerando todas as plataformas até 15 de outubro.
As menções a fraude tiveram um pico em 3 de outubro, dia seguinte ao primeiro turno, quando houve uma enxurrada de vídeos mostrando supostas irregularidades na votação, e despencou depois disso, na esteira da estratégia da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) de não enfatizar o assunto após desempenho acima do esperado nas urnas.
A redução da desinformação eleitoral no segundo turno foi particularmente forte no YouTube, com queda de 90% na média diária, no Twitter, com recuo de 83%, e Facebook, de 73%.
No entanto, a partir de segunda-feira (24), quando o ministro das Comunicações, Fábio Faria, comunicou à imprensa que rádios do Nordeste teriam omitido inserções da campanha de Bolsonaro, a desinformação sobre fraude eleitoral voltou a explodir -e superou o nível do primeiro turno.
De acordo com a Palver, empresa que monitora 15 mil grupos de WhatsApp, a média diária de mensagens incluindo diversos termos relacionados a fraude eleitoral, incluindo inserções no rádio, aumentou 224% comparando período que vai de 10 de agosto a 9 de outubro, uma semana após o segundo turno, e o período de 15 a 26 de outubro.
Especificamente o tema das inserções nas rádios ganhou enorme tração nos grupos -saiu de 231 mensagens a cada 100 mil no dia 23 de outubro, para 1220 no dia 26, de acordo com a Palver.
No Facebook, publicações mencionando a denúncia de Bolsonaro sobre rádios alegadamente omitindo inserções de sua campanha saltaram de 14,8 mil na semana de 16 a 22 de outubro para 1,83 milhão entre 23 e 27 de outubro. No Instagram, no mesmo período, saltaram de 185,1 mil para 4,87 milhões.
Segundo Marie Santini, coordenadora do NetLab, as mensagens sobre a suposta omissão de inserções em rádios fazem parte da estratégia chamada "firehose of falsehoods" (mangueira de incêndio de mentiras).
O método consiste em bombardear os eleitores, através de várias plataformas, com narrativas sobre falta de confiabilidade do sistema eleitoral e supostas fraudes. Depois de um tempo, os eleitores, mais familiarizados com essas narrativas, ficam mais abertos a acreditar nesse tipo de desinformação.
"A história das rádios faz parte de uma campanha permanente, e a intensificação dessa narrativa na última semana prepara para um questionamento real dos resultados, com apoio dos seus eleitores", diz.
Ela aponta que a desinformação na eleição de 2022 está muito mais sofisticada do que a de 2018, em que a transmissão de fake news se dava essencialmente por grupos de WhatsApp e Facebook.
Agora, existe uma infraestrutura multiplataforma de disseminação de desinformação, que inclui a geração de conteúdo por sites hiperpartidários, canais do YouTube e vídeos do TikTok e Kwai.
As mensagens depois são distribuídas por grupos do WhatsApp e Telegram -essa é a fase em que se faz uma preparação de terreno e se testa a eficiência das mensagens. Ao mesmo tempo, as narrativas são distribuídas a grupos do Facebook e são feitos testes com anúncios, para ver qual linguagem reverbera mais. A estratégia permite segmentar a mensagem para perfis um pouco mais específicos de eleitores.
A partir daí, começam os "disparos" da mangueira de incêndio.
Mensagens testadas são disseminadas de forma rápida, contínua, e repetitiva por meio de influenciadores no Twitter, Instagram, Facebook e YouTube, em grupos e canais no WhatsApp e Telegram e em TVs (principalmente a Jovem Pan), rádios, sites e anúncios nas plataformas.
"Essa infraestrutura é importante para familiarizar o público com as narrativas de desinformação e tornar os indivíduos mais vulneráveis às mentiras, ao mesmo tempo em que aumenta a resistência à checagem dos fatos", afirma a pesquisadora.
Para Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), em 2022, a importância de influenciadores como os deputados federais eleitos Nikolas Ferreira e André Janones cresceu. "Dentro do ecossistema de desinformação mais complexo que estamos vendo, os influenciadores aumentam a velocidade dos ataques e também das respostas a ataques."
Além disso, TikTok e Kwai ganharam mais importância do que Facebook na disseminação de fake news, e os anúncios impulsionados por plataformas também foram incorporados às campanhas.
Muito da estratégia é "ver se cola": vídeos e anúncios com propaganda negativa, proibida por lei, são feitos pelas campanhas e circulam até que sejam removidos por plataformas ou por ordem do TSE.
Manoel Fernandes, sócio da Bites Consultoria, acha que o bolsonarismo continua muito mais hábil para pautar o noticiário a partir de polêmicas amplificadas pelas redes sociais -por exemplo, desviar do assunto da prisão de Roberto Jefferson para a denúncia sobre inserções nas rádios.
"A oposição ainda não conseguiu entender como essa dinâmica se forma, embora tenha avançado em relação a 2018", diz.
Para Fernandes, o presidente Jair Bolsonaro entende a importância de criar ondas sequenciais de mensagens e da mangueira de falsidades. A oposição ainda tateia nesse campo, e Janones é o principal 'experimento'.
Na opinião de Fernandes, os únicos personagens da esquerda que aprenderam a navegar o ambiente da campanha digital -a ex-deputada Manuela d'Ávila e o deputado federal eleito Guilherme Boulos- não foram ouvidos pela campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Por enquanto, acredita, a esquerda continua muito mais lenta e reativa na internet.
"E essa guerrilha digital não acaba no segundo turno. Domingo vai ser só o início de uma nova fase."
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