SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Na campanha vitoriosa para a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve dois grandes acenos ao centro: escolheu Geraldo Alckmin (PSB) como vice e recebeu o apoio de Simone Tebet (MDB) no segundo turno. O estrategista, como prefere ser chamado, Felipe Soutello estava envolvido em ambos os movimentos.
O marqueteiro de Tebet, favorável à aproximação com Lula, diz à Folha de S.Paulo estar com "a alma lavada" e afirma que a emedebista é a "grande fiadora" do governo petista, mas evita especular sobre seu papel em 2026.
"Eleição não é jogo de pôquer. Tem um dia seguinte. A política é uma trajetória. A Simone respeitou muito esse processo. Não pode ser tudo ou nada", diz ele, que defende a comunicação eleitoral a serviço de uma educação democrática.
Em relação à "chapa dos fênix", como chama Lula-Alckmin, conta que sugeriu a ideia a Fernando Haddad (PT), em maio de 2021, conforme revelou a Folha de S.Paulo. Naquele dia, Bruno Covas (PSDB), que teve Soutello como marqueteiro na campanha de 2020, era enterrado.
Filiado ao PSDB e próximo ao tucano José Serra, Soutello começou a fazer campanha em 1986 como militante e não mais parou -agora já não tem vida partidária e adotou o marketing eleitoral como profissão.
Em relação a Jair Bolsonaro (PL), Soutello diz que seu grande desserviço foi desqualificar o debate público e cobra responsabilização dos líderes por suas falas.
PERGUNTA - Como fazer prosperar uma mensagem de moderação e elevar o debate público no momento atual do Brasil?
FELIPE SOUTELLO - Não foi fácil. A Simone teve um reconhecimento social maior a partir do resultado da eleição e da postura que ela tomou no segundo turno do que durante a eleição. A própria atenção que a mídia deu a ela refletiu o fato de que a polarização estava estabelecida. O que ela mais ouve na rua é: "é você em 2026, agora eu não pude te escolher porque meu medo de um e de outro era muito grande".
P. - Como vê o cenário de 2026?
FS - Será PT contra Bolsonaro ou há espaço para novos atores? Totalmente. Lula está numa lógica de não ser candidato à reeleição. Isso abre uma avenida para outros players. Quais serão?
Vamos ver quem vai sobreviver a esses três anos e meio.
O que o Brasil precisa é ter quatro ou cinco opções de presidente com capacidade de fazer 10% de votos. A canalização dos interesses políticos numa dualidade de posições, como construímos de 2018 para cá, não interessa a um país diverso e fortalece figuras como Bolsonaro, porque é na contraposição que ele se estabelece.
P. - Por que apostar em candidaturas de centro?
FS - Onde não tem centro não tem democracia forte. O grande desserviço do Bolsonaro à nossa democracia é a desqualificação do debate público. É preciso cobrar responsabilidade política dos líderes pela comunicação que eles fazem. A gente meio que absolve os caras disso.
P. - A queda do nível do debate público ajudou Lula, no sentido de que ele tampouco precisou detalhar propostas?
FS - Não acho. O principal problema que eu via nos debates era como debater com um cara que não tem nenhum compromisso com política pública, com a verdade, com nada. E veja, Bolsonaro fez uma boa comunicação. Há que se elogiar o trabalho do Duda Lima [marqueteiro do PL]. É que o caos e a falta de disciplina tática que a família Bolsonaro impõe à campanha causou esse problema.
A pauta de Lula está na lógica histórica dele: combate à fome, atualização do salário-mínimo. Ele já tinha Geraldo Alckmin, não precisava fazer uma nova carta aos brasileiros. Aliás, [Alckmin] está dando um show. É uma salvaguarda maravilhosa. Estou de alma lavada, contribuí com as duas coisas [apoio de Tebet a Lula e chapa com Alckmin], então estou muito feliz.
P. - O sr. contribuiu com as duas coisas que deram certo na eleição?
FS - Seria uma arrogância minha. É mais humilde minha perspectiva, no sentido de que a gente quando tem um insight legal e funciona... Como eu gosto do Geraldo pessoalmente, vejo ele feliz. Desde que o Thomaz [seu filho] morreu, nunca o vi tão realizado.
P. - Como fortalecer o centro?
FS - Precisa ter uma concentração de partidos para que esse miolo da sociedade consiga ter um respiro e se fortalecer. A federação MDB, PSDB, Cidadania, talvez Podemos, talvez PDT, é muito importante. Tem que fortalecer lideranças, porque o centro é especialista em jogar contra seu próprio time. Eduardo [Leite] e Raquel Lyra [ambos do PSDB] são uma esperança.
P. - A disputa entre Tebet, João Doria (ex-PSDB) e Eduardo Leite e o vaivém de Sergio Moro (União), Luciano Huck e outros atrapalharam?
FS - A demora para ter uma candidatura consolidada sempre atrapalha. Mas tem um fator mais difícil que é a legislação. Tem que acabar com essa hipocrisia da pré-campanha. A partir de janeiro deveria permitir que os partidos trabalhassem seus nomes com mais liberdade. E o Brasil cometeu um equívoco de ter unificado cinco eleições em uma só. Acaba não se discutindo os estados.
P. - A eleição foi financiada com quase R$ 5 bilhões de verba pública, boa parte para publicidade. É um valor razoável?
Divididos por 215 milhões de habitantes, são R$ 23 reais. Vamos dividir pelos cinco cargos da eleição, dá R$ 4,65. Quanto custa a democracia? E quanto custa o sistema judicial eleitoral?
FS - Três vezes mais. O Brasil teve uma conquista muito importante com o financiamento público. Há uma transparência absoluta. O Parlamento tem que estabelecer, algum dinheiro tem que ser gasto. A gente se adapta ao recurso disponível.
Sou contra o impulsionamento nas redes. A internet criou grandes assimetrias. Bolsonaro tinha uma penetração em rede social em 2018 muito superior à presença política dele no país. E estamos jogando milhões de reais para financiar grandes multinacionais cujas sedes não são no país em detrimento dos veículos de comunicação profissional.
P. - Em termos de fake news, houve melhora em relação a 2018?
FS - Foi melhor. Teve menos disparo em massa. O tribunal [TSE] teve mais mecanismos de controle, acho até que passou do ponto em alguns momentos, mas no conjunto da obra teve um bom trabalho.
P. - Mas as pessoas vivem em bolhas cada vez mais herméticas. Se a política e a campanha eleitoral não forem instrumentos para ajudar a sociedade a ter uma reflexão sobre si própria e alguma visão de conjunto, elas servem para quê?
FS - A comunicação eleitoral tem que ter responsabilidade em relação a isso.
Bolsonaro trouxe isso [as fake news] para o cerne da sua fala no Palácio do Planalto. O candidato é responsável pela comunicação que faz e tem que responder por isso.
P. - Diante desse ambiente agressivo e raso, como as campanhas sérias podem atingir os eleitores?
FS - É resiliência. Entender que eleição não é jogo de pôquer. Tem um dia seguinte. A política é uma trajetória. A Simone respeitou muito esse processo. Não pode ser tudo ou nada. Quem não tem visão de conjunto é menos tolerante. Quem acha que o outro tem que viver de acordo com seu jeito de ser, que é o nosso problema da clivagem evangélica.
O direito das minorias é muito prevalente na mente de quem discute democracia hoje. Maravilhoso. Só que tem uma coisa antes, que chama democracia, que é o que estrutura a possibilidade de você debater isso, que estamos esquecendo de valorizar. Falta uma certa educação democrática e de cidadania. A comunicação tem que ser responsável com isso.
Na campanha, existia uma pressão de "quando a Tebet vai crescer". Não esperava que ela fosse ao segundo turno, mas claro que queria que ela ultrapassasse 10 pontos. Mas era difícil no cenário em que a gente estava. Não existe toque de Midas.
P. - Fazer parte do governo Lula é bom ou ruim para ela em 2026?
FS - Ela é uma política com P maiúsculo, sua lógica não é de eleição, mas de como pode contribuir. É uma personagem nacional? É. O que vai fazer da vida dela? Não sei. Não há como refletirmos sobre 2026.
A Simone hoje é uma grande fiadora de uma certa governabilidade, do ponto de vista de uma imagem pública que esse governo pode ter, para mostrar amplitude, direção ao centro, alguma previsibilidade e tranquilidade. E é uma grande cabo eleitoral para as eleições de 2024 em qualquer cidade.
P. - O resultado da chapa Lula-Alckmin foi melhor ou pior que o projeto?
FS - Meu conceito inicial era com Geraldo no PSD, não no PSB, que seria um sinal mais ao centro, mas foi ótimo o PSB também. [A ideia] veio sob a lógica de que não daria para ter uma eleição sem um sinal claro em direção ao centro. Era preciso que Lula tivesse algum outro esteio de compromisso com esse componente. Menos do que uma questão eleitoral, é uma questão de imagem.
Foi um grande ato de generosidade dos dois. É a chapa dos fênix. Um saiu da cadeia para virar presidente da República. O outro foi expulso do PSDB por neófitos da política, ele foi desrespeitado. E construíram uma saída honrosa e muito boa para o Brasil.
Essa ideia foi dada pela primeira vez no dia em que Bruno [Covas] foi enterrado, em 2021. Eu formulei isso para Fernando Haddad, foi a primeira pessoa com quem eu conversei sobre o assunto. E a Simone apareceu na minha vida depois.
P. - Em 2020, sabia-se que a situação de saúde de Covas era delicada. O sr. teve algum questionamento sobre a pertinência da campanha e da candidatura?
FS - Em absoluto. Primeiro, não existia nenhuma perspectiva médica efetiva de uma condenação, vamos dizer assim. Segundo, ninguém tem direito de determinar o que uma pessoa pode ou não fazer pelo fato de estar enferma.
RAIO-X
Felipe Soutello, 51
Formado em direito pela PUC, se filiou ao PSDB na adolescência. Atuou no partido e em cargos públicos até adotar o marketing e a comunicação eleitoral como profissão em 2004. Fez campanhas de José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSB), além de Gilberto Kassab (PSD) e Márcio França (PSB). Recentemente, trabalhou com Bruno Covas (PSDB), reeleito prefeito de São Paulo em 2020, e a presidenciável Simone Tebet (MDB), em 2022
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