SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O desembargador Marcelo Martins Berthe, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), vendeu um imóvel para o Sinoreg-SP (Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo) logo após presidir um concurso público para selecionar titulares de cartórios, responsáveis por administrá-los.
A carreira do magistrado é voltada ao direito notarial e hoje ele coordena a fiscalização de cartórios na Corregedoria Nacional de Justiça, órgão ligado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Na corregedoria, Berthe tem como principal atribuição fiscalizar o funcionamento dos cartórios, procurando manter os princípios da legalidade, integridade e impessoalidade no sistema brasileiro de registros, além de propor melhorias na gestão dos cartórios.
A transação com o sindicato ocorreu em 2016. Um ano antes, Berthe chefiou a mesa avaliadora do nono Concurso Público para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de SP, em que foram aprovados candidatos associados ao Sinoreg-SP e a outras associações de notários.
Além disso, um dos avaliadores fazia parte do sindicato e avaliou concorrentes que ele conhecia previamente.
Newsletter FolhaJus+ Receba no seu email as notícias sobre o cenário jurídico e conteúdos exclusivos: análise, dicas e eventos; exclusiva para assinantes. *** O imóvel comercial está localizado na avenida Paulista, possui 41 m², não tem garagem e foi vendido por R$ 620 mil à época (hoje cerca de R$ 842 mil), com pagamento à vista pelo sindicato, comandado por Cláudio Marçal Freire.
Após a venda, o imóvel foi reformado, mas está desocupado há mais de um ano. A reportagem ouviu moradores do edifício, que afirmaram desconhecer atividades do sindicato no prédio.
Para Juliana Sakai, diretora de operações da Transparência Brasil, apesar de não ser ilegal, a venda do imóvel abre a possibilidade de um caso de conflito de interesses e de limitação do escopo de atuação de Berthe em órgãos como o CNJ, ao criar uma relação indevida entre fiscalizado e fiscalizador e gerar constrangimentos em decisões que desfavoreçam o sindicato.
Desembargador nega conflito de interesse Procurado, Berthe disse que o imóvel abrigava uma clínica psicológica de sua mãe e foi vendido para custear um tratamento de saúde dela, chegando a ser colocado para locação para ajudar no pagamento dos cuidados.
Também afirmou que o sindicato contratou uma avaliação do valor de venda, que todos os tributos do imóvel foram pagos e declarados e que a relação com Freire, presidente do sindicato, é "estritamente profissional".
O magistrado disse ainda que, como presidente da mesa avaliadora dos concursos, não escolheu os selecionadores dos candidatos, atribuição da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, e que todas as avaliações orais, feitas diretamente entre candidato e avaliador, estão disponíveis para consulta.
O edital do concurso diz, porém, que cabe à mesa avaliadora deliberar sobre casos não previstos, além de administrar a execução das provas e definir como serão os testes orais, com participação e organização do designado presidente.
Freire passou a trabalhar com Berthe em 2020, em um grupo do CNJ para universalizar o sistema de comprovação de autenticidade nos cartórios brasileiros. Presidente do Sinoreg-SP à época da venda, Freire foi reeleito para o triênio 2022-2025.
A entidade disse em nota que o valor da compra seguiu laudo de avaliação imobiliária e que a transação foi aprovada pela diretoria, registrada em ata de assembleia e no registro de imóveis competente, "de modo transparente e com a devida publicidade".
Berthe e os cartórios Berthe ocupa a cadeira 29 da Academia Notarial Brasileira, instituição que faz parte do Colégio de Notários do Brasil e representa o setor cartorário.
No TJ-SP desde 1987, participou em 1999 da elaboração do primeiro concurso público para Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de São Paulo, também o primeiro do país.
Entre 1998 e 1999, foi representante da Corregedoria Geral da Justiça na Comissão de Custas e Emolumentos do Governo de São Paulo, tratando dos ressarcimentos aos cartórios após o governo federal tornar gratuitas as certidões de nascimento e óbito à época.
Em 2006, tornou-se juiz na 1ª Vara de Registros Públicos da Justiça paulista, cargo em que permaneceu até 2013. No período, foi juiz auxiliar no CNJ entre 2009 e 2012, quando trabalhou na elaboração das resoluções do órgão que regulamentam os concursos públicos dos serviços extrajudiciais no país.
Voltou ao conselho em 2020 para se tornar supervisor da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro, na Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do CNJ.
O desembargador também é presidente da Comissão de Concursos para Outorga de Delegações e Notas e de Registro de Alagoas e integrante da Câmara de Regulação da ONR (Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis).
Entre na comunidade de notícias clicando aqui no Portal Acessa.com e saiba de tudo que acontece na Cidade, Região, Brasil e Mundo!