SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O mundo sob uma visão simplificada é mais confortável. E também mais arriscado. Como disse o filósofo e matemático francês Blaise Pascal no século 17, "corremos despreocupados em direção ao precipício depois de haver colocado algo diante de nós para impedir que o vejamos".

Gabriela Prioli lança a pergunta sobre a corrida usada por Pascal como metáfora: "Tiraremos a venda?" A resposta oferecida pela advogada e apresentadora da CNN Brasil neste final de 2022 é o lançamento do seu segundo livro, "Ideologias".

Como havia feito em "Política É para Todos", lançado em 2021, Prioli apresenta um panorama bastante razoável sobre o tema. Feito esse voo inicial, os leitores terão mais condições de se deter em autores e subtemas.

"Não é só porque a pessoa se diz adepta de tal corrente que, na prática, ela siga essa linha. Daí a importância de conhecer mais profundamente as ideias de quem pensou as ideologias para não cairmos em qualquer história que circula por aí", escreve a autora.

Prioli se concentra no liberalismo, no conservadorismo e no socialismo, chamados por ela de macroideologias, "grandes árvores com muitos galhos que se desenvolvem em direções variadas". São, de acordo com a autora, as matrizes de pensamento que nos servem de bússola até hoje.

A pretensão de "Ideologias" não é defender a superioridade de uma corrente sobre a demais. "Minha preocupação é relatar pensamentos de terceiros. Claro que estou ali presente para o meu leitor, mas o livro se propõe a apresentar ideias de outros autores", afirma.

O senso comum mandaria iniciar o livro com o conservadorismo. Mas seria um erro, porque esse pensamento, na verdade, se organizou como uma reação às grandes revoluções liberais. O primeiro bloco, portanto, versa sobre o liberalismo.

Prioli é bem-sucedida ao mostrar como essa corrente se consolidou ao longo de três revoluções: a Gloriosa, na Inglaterra do século 17; a Independência dos EUA, na segunda metade do século 18; e a mais influente delas, a Revolução Francesa, também nesse período.

Além de apontar os fundamentos de cada ideologia e suas ramificações mais expressivas, cada bloco tem um capítulo destinado aos principais pensadores. No caso do liberalismo, Prioli dá especial atenção a John Stuart Mill, cujas ideias ecoam com força ainda hoje.

Esse inglês do século 19 foi um dos primeiros a defender que o processo de aperfeiçoamento humano resulta do enfrentamento de ideias opostas. A arena pública deve ser o lugar do embate de concepções, sejam elas políticas, econômicas, religiosas.

No Brasil, a visão liberal é muito associada ao viés econômico, com uma postura contrária às intervenções do estado no mercado. Mas essa é apenas uma das partes que formam o universo do liberalismo, indica a autora.

O conservadorismo, tema do bloco seguinte, mantém o pé atrás com o pensamento racional, que está na base das revoluções liberais. Não significa que os conservadores desprezem a racionalidade, mas não veem nela a garantia de atingir a verdade.

Cautela é palavra-chave nessa ideologia, o que indica o problema em associar o bolsonarismo ao conservadorismo, como se faz regularmente.

Prioli expõe alguns dos alicerces do conservadorismo, como o senso de comunidade e a luta contra as ditaduras das massas, e destaca reflexões de nomes como o inglês G. K. Chesterton, defensor do distributismo, que se opõe tanto ao capitalismo quanto ao socialismo.

Karl Marx, claro, é o nome-chave do último bloco do livro, reservado ao socialismo. Em tudo o teórico alemão do século 19 se opõe aos conservadores, certo? Nem sempre.

Marxistas e conservadores, escreve Prioli, "reverenciam o papel da História com H maiúsculo e acreditam que os indivíduos têm pouca capacidade de mudar o mundo antes que as condições estejam dadas historicamente".

Em outros aspectos, contudo, os socialistas revelam afinidades com parte do liberais, em contraposição aos conservadores. "Ambas as correntes sustentam, ainda que cada qual a seu modo, que a sociabilidade moderna, ou seja, as formas pelas quais as pessoas se relacionam, é baseada no interesse."

É evidente que, ao contemplar essas três "macroideologias", as diferenças prevaleçam, mas os pontos de contato contribuem como antídoto contra o maniqueísmo. Ou, nas palavras de Prioli, contra o "esvaziamento dos rótulos".

Ao fim das 232 páginas, espera a autora, os leitores terão "um repertório de ferramentas para se afirmar de modo mais autônomo no debate público".

IDEOLOGIAS

Preço; R$ 60

Autor: Gabriela Prioli

Editora: Companhia das Letras (232 págs.)


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