SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Os comandantes de unidades militares sitiadas por manifestantes bolsonaristas contrários à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já se preparam para dispersar os atos em frente a quartéis pelo país assim que o novo presidente assumir o cargo, em 1º de janeiro.
Essa é a expectativa sinalizada por seus superiores, que estão em contato com o futuro ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Os episódios de violência ocorridos na capital na segunda (12), após a diplomação de Lula como mandatário máximo pela primeira vez, consolidaram essa percepção.
O petista queixou-se na terça (13) de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) está incitando "fascistas" a promover vandalismo. O futuro presidente não transmitiu tal ordem para os novos comandantes das Forças Armadas, mas segundo o jornal O Estado de S. Paulo, comentou que o fará em uma reunião com políticos do Avante.
Seja como for, alguma ordem nesse sentido é dada como certa. Há um certo desconforto entre os militares, dado que os três comandantes ainda no cargo assinaram nota logo após a eleição dizendo que os atos eram legítimos e insinuando críticas ao que consideram perseguição do Judiciário contra bolsonaristas.
Os manifestantes restantes que estão na frente do quartel-general do Exército na capital ou que frequentam a rua de acesso ao Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, estão sob jurisdição dos fardados. Como são áreas militares, a segurança é feita pela PE (Polícia do Exército). Mesmo que quisessem, os governadores de estado só poderiam enviar a Polícia Militar para dispersar os atos se houvesse uma requisição do Exército.
Em São Paulo, por exemplo, os soldados estão junto aos portões do comando, ao lado do parque Ibirapuera (zona sul), mas não saem às ruas. Uma alta autoridade estadual afirmou à Folha que "gostaria" de fazer algo, mas que está "de mãos amarradas".
Até aqui, o crime cometido pelos manifestantes é o previsto pelo artigo 286 do Código Penal, o de incitação das Forças Armadas contra outros Poderes --no caso, com os pedidos de intervenção para evitar a posse de Lula.
É um delito brando, com pena máxima de seis meses e de difícil tipificação. Geralmente, orientados pela fábrica de narrativas do bolsonarismo, os manifestantes dizem querer que o golpe seja dado sob a égide do artigo 142 da Constituição, que regula o papel dos militares. A leitura feita por eles é aberrante, mas sempre será possível alegar que pensavam ser legal sua ilegalidade proposta.
A coisa muda de figura quando se veem cenas como as de Brasília, que se aproximaram do terrorismo político. O mesmo comandante regional avalia que a ideia disseminada entre os militares que os atos são pacíficos e legítimos foi abalada.
Mesmo que haja dúvidas sobre isso, esse oficial-general diz que assim se a ordem vier dos novos comandantes escolhidos por Lula, será cumprida. Ele admite que há sempre o risco residual de alguma insubordinação, mas ele é visto como mínimo e talvez isolado à ponta, a algum soldado insatisfeito.
Fácil o processo não será. Um coronel da linha de frente comenta que seria péssimo o governo Lula começar com militares reprimindo adversários políticos, avaliação semelhante à de um político muito próximo da área da Defesa. Ambos dizem torcer para que a dispersão ocorra de forma natural, mas a resiliência dos atos não parece permitir tal otimismo.
Há questões ideológicas. Como desenhou em seu livro-depoimento o mentor da volta dos militares à política, o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, em 2018 houve uma identificação natural do estamento fardado com o bolsonarismo -centrado na comunhão de valores conservadores e do antipetismo.
É história conhecida: generais da reserva achavam ser possível voltar ao poder pelo voto em um capitão reformado indisciplinado, visto como de fácil manipulação. Em troca, Bolsonaro militarizou a administração e concedeu benesses.
Não foi um processo harmônico, como a crise que derrubou toda a cúpula da Defesa em 2021 mostrou, e agora o sentimento prevalente nos Altos-Comandos é o de buscar uma acomodação com a nova realidade.
Não que algum oficial-general tenha virado petista ou admirador do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, visto de forma quase unânime entre eles como alguém que age com força excessiva na condução de sua cruzada contra os atos antidemocráticos.
Mas a crispação, avaliam os fardados, tem que acabar. Retirar manifestantes com camisas da CBF e cartazes dizendo "SOS Forças Armadas" da frente quartéis será um primeiro teste para tal disposição.
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