RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O governador reeleito do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), avalia que o o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve, além de distensionar o ambiente político, proporcionar resultados econômicos para gerar confiança em parte dos eleitores do atual mandatário, Jair Bolsonaro (PL).
Para ele, conduzir os próximos quatro anos com uma gestão econômica voltada para o centro, seguindo a linha da frente ampla formada no segundo turno da campanha, poderá evitar que Bolsonaro chegue forte de novo à próxima eleição.
"Ele [Bolsonaro] se elegeu por causa do Lula. O Lula se elegeu por causa dele. Então vai depender muito do Lula e do projeto que ele vai liderar, da capacidade de manter ampla as forças que o colocaram no poder", disse ele nesta quinta-feira (3) em entrevista à Folha por telefone.
A principal sinalização, avalia Casagrande, é na escolha dos nomes para a equipe econômica.
"Se ele quiser reduzir o ímpeto da violência que está presente hoje nas ruas, é preciso que o governo dê resultado. Ao mesmo tempo que seja um governo que, politicamente, distensione, também tenha resultado na área econômica. Deve ser um governo que gere confiança para dentro."
Reeleito após disputar com o bolsonarista Carlos Manato (PL), Casagrande foi o único político da base do petista a vencer num estado que deu vitória a Bolsonaro.
PERGUNTA - Qual avaliação faz dos resultados das eleições?
RENATO CASAGRANDE - O sinal é de uma sociedade dividida, o que exigirá do próximo governo do presidente Lula e do vice [Geraldo] Alckmin muita dedicação para lançar pontes e estabelecer diálogos com os setores que não têm boa vontade com o governo.
É preciso compreender que, neste momento, o Brasil quer uma posição político-administrativa mais de centro. O presidente Lula tem perfil progressista, e tem que continuar com políticas nessa área. Mas tem que saber que a condução econômica e fiscal precisa considerar a realidade que o povo brasileiro expressou nas urnas, seja na eleição dos congressistas, seja na nacional.
P. - Essa posição de centro deve ser apenas na pauta econômica ou também na comportamental?
RC - Acho que na área social, dos direitos humanos e ambiental tem que garantir conquistas que nós tivemos nessas últimas décadas. O governo do presidente Bolsonaro foi uma ameaça a essas conquistas. Acho que o [novo] governo tem que se voltar para compensar o afastamento do governo do presidente Bolsonaro dessas áreas.
A área da transferência de renda, por diversos razões, o governo do presidente Bolsonaro acabou avançando nesses últimos meses. O presidente Lula vai ter que manter isso de alguma maneira.
Mas, na área econômica, é preciso que o governo dê sinais claros de responsabilidade fiscal, considerando que o ano que vem já vai ser duro. O déficit já vai ser muito alto, pelos diversos benefícios concedidos agora e que terão que ser mantidos, e pelas promessas de campanha feitas pelo presidente Lula.
P. - A escolha de Alckmin como coordenador da transição já foi um sinal nessa linha?
RC - É um sinal positivo. É uma pessoa muito ciosa do equilíbrio fiscal. Mas o sinal claro virá dos principais nomes da equipe econômica.
P. - Esses nomes devem vir de fora do PT?
RC - Aí é uma decisão do presidente.
P. - O presidente eleito prometeu montar um governo para além do PT. O que deve significar isso para o sr.?
RC - Ele tem muitos aliados e tem a sociedade. Tem áreas que os partidos vão cuidar, mas tem outras que ele vai ter gente da sociedade: Agricultura, Cultura. Ele pode mesclar para fazer um governo que tenha mais cara da sociedade brasileira do que dos partidos políticos.
P. - Os quatro anos de mandato são suficientes para trazer o país de novo à normalidade?
RC - Acho que sim. Política é um instrumento da mediação, debate, discussão. O presidente Bolsonaro tem um outro estilo. Lula vai trazer a política para o leito natural do rio.
Quatro anos passam muito depressa. Ele vai ter que se esforçar muito para fortalecer cada vez mais as instituições.
Se ele quiser reduzir o ímpeto da violência que está presente hoje nas ruas, é preciso que o governo dê resultado. Ao mesmo tempo que seja um governo que, politicamente, distensione, também tenha resultado na área econômica. Deve ser um governo que gere confiança para dentro.
Para fora, o presidente Lula já tem a confiança dos líderes internacionais. Mas é para dentro a tarefa mais difícil. Ele vai ter que conquistar a confiança de quem não confia nele.
P. - O sr. acha que é possível, tendo em vista o cenário que vivemos hoje, com golpistas nas portas dos quartéis?
RC - É possível. Essas pessoas que estão nas ruas são mais radicais e não há espaço de reflexão com elas. Mas é uma minoria.
P. - O sr. acha que elas não representam os 58 milhões de votos do Bolsonaro?
RC - Em hipótese alguma. Tem uma boa parte de pessoas que votou no presidente Bolsonaro que espera do presidente Lula um sinal claro de equilíbrio, de confiança. Se ele der esse sinal na prática, eles podem sim passar a colaborar para que o governo dê certo.
P. - Durante a campanha, o sr. evitou um enfrentamento mais claro com o presidente, em razão das circunstâncias políticas do estado. Tendo em vista a reação dele após a eleição, acha que suavizou demais a crítica?
RC - As minhas maiores diferenças com o presidente Bolsonaro, além das ideológicas, foram na época da condução da pandemia.
Governador não é para ficar fazendo oposição ao presidente da República, qualquer que seja ele. Sempre fui muito respeitoso. Ele nunca me viu fazendo uma agressão de baixo nível, mas sim contestação da ausência de coordenação [na pandemia].
Todo mundo sabia que o meu candidato era o Lula. Mas todo mundo sabe também que se o presidente Bolsonaro ganhasse a eleição eu ia procurar governar bem com ele.
P. - Como o sr. avalia o silêncio e os discursos do presidente após a eleição?
RC - Para quem conhece o presidente, achei normal. Eu não esperava outro comportamento. Está até mais equilibrado do que eu imaginava.
O presidente Bolsonaro saiu forte desse processo eleitoral. É bom que a gente reconheça isso, se quiser fazer um debate sério. Elegeu a maioria do Congresso Nacional e teve 58 milhões de votos.
O mundo não acaba numa eleição. Ele pode continuar liderando boa parte dessas pessoas. Para isso, ele tem que saber como se conduz. As declarações dele ontem [pedindo a desobstrução das estradas] já é um sinal de que ele está preocupado com o futuro dele, do movimento político conservador do Brasil.
P. - O sr. acha que Bolsonaro tem capacidade de, daqui a quatro anos, retornar?
RC - Ele se elegeu por causa do Lula. O Lula se elegeu por causa dele. Então vai depender muito do Lula e do projeto que ele vai liderar, da capacidade de manter ampla as forças que o colocaram no poder.
P. - Qual espaço o PSB deve ocupar no governo?
RC - Não tenho nenhuma ideia. O PSB sempre teve dois ministérios nos governos do presidente Lula e da presidente Dilma [Rousseff]. A expectativa do PSB é estar em espaços para poder contribuir com o projeto. Mas esse assunto ainda não entrou na pauta.
RAIO-X Renato Casagrande, 61
Foi reeleito para o terceiro mandato como governador do Espírito Santo. Comandou o estado entre 2011 e 2015, e retornou ao cargo em 2019. Antes, exerceu mandatos de deputado federal (1995-1999) e senador (2007-2010). Está filiado ao PSB desde 1987. É advogado, formado em direito pela Faculdade de Cachoreiro de Itapemirim, e engenheiro florestal, graduado pela Universidade Federal de Viçosa.
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