BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Os brasileiros vão às urnas neste domingo (2) sob um clima inédito de medo e violência em eleições presidenciais. De assassinatos de eleitores a ameaças a candidatos, a disputa reproduziu um cenário que costumava ser visto em pleitos municipais e sinalizou que a polarização política atingiu novo patamar.

"Nunca chegamos a uma eleição desse jeito. Em geral se vê mais violência em eleições municipais, candidatos a vereador. Além de violência contra postulantes, a novidade é essa onda de violência gratuita e de intolerância à divergência", diz a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Antes mesmo do início oficial da campanha, casos de agressão já se acumulavam. Em julho, um bolsonarista invadiu uma festa de aniversário que tinha Lula como tema e matou a tiros um militante petista em Foz do Iguaçu (PR).

No mesmo mês, uma caminhada com Marcelo Freixo (PSB), candidato ao Governo do Rio de Janeiro, foi encerrada após apoiadores armados do deputado estadual bolsonarista Rodrigo Amorim (PTB) fazerem ameaças.

O receio de violência levou a Polícia Federal a montar o maior esquema de segurança da história para a proteção dos candidatos à Presidência. A campanha de Lula (PT) chegou a cancelar viagens, rever a estrutura de comícios e a traçar um plano para evitar que apoiadores deixem de votar por medo de agressão.

"Houve casos em Paraná, Mato Grosso, Ceará, Santa Catarina. São pessoas que não estavam no centro do debate político", afirma o sociólogo David Marques, coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

"As pessoas agora estão com medo de sair na rua com camiseta, de colar adesivo no carro, colocar broche na mochila. Elas temem sofrer ameaças ou se envolver em conflito."

No início de setembro, um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL) confessou ter matado a facadas um colega de trabalho em Mato Grosso após uma discussão política em que a vítima defendeu Lula.

Em setembro, um simpatizante do PT matou em Santa Catarina, também a facadas, um homem que vestia uma camisa com menção a Bolsonaro. A polícia investiga se houve motivação política.

Na última quinta-feira (29), o carro e a casa da ex-mulher de Bolsonaro, a candidata a deputada distrital Ana Cristina Valle (PP-DF), foram alvos de vandalismo em Brasília. Ela e o filho, Jair Renan Bolsonaro, publicaram vídeos curtos nas redes sociais sobre o ocorrido e sugeriram motivos políticos pelo ataque.

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, encomendada ao Instituto Datafolha, indicou que 67,5% dos entrevistados sentem medo de serem agredidos fisicamente em razão de suas escolhas políticas ou partidárias.

O medo dos eleitores é compartilhado por políticos. Segundo o PSOL --sigla da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018 em um crime ainda não solucionado--, cerca de 50 candidatos sofreram algum tipo de violência política recentemente e necessitaram de assistência ou de medidas de segurança especiais.

As organizações da sociedade civil Justiça Global e Terra de Direitos monitoram casos de violência política no Brasil desde 2016. A coordenadora-geral da Justiça Global, Sandra Carvalho, que diz temer que o medo de casos de violência intimide candidatos de grupos que já são minoria na política, como mulheres e negros, destaca que os números passaram a indicar tendência de alta em 2019.

"A violência política é recorrente na história do país, mas já verificávamos um incremento na campanha que elegeu o atual presidente. Desde então, há tendência de aumento", afirma ela.

"Vemos campanhas de determinados segmentos muito mais tímidas por receio de sofrerem algum tipo de ataque, um perigo ao processo democrático, porque pode implicar, cada vez mais, na subrepresentação de determinadas fatias."

Na quinta (29), em reunião com observadores internacionais, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes, disse que a Justiça vai garantir liberdade e segurança nas eleições.

Para diminuir os riscos de violência, o tribunal proibiu CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) de transportarem armas e munição no sábado (1º), no domingo (2) e na segunda-feira (3) e elaborou um novo texto sobre a proibição da entrada com celular nas cabines de votação.

"Não à toa chegamos aqui desse jeito. Além da facilidade completa de se comprar armas, porque mais de 40 normas facilitaram esse acesso, o discurso de acesso a armas, sobretudo presidencial, foi alimentado nos últimos anos", diz Carolina Ricardo.

A onda de violência também levou o TSE a fazer um acordo com a CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Uma urna eletrônica inflável gigante foi colocada em campo durante sete jogos com a mensagem "paz nas eleições". O lema foi compartilhado pelos principais times do país.

David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que é difícil avaliar as sequelas deixadas pela campanha de 2022 nos próximos pleitos. Para ele, a resposta pode estar no resultado das urnas.

"Em 2018, em São Paulo, você tinha [o ex-governador] João Doria dizendo que a polícia precisava atirar para matar. No Rio de Janeiro, [o ex-governador] Wilson Witzel dizia que a polícia tinha que atirar na cabecinha. A pauta da segurança pública também foi muito importante para Bolsonaro. Ele falava do excludente de ilicitude para policiais e do armamento da sociedade", afirma o sociólogo.

"Em todos esses casos, o que está sendo dito é: a gente precisa utilizar violência para fazer política pública, controlar o crime. E isso, em alguns aspectos, vai passando também para as relações políticas, para o debate político como um todo. O que a gente vai ter que ver neste domingo é se essa onda de agressividade vai ser novamente empoderada ou se ela vai ser freada, justamente pelo voto popular."

Para Carolina Ricardo, do Instituto Sou da Paz, a solução depende da própria democracia. "As instituições estão respondendo. E o jeito é todo mundo comparecer, votar, eleger quem achar que tem que ser eleito para mostrar que a democracia prevalece e é mais forte do que casos pontuais de violência política."


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