BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após o pior desempenho eleitoral de sua história, o PSDB deveria se declarar oposição ao futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para sobreviver, diz o deputado Aécio Neves (MG).
Um dos principais líderes remanescentes da sigla, o mineiro afirma que o partido pode colaborar com pautas de interesse do país, mas deve se distanciar do PT.
"É isso que permitirá que o partido sobreviva. Por mais que o presidente Lula tente ampliar suas alianças, o PT ainda é um partido enraizado no atraso", declarou à Folha de S.Paulo.
Aécio diz que o PSDB foi vítima do que chamou de "ações criminosas de setores da Lava Jato", aponta como erro mais grave do partido o de não ter lançado Eduardo Leite (RS) como candidato ao Planalto em 2022, como ele defendia. Ainda descreve a passagem de João Doria pela sigla como um "tsunami que deixou estragos".
Ele afirma que o partido viveu seu pior momento, mas não está em extinção. Em 2022, o PSDB não elegeu nenhum senador e teve uma diminuição na bancada da Câmara de 22 para 13 deputados.
PERGUNTA - PSDB errou ao não lançar candidato próprio na eleição?
AÉCIO NEVES - O PSDB hoje é vítima dos seus próprios erros. A passagem do ex-governador Doria pelo partido foi um tsunami que deixou estragos, mas felizmente não teve capacidade de destruir o partido. O PSDB ainda é essencial ao país, mas é importante revisitarmos o passado para percebermos que nós deixamos de ocupar um espaço neste último processo eleitoral que nos colocaria à frente, na busca da fundação de um novo centro. Um centro progressista e inovador.
O erro não foi apenas a sustentação de uma candidatura que não tinha apoio na própria base. O grave equívoco, o maior deles, com consequências dramáticas, foi o PSDB ter sido impedido de lançar a candidatura de Eduardo Leite. Ele ainda estava disposto a ser candidato. Fomos levados a apoiar uma candidatura honrada, digna, da Simone [Tebet], que a partir do resultado eleitoral se transforma numa das porta-vozes do governo Lula.
O que eu defendo de forma absolutamente clara neste momento é que o PSDB deve se declarar oposição ao governo do presidente Lula. É isso que permitirá que o partido sobreviva. Por mais que o presidente Lula tente ampliar suas alianças, o PT ainda um partido é enraizado no atraso.
p. - Por que o senhor acha que o partido teria outro protagonismo com Eduardo mesmo se saísse derrotado?
AN - A terceira via não era apenas um projeto eleitoral. Era a necessidade de nós fincarmos pilares na construção de uma nova agenda para o Brasil. Eu defendo que o PSDB se assuma como um partido de centro. Liberal na economia, com visão moderna de mundo e com responsabilidade social.
P. - O PSDB vai votar a favor da PEC da Transição?
AN - Eu acho essa PEC uma grande irresponsabilidade. Eu defendo que apoiemos a PEC do senador Tasso [Jereissati]. Essa do PT me assombra porque ela me remete a 2015/2016, com absoluto descontrole fiscal. Inflação crescendo e punindo os mais pobres.
Eu vejo que o presidente ainda não se desvencilhou dessa visão gastadora do PT. O que eu defenderei é que o PSDB deve se declarar oposição sem adjetivos, mas numa posição que será capaz de dialogar com o governo, apoiar como apoiamos no passado, medidas que sejam importantes.
E voltando à questão do PT, do que eu estou vendo dessa montagem, isso se assemelha muito mais a uma arca de Noé. A impressão que tenho é que o presidente quer levar um exemplar de cada espécie para o seu governo.
P. - O senhor acha que isso dificulta a governabilidade?
AN - Isso pode levar a um impasse. Remete àquela máxima lá do Asno de Buridan, que você coloca um pote de palha e um pote de água na mesma distância, ele não decide se ele está com fome ou se ele está com sede, e morre. O governo vai ter muitas contradições. Vai seguir a cartilha do Persio [Arida], que prega a responsabilidade fiscal, ou vai seguir a tese da gastança, da base teórica do PT? Vai caber ao presidente Lula dirimir essas dúvidas.
P. - O resultado da eleição foi pífio para o PSDB e o senhor considera ainda o partido essencial. Por quê?
AN - Nós temos hoje um mar de partidos pragmáticos no Brasil. São pouquíssimos os programáticos. Se nós tivéssemos tido uma candidatura como a do Eduardo nós teríamos aqui uma força parlamentar muito maior.
Nós temos um conjunto de partidos que vão se aliar ao governo independentemente de questões ideológicas. E outros que vão querer se aliar num determinado momento. E tem que ter nós, que não queremos participar de governo, vamos apresentar um projeto modernizante.
P. - O senhor não vê o PSDB acabando?
AN - Ao contrário. Estou aqui desde a primeira bancada do PSDB. Nós tínhamos, se não me engano, 30 deputados. Tinha partido naquela época com 150 ou 200. Éramos uma referência pelos posicionamentos do partido. E isso nós temos que retomar agora. Eu reconheço que houve uma dispersão grande no governo Bolsonaro.
P. - Eu não acho que PSDB está em extinção. Acho que o PSDB viveu seu pior momento, mas estamos tendo a capacidade de nos renovar.
O bolsonarismo não ocupou esse território de uma maneira firme?
AN - De forma transitória.
P. - Por que transitória?
AN - Acho que Bolsonaro foi beneficiário da aversão ou da oposição ao PT e ao próprio Lula. Na hora que esse jogo em parte é zerado, não acho que o Brasil tenha que viver essa dicotomia.
Nós não temos que ver uma situação pendular: a vitória do Lula é derrota do Bolsonaro, a derrota do Lula é vitória do Bolsonaro. Tem outras coisas no caminho. O PSDB tem que se afirmar como esse partido de centro que vai conversar com eleitores mais à direita. Acho que a virtude nunca está nos extremos. Está muito próxima do centro.
P. - Como se diferenciar do bolsonarismo?
AN - Sendo o que nós sempre fomos, tendo um projeto para o Brasil.
P. - Além do que o senhor apontou como problemas mais recentes de desidratação do partido, o que mais o senhor apontaria?
AN - A minha eleição foi talvez o último grande momento do PSDB, quando quase vencemos as eleições. Nós fomos vítimas das irresponsabilidades das ações criminosas de setores da Lava Jato. Essa semana mesmo eu sou absolvido por uma ação por iniciativa da PGR, por unanimidade do Supremo, depois de cinco anos. Isso me afetou e afetou o partido. Isso mostra que PSDB também não teve a firmeza e a coragem de se posicionar naquele momento.
P. - O partido errou por ter se bolsonarizado?
AN - O partido se dispersou. Grande parte do não petismo se bolsonarizou. Primeiro, veio com uma agenda, do ponto de vista econômico, que tinha aspectos que convergiam com o PSDB. Veio a reforma da Previdência. O PSDB defendia, em qualquer governo defenderia. Quando as agendas coincidiram, isso deixou um espaço nebuloso, cinzento, nessa relação com o governo. Nós nunca fomos governo Bolsonaro, mas eu reconheço que a polarização levou muita gente por sobrevivência a ir para um lado.
P. - O senhor mencionou questões econômicas. Existe intenção de disputar espaço na agenda moral?
AN - Não acho que essa seja a agenda prioritária do PSDB. Você terá capacidade de atrair inclusive segmentos mais conservadores da sociedade a partir do momento em que você inspirar um projeto com perspectiva de poder. Temos que ter agenda.
Algumas dessas questões morais podem vir com alguma naturalidade, mas não é a nossa prioridade. Nós não vamos fazer apelos a esse eleitorado nos curvando a posições que não são nossas. O PSDB é moderno, é progressista. Nós temos que perder o constrangimento de dizer que nós somos do centro, de centro. Nosso eleitorado é de centro.
P. - O Bolsonaro leva para a oposição a tentativa de deslegitimação da vitória do Lula, com questionamentos às urnas. A referência que se faz é 2014, quando o PSDB pediu uma auditoria. O senhor reconhece hoje que foi um erro?
AN - Não, nas circunstâncias lá de trás não foi um erro. O que existe é a repetição de uma versão e muitas vezes ela se torna um fato. E eu tento impedir que ela seja mais do que uma versão. Nós entramos com uma ação, que não tinha nada a ver com o resultado da eleição, mas da responsabilização criminal daqueles que, por exemplo, dispararam zaps.
Eu não visto essa carapuça de que esses questionamentos têm a ver com 2014. Até porque essa discussão, todos os processos eleitorais no mundo estão em evolução, eu não acho que nós possamos ter o único que não vai evoluir. Eu confio, eu acho que as urnas eletrônicas não são fraudáveis. Eu nunca acusei de fraude. Mas eu pedi uma auditoria, que era o papel que eu tinha para fazer, até para dar uma satisfação para as centenas de milhares de eleitores.
P. - O senhor acha que esse debate sobre as urnas deve continuar?
AN - Olha, eu acho que ele naturalmente vai voltar, mas com racionalidade, não é acusando de fraude.
P. - Qual é o papel que vê para Alckmin neste novo governo e acha que ele é o potencial sucessor em 2026?
AN - É muito cedo ainda, né? Eu acho que o Alckmin é um homem de um valor enorme. Eu fui muito crítico da sua saída do PSDB. Mantenho com ele relação de amizade, reconheço o seu papel do governo. Acho que ele será, se o presidente souber utilizar bem, um fator de estabilidade. Mas isso não muda a nossa relação com o governo do PT.
P. - Tem pessoas que ainda são filiadas ao PSDB que tem interação com a equipe do futuro do governo. Existe a possibilidade de essas pessoas participarem do governo? Defende que elas saiam do partido?
AN - Cargos técnicos têm uma dimensão diferente. Pode ter uma filiação ali e tal. Mas cargos políticos, indicação, o PSDB não deve fazer, sob o risco, aí sim, de desaparecer. Nós vamos ser mais um na fila do gargarejo ali.
P. - Qual vai ser o seu papel? ]
AN - De um conselheiro sênior. Já ocupei todos os cargos possíveis dentro da estrutura partidária. Essa resposta que a Justiça está dando aos ataques infames que recebi, lava a minha alma. E eu vim para o PSDB quando ele não existia, não é agora que eu vou abandonar.
Raio-x
Aécio Neves, 62
Deputado federal pela quinta vez, reeleito em 2022, foi senador e governador de Minas Gerais por dois mandatos. Disputou a Presidência da República em 2014 e acabou em segundo lugar, perdendo para a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Neto do ex-presidente Tancredo Neves, é formado em economia pela PUC de Minas Gerais.
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