SÃO PAULO, SP,E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) se enfrentaram em torno de temas como economia e valorização do salário mínimo e trocaram acusações sobre corrupção em debate na TV Globo na noite desta sexta-feira (28), a dois dias do segundo turno das eleições. Sem profundidade, as discussões se perderam em meio a ataques e contestações mútuas.
Os candidatos entraram em embates sobre os legados de seus governos em áreas como política externa e valores de programas de transferência de renda (o Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil). Sobraram menções ao adjetivo "mentiroso", com ambos resgatando escândalos e polêmicas do lado oposto.
Ambos os postulantes se esquivaram de temas incômodos, o que deixou truncado o ritmo do debate ?o último antes da ida dos brasileiros às urnas, neste domingo (30).
O petista introduziu questões de política externa quando foi questionado seguidamente sobre corrupção. Ele também conseguiu desviar da acusação de Bolsonaro de ser favorável à chamada "ideologia de gênero" e às drogas. "Não pensa nas crianças e nem na família", disse o incumbente.
Também evitou responder afirmação de Bolsonaro sobre invasão de terras pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas respondeu à acusação de ser "abortista", dizendo-se a favor da vida e lendo trecho de entrevista antiga do presidente em que ele defendeu a pílula do dia seguinte. "Nem lembro mais", respondeu o candidato do PL. Também falou: "Trinta anos atrás? Eu posso mudar, ué".
Lula optou por abordar sobretudo temas econômicos, um dos pilares de sua campanha, para resgatar o rival. Mencionou o aumento da miséria e da fome e a inflação dos alimentos, cobrando Bolsonaro pela falta de assistência aos mais pobres. "O povo está sentindo na carne, sabe que está passando fome, que está desempregado."
Uma das principais discussões foi em torno da revelação pela Folha de S.Paulo, na semana passada, do plano do ministro Paulo Guedes (Economia) para mudar a política de reajustes do salário mínimo e de aposentadorias, permitindo que eles passem a ter aumento abaixo da inflação.
Bolsonaro reclamou que a campanha petista mentiu ao dizer no horário eleitoral que ele, se reeleito, não reajustará o salário e cortará férias e horas extras. Lula retrucou, afirmando que o salário mínimo hoje é menor do que quando ele assumiu o governo e que o PT garantia aumento real.
Com a insistência do presidente em debater o teor da propaganda do oponente, Lula disse que ele estava preso em um tema. "Parece que o meu adversário está descompensado, porque ele é um samba de uma nota só", afirmou o ex-presidente, que em outro momento falou que Bolsonaro estava desequilibrado.
"Esse cidadão se preparou para vir aqui preocupado com o programa de televisão [horário eleitoral] que eu não assisto. Eu não assisti hoje, não assisti em 94, em 98, em 89 porque eu tenho o que fazer. Eu não vou ficar vendo programa de televisão. Quem vê o programa de televisão é que faz o programa de televisão e quem está em casa. Eu tava na rua conversando com o povo."
Bolsonaro afirmou: "Ele fica mentindo nos programas eleitorais para tentar ganhar voto das pessoas mais desavisadas. Isso é um estelionato. É levar o terror para os mais humildes, mais pobres, uma proposta que eu não tenho".
Bolsonaro buscou reforçar a ideia que a economia vai bem e que há recorde de empregos. "Será que vou ter que dar uma exorcizada em você para parar de mentir?", disse a Lula, que afirmou que não responderia a mentiras. "Não compensa. Diga alguma coisa com coisa", afirmou o petista.
Lula recorreu à tese de que o adversário enfileirava disparates para fugir da discussão sobre temas importantes para o futuro do Brasil e chegou a ironizar que o rival precisava de um intervalo para pensar melhor sobre o que poderia falar.
O petista disse que em seu governo as pessoas tinham dinheiro para comprar comida, eletrodomésticos e para viajar. "Hoje o país está empobrecido. Por que o povo ficou miserável no seu governo?", questionou, citando a cifra de 33 milhões de pessoas passando fome e um dado de reportagem da Folha de S.Paulo, baseado em pesquisa Datafolha, de que 24% dos brasileiros dizem ter comida insuficiente. O petista, porém, se confundiu e disse 24 milhões de pessoas.
Bolsonaro afirmou que, com base no Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a miséria diminuiu em seu governo. "A minha fonte é o Ipea. Sua fonte é a Folha de S.Paulo. Pelo amor de Deus", ironizou. O presidente culpou a pandemia e disse que "governadores de Lula" mandaram as pessoas ficarem em casa. "Tem gente passando fome, mas não nesse número que você chutou", acrescentou.
Outro tema em que o postulante do PT quis demarcar diferença com o rival foi a política externa, afirmando que o rival relegou o Brasil ao isolamento internacional. "O que você vai fazer para reinserir o Brasil no mundo? Ou você vai continuar isolado, pior do que Cuba? Você está sozinho. Como é que você vai abrir relações com outros países?", questionou.
Bolsonaro respondeu: "O mundo árabe me recebe de braços abertos. Falei com o [presidente dos EUA, Joe] Biden há pouco tempo. Converso com todo mundo". A certa altura, disse também: "Pare de mentir, Lula, estamos bem", mencionando acordo com a Rússia para garantir a compra de fertilizantes.
Bolsonaro explorou pontos fracos do concorrente ao dizer que seu governo recebeu "sérios problemas éticos, morais e econômicos, em grande parte herdados do governo do PT". Também afirmou que "o sistema todo está contra" ele, inclusive a Globo e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Ambos abordaram também os vínculos do rival com o ex-deputado federal pelo PTB Roberto Jefferson, que atacou a tiros e granadas policiais federais que cumpriam uma ordem de prisão contra ele. Lula puxou a discussão, afirmando que Bolsonaro tem Jefferson como "homem de confiança".
O presidente rebateu, dizendo que o ex-parlamentar era "amigo de roubalheira" e "parceiro na compra de votos" do petista e foi o delator do esquema do mensalão. "O Roberto Jefferson explodiu o teu governo, Lula. O mensalão. Atrás disso veio o petrolão, veio tudo."
O assunto voltou em outro bloco, com Lula dizendo que, se um negro da favela fizesse o que Jefferson fez, Bolsonaro teria "mandado matar", mas, como era um aliado, "mandou o ministro ir lá" ?o titular da Justiça, Anderson Torres. "Você chegou a dizer que não tem foto com ele [Jefferson]. A imprensa escancarou as fotos. Você não pode ter duas personalidades, cara, tenha uma só", disse o ex-presidente. O mandatário, então, respondeu que não tem fotos com Jefferson "por ocasião das eleições".
Ainda na chave da corrupção, Bolsonaro insistiu que as condenações de Lula na Operação Lava Jato foram confirmadas em três instâncias e que ele só está concorrendo por ter "um amigo" no STF (Supremo Tribunal Federal). "Você deveria estar preso", completou.
As sentenças do ex-presidente foram anuladas por decisão do ministro Edson Fachin e referendadas pelo plenário do tribunal em 2021, liberando-o para disputar as eleições. Bolsonaro também citou membros do PT que protagonizaram casos de desvios, como Antonio Palocci, José Dirceu e José Genoino.
O jornalista Wiliiam Bonner, mediador do debate, quis fazer um esclarecimento depois de ser citado por Bolsonaro. O presidente insinuou favorecimento ao rival em entrevista no Jornal Nacional. "Você dizer que foi absolvido, só se foi pelo Bonner. Você foi descondenado, você é um bandido", disse a Lula.
"Eu, de fato, disse na entrevista do JN que Lula não deve nada à Justiça, mas, como jornalista, eu não disse isso da minha cabeça, eu disse baseado em decisões fundamentadas pelo STF", afirmou o jornalista.
Lula mencionou mais de uma vez a compra de imóveis com dinheiro vivo pelo presidente e seus parentes e as suspeitas de rachadinha que pesam sobre os membros da família que estão na política. Também citou o esquema de propinas no MEC no atual governo com a participação de pastores.
No momento em ouviu Bolsonaro dizer que a economia vai bem, Lula provocou: "Prosperidade para quem? Talvez para a família Bolsonaro", em alusão aos imóveis adquiridos com dinheiro vivo.
Bolsonaro voltou a ressaltar a falácia de que em seu governo não há corrupção, ignorando escândalos revelados pela CPI da Covid e a recente prisão do ministro da Educação, Milton Ribeiro, por suspeita de envolvimento em esquema de propinas.
"Não tem corrupção, não é igual ao teu [governo]. Eu posso até falar palavrão de vez em quando, e eu me desculpo. Eu falo palavrão, mas não sou ladrão". A estratégia de se desculpar pelos maus modos também foi levada ao horário eleitoral no intuito de reduzir a rejeição a ele.
Lula usou a deixa para mencionar os decretos do governante que estabeleceram sigilos de cem anos sobre temas sensíveis para ele e pessoas próximas. O petista indicou que é por decisões como essa que denúncias ficam ocultas hoje em dia e disse que na época do PT havia transparência e investigação. "A hora que levantar o carpete da sala, vocês vão ver a podridão que está lá."
O tom de ambos foi mais ríspido do que o visto no debate promovido por Folha de S.Paulo, UOL, TV Band e TV Cultura, no dia 16. Eles se movimentaram pelo estúdio e falaram olhando para as câmeras. Bolsonaro se queixou mais de uma vez de barulho no estúdio, aparentemente feito por assessores do petista.
Lula, que desta vez não repetiu falhas no controle do banco de tempo, administrando melhor o período de fala. Lula cometeu pequenos deslizes ?trocou segundos por minutos em uma fala e 2019 por 1919. Ele ainda errou ao não escolher um tema do telão para a pergunta no segundo bloco.
O candidato do PT chegou a falar que não queria ficar perto do adversário no estúdio, depois que o presidente lhe disse: "Fica aqui, rapaz. Fica aqui, Luiz Inácio". Ao longo do programa, no entanto, o candidato do PT se aproximou do oponente. Chegou a ressaltar que ficaria perto dele para ouvir a justificativa sobre a compra de Viagra para membros das Forças Armadas.
Bolsonaro disse que o medicamento pode ser usado para problemas de próstata. O petista, então, criticou o fato de o governo não distribuir o remédio para a população em geral.
Lula abordou as ameaças do mandatário a membros do Judiciário e de outros Poderes, além da desobediência à Constituição, depois que Bolsonaro disse seguir "as quatro linhas" da Carta Magna. Ele, porém, faz ameaças golpistas constantes e afronta ministros de cortes superiores.
O presidente acusou Lula de "amordaçar" a mídia. "A rádio Jovem Pan foi calada pelo ministro Alexandre Moraes e pelo TSE. Foi teu partido que entrou com ação", disse Bolsonaro. O petista respondeu que a equipe jurídica da campanha pediu apenas isonomia.
Outro tema que o ex-presidente levou à arena, por considerar favorável à sua campanha, foi a conduta negacionista do governante durante a pandemia de Covid-19, o atraso na compra de vacinas e a demora no envio de oxigênio para Manaus.
Bolsonaro repetiu a fala de que comprou, sim, os imunizantes e defendeu as ações do governo federal. "Se você tomou a vacina, agradeça a mim", disse. "Quando ele foi comprar a vacina, São Paulo já estava dando a vacina e vários países estavam dando vacina", rebateu Lula.
"Ele sabe que um dia vai bater na consciência dele a responsabilidade de pelo menos metade das pessoas que morreram", continuou. Ele afirmou ainda que Bolsonaro foi ao funeral da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, enquanto "tinham 680 mil pessoas", em alusão ao número de mortos pelo vírus no país, "esperando um gesto de humanismo que ele não teve".
Ainda no tema da saúde, Bolsonaro criticou o programa Mais Médicos, afirmou que os cubanos não entendiam nada de medicina e que Lula usou a medida para repassar dinheiro a Cuba. O petista, no entanto, não mordeu a isca. Respondeu apenas que o programa foi "exitoso" e levou médicos para lugares onde não havia. Também elogiou a saúde em Cuba, dizendo ser reconhecida até por presidentes dos EUA.
O petista mudou de assunto e questionou Bolsonaro sobre suas realizações na saúde. "[Luiz Henrique] Mandetta foi mandado embora porque defendia a vacinação. E botou o [Eduardo] Pazuello, que queria ganhar US$ 1 por vacina, segundo a CPI", disse o ex-mandatário.
Falando de segurança pública, Lula disse que iria "facilitar o acesso das pessoas às coisas que educam, e não às coisas que matam", em referência a ampliação do acesso às armas promovido pelo governo Bolsonaro. "Quem está se beneficiando das suas armas é o crime organizado", disse.
Bolsonaro afirmou que Lula foi "visitar traficante", em referência a um ato de campanha no complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e questionou o ex-presidente sobre não ter transferido o chefe do PCC Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, para um presídio federal.
Lula, então, disse que a comunidade "tem gente extraordinária" e tentou desgastar Bolsonaro pelo corte de verba em programas contra a violência da mulher. O atual governo cortou em 90% a verba disponível para ações de enfrentamento ao problema, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta (27), Lula permanece à frente de Bolsonaro, com 49% das intenções de votos totais, ante 44% do candidato à reeleição. Brancos e nulos somam 5%, e indecisos, 2%. Em votos válidos (critério adotado pela Justiça Eleitoral para declarar o vencedor, excluindo votos em branco e nulos), o candidato do PT tem 53%, e o adversário, 47%. No primeiro turno, Lula ficou 5 pontos percentuais à frente de Bolsonaro em votos válidos (48,4% a 43,2%).
O debate desta sexta foi o segundo entre os dois concorrentes do segundo turno. O anterior foi o promovido por Folha de S.Paulo, UOL, TV Band e TV Cultura, no dia 16, quanto dispararam falas duras um contra o outro, mas mantiveram um ambiente no geral moderado, sem gritos ou exaltação.
Lula alegou conflitos de agenda para não comparecer aos programadas marcados pelo SBT e pela Record. Ambos foram substituídos por sabatinas com Bolsonaro, conforme estipulavam as regras.
O debate de Globo foi apontado pelas campanhas de ambos como decisivo para a atração de indecisos e consolidação de uma faixa de eleitorado mais influenciável.
Lula foi acompanhado no estúdio por aliadas como a senadora Simone Tebet (MDB) e a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), além do candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB). Sua mulher, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, também compunha a comitiva.
Bolsonaro teve a companhia do ex-juiz Sergio Moro (União Brasil), senador eleito pelo Paraná e que também foi com o presidente ao debate do dia 16, selando a reaproximação entre os dois. Moro condenou Lula na Lava Jato, o que o impediu de concorrer em 2018, quando Bolsonaro foi eleito.
Além do ex-magistrado, estavam no grupo o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o ex-secretário Fabio Wajngarten, um dos coordenadores de comunicação da campanha.
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