RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), avalia que o resultado das urnas não chancelou por completo as pautas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nem do atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Aliado do petista, Paes afirma que a principal vitória da eleição é a democracia, motivo pelo qual o petista deve manter a promessa de fazer um governo mais amplo, para além de seu partido.

"Acho que ninguém sai muito chancelado dessa eleição. [...] Mais do que a vitória do Lula, eu acho que a vitória é da democracia, da política, da negociação, da busca de consensos que venceu as eleições de domingo", afirmou nesta terça-feira (1º) em entrevista à Folha.

"Lula tem exata noção do que significa a vitória dele e a oportunidade que ele tem diante de si. Ele tem uma vitória fruto de uma frente ampla em que aqueles que acreditam na política o apoiaram. Ele precisa, no governo, entender que ele vai apresentar isso. E acho que ele já disse isso muito claramente."

Paes avalia que o silêncio de Bolsonaro de quase dois dias após a derrota, e os bloqueios nas estradas alimentados por esse comportamento, mostram o que seria do país no caso de uma reeleição.

"Se na derrota a gente está vendo esse sumiço proposital para ver se alguém se anima para fazer loucura, na vitória seria muito mais trágico. Porque aí ele estaria absolutamente empoderado para fazer qualquer loucura que quisesse para o Brasil."

PERGUNTA - Qual sua avaliação do resultado das eleições?

EDUARDO PAES - Obviamente eu estou muito feliz. O Brasil não suportaria mais quatro anos de governo Bolsonaro. As instituições democráticas estariam ameaçadas se a população chancelasse todas as loucuras que ele fez ao longo desses quatro anos.

Uma coisa era em 2018, quando as pessoas diziam: "Ah! Ele é só um fanfarrão de um deputado". Mas, depois de tudo o que ele fez, nós estaríamos chancelando todos esses absurdos. Corremos o risco de caminhar por um viés de autoritarismo, de desrespeito às instituições muito forte.

Mais do que a vitória do Lula, eu acho que a vitória é da democracia, da política, da negociação, da busca de consensos que venceu as eleições de domingo.

P. - As 58 milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro concordaram com esse comportamento?

EP - Acho que tem dois fatores. Primeiro, [houve] um incrível uso da máquina que eu, que estou há 30 anos fazendo política, nunca vi. Depois, tem também uma rejeição ao PT, ao Lula, à esquerda que também é muito forte.

Acho que ninguém sai muito chancelado dessa eleição. A enorme vantagem é que o presidente que se elegeu é um político de extrema habilidade, grandeza e que tem capacidade de perceber o tamanho da vitória dele, o que ele representa, que papel ele tem a cumprir daqui para frente.

Eu não tenho dúvida nenhuma que o Lula tem exata noção do que significa a vitória dele e a oportunidade que ele tem diante de si.

Ele tem uma vitória fruto de uma frente ampla em que aqueles que acreditam na política o apoiaram. Ele conseguiu juntar todas essas forças.

Ele precisa, no governo, entender que ele vai apresentar isso. E acho que ele já disse isso muito claramente. Não é uma vitória de um determinado grupo político, de forças de esquerda.

P. - Esse clima de bloqueios em estradas vai permanecer durante o mandato de Lula?

EP - Acredito que não. Estamos tendo o último suspiro de um bolsonarismo equivocado, que não é nem de perto a maioria das pessoas que votaram no Bolsonaro.

É um homem que mostra, na sua saída, tudo aquilo que falaram dele. Ele não consegue entender o jogo da democracia. Tem hora que a gente ganha, tem hora que a gente perde. Na hora que a gente perde, bota a viola no saco, agradece os votos que teve, cumprimenta vitorioso e vai lamber as feridas. Isso não quer dizer fim de carreira política. Eu já eu perdi duas eleições, estou aqui de volta.

Mas isso mostra bem o que nos aguardava no caso da vitória dele. Se na derrota a gente está vendo esse sumiço proposital para ver se alguém se anima para fazer loucura, na vitória seria muito mais trágico. Porque aí ele estaria absolutamente empoderado para fazer qualquer loucura que quisesse para o Brasil.

P. - Essa crise pode diminuí-lo como líder da oposição?

EP - Eu não vejo Bolsonaro como líder político de oposição. Ele vai ser sempre um vocalizador. Duvido até da permanência do PL como partido dele por muito tempo. O Bolsonaro é uma voz que tem seu talento, e que vai vocalizar as frustrações de uma parte da sociedade, de incompreensão com jogo político. Essa gente irracional, que tem uma alma autoritária, ele vai continuar representando.

P. - O sr. concorda com a leitura do [ministro da Economia] Paulo Guedes de que daqui a quatro anos ele pode voltar?

EP - A cada hora que ele demora mais em assumir a derrota e deixar o país com tranquilidade, ele diminui a chance dele de qualquer coisa no futuro.

P. - Qual principal sinal Lula deve dar para demonstrar essa disposição de fazer um governo que não seja só do PT?

EP- Acho que ele já deu esse sinal nos últimos dez dias da eleição ao deixar claro que ele não estava ali, se vitorioso fosse, com um governo só do PT. Eu tenho convicção, pelas conversas que tive ao longo da eleição, que o Lula tem a exata noção disso.

Se ele seguir esse caminho, ele vai fazer um governo acertado. Lula é um consumidor de consenso. Ele tem a exata dimensão do papel que ele pode cumprir na história brasileira. Até de encerramento de um ciclo político dele, de um papel importantíssimo que ele cumpriu na história política brasileira.

P. - Quatro anos são suficientes para ele conseguir trazer o país à normalidade?

EP - Eu acho que em menos tempo. Porque a gente não pode achar que todo mundo que votou no Bolsonaro é bolsominion. Não é. A maioria é absolutamente racional e não queria o Lula porque acha que é de esquerda, intervencionista, isso ou aquilo.

P. - À medida que o tempo for passando, e o Lula for mostrando, ele volta aos índices de aprovação que ele já teve. Onde estava essa direita anticomunista, antiesquerdista, o antilulista, quando o Lula tinha 80% de aprovação?

EP - Essas pessoas querem um bom governo.

O evangélico que não votou nele, votou achando que ele de fato ia fechar a igreja. Mas isso não bate com a realidade. Ele não fechou nem vai fechar. À medida que a vida for voltando ao normal, o presidente fazendo uma mensagem de esperança... O Lula sabe muito bem usar essa força do diálogo, falar para as pessoas, acalmar, tranquilizar. É o papel de um líder. Bolsonaro é mais agente do caos do que líder.

P. - Mas o Congresso com um perfil muito diferente dificulta? Será? Veja a chapa do PL no Rio. O que que tem de diferente ali?

EP - O Altineu [Cortes, presidente do PL-RJ], que era do PT? Tem lá um ou outro personagem com essa pauta, mas não acho que é que a maioria. É o Romário que representa essas forças revolucionárias da direita mundial?

P. - E as emendas do relator?

EP - Acho que isso é um ajuste que vai ter que ser feito. O Bolsonaro abriu mão de governar o Brasil. Ele se perdeu em pautas desnecessárias, inúteis, que interessavam a ele. Eram as pautas que mais facilitavam ao agente do caos criar o clima de terror.

Eu acho que essas coisas vão ter que ser ajustadas, o orçamento secreto deve ser destinado a programas institucionais do Governo Federal para que os municípios, os estados apresentem suas propostas. Para se fazer os PACs (Programa de Aceleração do Crescimento) da vida, enfim, as políticas públicas de interesse nacional.

Com a liderança que ele exerce, com a capacidade de diálogo política dele, acho que essa não será uma tarefa impossível. Criou-se uma cultura de comando, quase um parlamentarismo na hora de decidir a execução dos recursos. Mas isso não vai dar certo. Então, acho que o próprio parlamento vai entender isso.

P. - Qual deve ser o comportamento do PSD nesse cenário?

EP - Eu vou defender que o PSD faça parte imediatamente da base do governo.

P. - Há alguma indicação para compor o governo?

EP - Isso é uma discussão que vai se ter naturalmente. Mas é uma discussão que tem que ser conduzida pelo presidente [Gilberto] Kassab.

O que vou fazer é chamar muito a atenção dele para o Rio de Janeiro. O presidente Lula é o único político de dimensão nacional que tem clareza da importância do Rio para o Brasil, para o ânimo e a imagem do país. Se não for só por motivos absolutamente republicanos, por motivos políticos. Aqui está o ovo da serpente, aqui começou o bolsonarismo.

Aqui o bolsonarismo perdeu força. Eu derrotei o bolsonarismo em 2020, o Lula foi melhor agora do que o [Fernando] Haddad [em 2018]. Mas a gente tem um longo percurso. O presidente Lula precisa estar muito atento ao Rio. A gente não pode errar em relação ao Rio de Janeiro.

P. - Bolsonaro te escolheu como alvo na antevéspera da eleição. Acha que pode ter consequências políticas para o sr. na eleição daqui a dois anos?

EP - A última coisa que estou preocupado é com a eleição de 2024. Estou tocando meu governo, reconstruindo a cidade, e vou continuar governando assim. Mas recebi mensagens carinhosas de algumas pessoas que eu coloco no meu currículo, como um fato positivo.

RAIO-X

Eduardo Paes, 52

Prefeito do Rio, eleito em 2020 após disputa contra o ex-prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Administrou a cidade anteriormente por dois mandatos (2009-2016). Foi deputado federal (1999-2007) e vereador (1997-1999). É bacharel em Direito, formado pela PUC-Rio.

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