SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Numa espécie de final antecipada, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o governador Rodrigo Garcia (PSDB) disputam votos para definir quem vai ao segundo turno como favorito e quem vai ficar pelo caminho na eleição para o Governo de São Paulo.
O resultado do primeiro turno, neste domingo (2), poderá ou dar fim à hegemonia do PSDB ou inviabilizar um inédito domínio bolsonarista no estado.
Quem avançar deve enfrentar Fernando Haddad (PT), candidato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no segundo turno, conforme indica a pesquisa Datafolha deste sábado (1º). O levantamento mostra o petista à frente com 39% dos votos válidos, seguido de Tarcísio, com 31%, e Rodrigo, com 23%.
Tarcísio e Rodrigo, que passaram boa parte da campanha embolados em busca do segundo lugar, adotaram estratégias opostas.
O primeiro colou no padrinho Jair Bolsonaro (PL), enquanto o segundo pregou contra a polarização e prometeu proteger o estado da briga política. O governador procurou não se ligar a nenhum presidenciável --oficialmente, o PSDB apoiou Simone Tebet (MDB).
Eles protagonizaram embates na Justiça, na propaganda eleitoral e nos debates. Disputaram quantidade de obras, rodovias, privatizações e entregas no estado.
O governador adotou o mote "paulista raiz" e debochou do ex-ministro por ser carioca e não saber seu local de votação em São José dos Campos (SP). Exaltou propostas para mulheres para desgastar o machismo de Bolsonaro e aliados.
O tucano também listou o time polêmico de Tarcísio, composto de Gilberto Kassab (PSD), Eduardo Cunha (PTB), Fernando Collor (PTB), um deputado estadual que xingou o papa e um prefeito suspeito de ligação com o PCC.
Tarcísio questionou Rodrigo pela ligação com o antecessor João Doria (PSDB) e por ter aumentado impostos durante a pandemia. Também exibiu a reportagem da Folha que mostra que Rodrigo não declarou seu patrimônio milionário à Justiça Eleitoral.
Tarcísio e Rodrigo miraram o voto antipetista como alavanca. A campanha do governador dedicou inserções para questionar a gestão de Haddad na prefeitura da capital, afirmando que hospitais não foram entregues, que a fila da creche cresceu e que houve corrupção. "Do PT e do Haddad ninguém tem saudade", diz o slogan.
Já Tarcísio discursou que a volta da esquerda seria a volta do retrocesso e da corrupção. No primeiro debate, em agosto, pediu que o telespectador procurasse no Google "quem foi o pior prefeito de São Paulo", numa provocação a Haddad.
O petista, por sua vez, centrou a artilharia mais em Rodrigo do que em Tarcísio --já que a campanha estima ter mais chances contra o bolsonarista no segundo turno.
O que está em jogo não é pouco, de acordo com George Avelino, professor de ciência política da FGV-SP. "A eleição em São Paulo sempre foi organizada entre vermelhos e azuis, e quem vencer entre os dois ficará com a liderança dos azuis", resume.
"Quem vencer, Tarcísio ou Rodrigo, entraria como favorito nessa disputa, porque azuis sempre venceram a eleição para o governo em São Paulo", completa. O PSDB governa o estado desde 1994, com breves interrupções.
Para o professor, o objetivo do PT de chegar ao Bandeirantes, embalado pela onda pró-Lula e pela melhor situação da esquerda agora do que em 2018, é ousado. Mas, mesmo se perder, Haddad teria o mérito de restabelecer o tamanho que a oposição petista já teve no estado.
"O eleitor está subestimando a eleição de São Paulo, que tem repercussão nacional imediata. O governador de São Paulo é segundo principal cargo da República em termos de controle de recursos de poder", diz.
Tarcísio e Rodrigo tiveram dificuldades na campanha. O bolsonarista enfrentou pressão e fogo amigo da ala mais radical ligada ao presidente para defender o governo federal não só do ponto de vista da economia, como costuma fazer, mas para embarcar de vez na ideologia negacionista, que ataca as urnas e o Supremo Tribunal Federal.
Sob pressão das pesquisas, Rodrigo promoveu mudanças no marketing e adotou postura mais incisiva contra os rivais. Ele apostou na força da máquina pública ao multiplicar verbas para o interior e assinou medidas populistas, como redução de impostos.
O pano de fundo da eleição paulista tampouco favoreceu os dois candidatos.
A disputa nacional entre Bolsonaro e Lula mostra que o bolsonarismo perdeu força eleitoral desde 2018 -o petista é favorito e pode vencer no primeiro turno. Em São Paulo, o presidente tem rejeição de 50% ante 46% de Lula.
Mais debilitado que a direita verde-amarela, porém, está o PSDB de Rodrigo após a crise atribuída por tucanos a João Doria (PSDB), que se tornou tóxico dentro do partido, após comprar uma série de brigas internas, e fora dele, como indica seu índice de rejeição do eleitor.
Outra dificuldade é o fato de que Rodrigo não representa o tucanato tradicional, tendo ingressado no partido em 2021 após militar toda a vida no DEM (atual União Brasil). Interlocutores do governador acreditam, inclusive, que ele voltará ao partido após a eleição.
Rodrigo fora do segundo turno seria a pá de cal no partido. Sem a máquina paulista, fica mais difícil para o PSDB se projetar nacionalmente, recuperar seu tamanho na Câmara (de 54 cadeiras em 2014, teve 29 em 2018) e lançar um presidenciável competitivo -as esperanças recaem sobre Eduardo Leite no Rio Grande do Sul.
Nos planos dos aliados do governador, a reeleição de Rodrigo seria sua catapulta para o Palácio do Planalto em 2026.
"Esse novo PSDB, com a cara de Rodrigo Garcia, é parecido com o antigo, mas não sei o quanto a estrutura partidária ainda é a mesma. E a concentração de votos [em Lula e Bolsonaro] é uma dificuldade, um obstáculo a mais para um partido que se abalou e se apequenou nos últimos anos", diz Avelino.
"Se perder São Paulo, o PSDB fica em situação complicada sem a joia da coroa. O partido se viabilizou porque sempre teve o governo paulista."
O resultado de Tarcísio também tem clima de tudo ou nada, principalmente se uma derrota de Bolsonaro se confirmar. São Paulo seria a boia de salvação para gestar um novo projeto presidencial para 2026 --liderado pelo próprio Bolsonaro ou por Tarcísio.
Uma derrota já no primeiro turno restringe ainda mais o bolsonarismo no estado. Em 2020, o presidente já não conseguiu emplacar um aliado na prefeitura da capital e assistiu a um segundo turno entre a direita tradicional de Bruno Covas (PSDB) e a oposição de esquerda de Guilherme Boulos (PSOL).
Celso Russomanno (Republicanos) não era, contudo, um representante fiel do presidente, como é Tarcísio, que também se mostrou mais competitivo, com um perfil técnico que buscou encobrir a ideologia radical que afasta eleitores e impõe um teto de votação.
"O Governo de São Paulo iria assegurar a sobrevivência do bolsonarismo e uma candidatura competitiva em 2026. Mas Tarcísio não tem quadros para preencher um governo desse tamanho, boa parte do PSDB iria ocupar o espaço", afirma o professor.
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