BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Deputados e senadores que participaram da equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), indicaram cerca de R$ 1 bilhão em verbas de emendas de relator em 2022.

Uma das principais moedas de troca em negociações entre o governo Jair Bolsonaro (PL) e o Congresso, esse tipo de recurso foi chamado por Lula, durante a campanha, de "maior esquema de corrupção da história do país".

O petista e seus auxiliares modularam o discurso após a vitória para evitar conflitos com o Legislativo, especialmente com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Desde então, passaram a defender um "pacto" para melhorar o uso da verba.

Entre os membros da transição de Lula, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) indicou a maior cifra, R$ 120,4 milhões, segundo números divulgados pelo Senado. Ele integrou o grupo de trabalho sobre o turismo.

Em seguida, aparecem os senadores Jader Barbalho (MDB-PA) e Irajá (PSD-TO), com R$ 100 milhões pedidos por cada um. Cotado a ministro da Agricultura, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) sugeriu a distribuição de R$ 75 milhões para ações de seu interesse.

Ao menos sete senadores e 26 deputados que fazem parte da equipe de transição fizeram indicações para uso das emendas de relator, totalizando R$ 994 milhões. Todas as indicações foram feitas antes das eleições.

O STF (Supremo Tribunal Federal) pode acabar com essa reserva de orçamento a parlamentares, que também é conhecida pelo código RP9. A corte deve retomar nesta segunda-feira (19) o julgamento sobre a constitucionalidade da emenda do relator.

O placar no STF está 5 a 4 pela proibição das emendas de relator. No entanto, ainda faltam votar os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que têm indicado que devem se manifestar pela legalidade desse tipo de recurso --desde que a distribuição ocorra sob regras bem definidas de proporcionalidade e de transparência.

Caso a tendência se confirme, ocorrerá uma virada no placar e o julgamento terminará 6 a 5 em favor das emendas de relator.

Para reagir ao Supremo, a cúpula do Congresso aprovou nesta sexta-feira (16) um projeto de resolução que propõe critérios para a distribuição dessas emendas. Com votos favoráveis de parlamentares do PT, o texto ainda mantém parte dos recursos nas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado.

Na última quinta (15), Lewandowski pediu a interrupção do julgamento sob a justificativa de que o Supremo deveria levar em conta o projeto de resolução que estava em análise no Congresso. Depois da votação, ele afirmou que a proposta aprovada atende, de certa maneira, as "preocupações que foram ventiladas pelos ministros [do STF]".

O senador Veneziano disse à Folha que fez sugestões transparentes, indicando o destino da verba. Também afirmou que defende redução do volume de emendas do relator e o reforço nas verbas que são distribuídas por bancada.

Crítico das emendas de relator, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) indicou R$ 50 milhões, segundo os dados do Senado. Ele já afirmou que não é o autor desse pedido.

Entre os deputados da transição, Aliel Machado (PV-PR) é quem mais pediu verbas em 2022, alcançando cerca de R$ 37 milhões. Em seguida, Luis Tibé (Avante-MG) indicou R$ 32 milhões.

Das indicações feitas por integrantes do governo de transição, cerca de R$ 690 milhões foram para o Ministério da Saúde repassar a verba a secretarias estaduais e municipais.

Em seguida estão as verbas sugeridas para o Desenvolvimento Regional: R$ 133 milhões. Nesse caso, as emendas costumam ser usadas em obras de asfaltamento ou na compra de maquinário.

O deputado Aliel Machado disse à Folha que não é contra a distribuição das emendas, mas que não podem existir privilégios para um grupo de parlamentares.

Ele afirmou ainda que presta contas das indicações e mandou recursos inclusive a cidades comandadas por opositores. Declarou ainda que o problema nesse modelo de emenda é permitir que os autores das indicações sejam escondidos.

Aliel disse ainda que fez oposição ao governo Bolsonaro e que solicitou as emendas para enviar recursos a municípios que precisavam de verbas e tinham projetos sólidos de políticas públicas.

Alessandra Cardoso, assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), afirma que as tentativas de costurar um acordo no Congresso para manter as emendas de relator aumenta a importância de uma decisão do Supremo.

"Vai haver tentativa de construção de acordo para não acabar com o [chamado] orçamento secreto. Dificilmente o grupo que domina a distribuição vai abrir mão. Por isso a gente coloca muita força no julgamento do Supremo", disse.

Ela diz que as alternativas apresentadas no Congresso e por aliados de Lula, como de estabelecer prioridades na distribuição das emendas, não são satisfatórias.

"O governo [Lula] é de coalizão, com construção ampla e delicada. Foi necessário para superar essa fase da extrema direita no poder; a questão é que agora é preciso que haja uma capacidade desse novo governo de olhar para frente", afirmou ainda Cardoso.

O Inesc e o Observatório do Clima cruzaram dados das emendas de relator e identificaram que PP, PL, PSD, MDB, União Brasil e Republicanos respondem por 81% dos valores sugeridos por deputados e senadores que já foram pagos neste ano.

Os grupos técnicos da transição encerraram o trabalho de análise da gestão de Bolsonaro e de sugestão de medidas prioritárias para a administração Lula.

Um ponto de consenso é que faltam verbas para áreas sensíveis como saúde e educação, além de obras. Alguns grupos apontaram a emenda de relator como um obstáculo para organizar o orçamento dos ministérios.

No relatório final, o GT das cidades diz que houve "sequestro do orçamento pelas emendas de relator (orçamento secreto) com atendimento clientelista para investimentos tópicos de pavimentação e recapeamento totalmente desconectado de agendas estruturantes de mobilidade".

Além dos integrantes da transição, nomes que se aproximam de Lula também estão no grupo de parlamentares privilegiados na partilha desse recurso.

Cotado a ministro das Minas e Energia, o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) indicou R$ 60 milhões em emendas RP9. Desse valor, R$ 40 milhões são para pavimentações em Campo Formoso (BA), cidade governada por seu irmão, Elmo Nascimento (União Brasil).

Segundo informações do Senado, foram feitos pedidos para distribuir R$ 12,3 bilhões em 2022 de RP9. Além das indicações de deputados e senadores, R$ 3,9 bilhões foram cadastrados por "usuários externos". Esse tipo de pedido é uma das formas encontradas para mascarar o verdadeiro autor da emenda.

Não há uma base de dados do Congresso que indique quais pedidos de emendas foram acolhidos pelo relator do Orçamento e executados pelos ministérios.

Há 16,5 bilhões reservados para emendas de relator em 2022. Desse valor, foram empenhados R$ 8,6 bilhões e R$ 7 bilhões estão pagos. O ritmo de empenho tende a acelerar nos últimos dias do ano.

EMENDAS DE RELATOR NO GOVERNO DE TRANSIÇÃO

Aliados de Lula indicaram cerca de R$ 1 bi em 2022

Valor indicado por senadores na transição

- Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB): R$ 120,42 milhões

- Jader Barbalho (MDB-PA): R$ 100 milhões

- Irajá (PSD-TO): R$ 100 milhões

- Carlos Fávaro (PSD-MT): R$ 75 milhões

- Acir Gurgacz (PDT-RO): R$ 55 milhões

- Renan Calheiros (MDB-AL): R$ 50 milhões

- Alexandre Silveira (PSD-MG): R$ 4 milhões

Valor indicado por deputados na transição

- Aliel Machado (PV-PR): R$ 37,12 milhões

- Luis Tibé (Avante-MG): R$ 32,12 milhões

- Edilázio Júnior (PSD-MA): R$ 29 milhões

- Felipe Carreras (PSB-PE): R$ 29 milhões

- Weliton Prado (PROS-MG): R$ 28,55 milhões

- André de Paula (PSD-PE): 23 milhões

- Hildo Rocha (MDB-MA): R$ 21,87 milhões

- Sidney Leite (PSD-AM): R$ 21 milhões

- Pedro Paulo (PSD-RJ): R$ 21 milhões

- Aureo Ribeiro (SD-RJ): R$ 18,5 milhões

- José Priante (MDB-AL): R$ 18 milhões

- Antonio Brito (PSD-BA): R$ 17,45 milhões

- Tereza Nelma (PSD-AL): R$ 16 milhões

- Ricardo Silva (PSD-SP): R$ 15 milhões

- Marcelo Calero (PSD-RJ): R$ 15 milhões

- Fabio Trad (PSD-MS): R$ 15 milhões

- Expedito Netto (PSD-RJ): R$ 15 milhões

- Eduardo Costa (PSD-PA): R$ 15 milhões

- Célio Studart (PSD-CE): R$ 15 milhões

- Valtenir Pereira (MDB-MT): R$ 12,5 milhões

- Neri Geller (PP-MT): R$ 11,31 milhões

- Dulce Miranda (MDB-TO): R$ 11,2 milhões

- Luciano Ducci (PSB-PR): R$ 9,15 milhões

- Jones Moura (PSD-RJ): R$ 7,65 milhões

- Newton Cardoso Jr (MDB-MG): R$ 7,2 milhões

- Tito (Avante-BA): R$ 6,1 milhões

Total indicado: R$ 994 milhões


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