BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) e senador eleito Rogério Marinho (PL-RN) afirma que os ataques às sedes dos três Poderes deixam o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "muito confortável" e diz que a postura de uma "minoria radical" não pode ser usada para tachar todos os apoiadores do ex-presidente de terroristas.

"Os atos praticados por essa minoria estão servindo de justificativa para se rotular todos aqueles que têm alguma diferença do ponto de vista programático --ideológico-- ao governo Lula. Como se fossem terroristas, radicais, antidemocratas. Isso não é verdade", diz Marinho em entrevista.

Candidato à presidência do Senado contra Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Marinho afirma que dará andamento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre os financiadores do atentado se for eleito, mas cobrará investigação ampla --inclusive contra o Ministério da Justiça e Segurança Pública, hoje comandado por Flávio Dino (PSB).

Marinho critica decisões do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e diz que o Brasil precisa reencontrar a "normalidade democrática", mas avalia que a abertura de impeachment é uma medida extrema.

PERGUNTA - Como o sr. analisa o que aconteceu nos ataques contra os três Poderes?

ROGÉRIO MARINHO - O que aconteceu é reprovável sob qualquer ângulo. Nós achamos que essa minoria de radicais praticou um ato de barbárie, de vandalismo, que precisa ser punido. Nós temos consciência de que não é dessa forma que se faz enfrentamento democrático e oposição.

Ao mesmo tempo, os atos praticados por essa minoria estão servindo de justificativa para se rotular todos aqueles que têm alguma diferença do ponto de vista programático --ideológico-- ao governo Lula. Como se fossem terroristas, radicais, antidemocratas. Isso não é verdade. Até porque mais de 58 milhões de brasileiros não votaram em Lula. Nós temos que ter muito cuidado com essa generalização e essa estigmatização de uma parcela considerável da sociedade, que está sendo tratada de forma pouco recomendável e pouco republicana.

Como o sr. viu a reação das autoridades, especialmente de Moraes?

R. M. - Eu acredito que está havendo, por parte daqueles que já tomaram decisões em relação ao episódio, por um lado a diligência necessária; mas, por outro, certa seletividade. Se há omissão, se a imprensa já noticia que o aparato de inteligência do governo federal tinha conhecimento de que esses atos aconteceriam, por que não foram tomadas providências para evitar que isso ocorresse? A culpa é apenas da Polícia Militar [do DF]? Ou a culpa pode ser apurada para verificar se a omissão e a falta de proatividade que resultou no quebra-quebra pode ser imputada ao governo federal?

Os acampamentos em frente aos quartéis já não indicavam que poderia haver algo mais violento?

R. M. - Eu não sei. Não tenho as informações que o GSI [Gabinete de Segurança Institucional], a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], a Polícia Federal, o Ministério da Justiça e a polícia de Brasília têm. Para mim, enquanto essa manifestação for pacífica, ela é perfeitamente aceitável. Na hora em que ela impede o direito de ir e vir, depreda patrimônio público, constrange pessoas, tem que ser reprimida e enquadrada, não tenha dúvidas.

A PGR abriu inquérito contra parlamentares do PL que teriam incentivado o ataque. Isso causa algum constrangimento ao partido do sr.?

R. M. - Cada um responde pelos seus atos. Acho que a grande maioria do partido tem a exata noção de que o embate deve necessariamente ser feito no campo da democracia. A Constituição definiu terrorismo de forma muito clara como crime, mas a regulamentação só ocorreu em 2016.

Eu estava no parlamento naquela oportunidade. Houve um trabalho muito forte do PSOL e do PT para evitar, por exemplo, que houvesse a tipificação de motivo político como terrorismo. Por uma razão muito simples e inclusive a gente entendeu. De 1988 para cá todas as manifestações da esquerda, com raríssimas exceções, terminaram em quebra-quebra ou invasão de prédios.

Mas depredar completamente a sede dos três Poderes nunca aconteceu.

R. M. - É, mas a Câmara foi invadida, os ministérios foram invadidos e depredados em 2017, as Assembleias Legislativas de alguns estados também. O que nós não podemos é dizer que [em 2017] foi um ato político de resistência e, agora, [enquadrar] esse fato lamentável e reprovável de forma diferente. Você não pode tratar com dois pesos e duas medidas o mesmo problema ou a mesma manifestação. Não existe meia gravidez. Um ataque à instituição é um ataque à instituição, tem que ser reprovado igualmente.

Há uma diferença muito clara entre os dois episódios. Em 2017, houve protestos contra uma reforma [trabalhista]. Agora, houve o ataque ao sistema democrático e às instituições.

R. M. - Eu não estou comparando, eu estou afirmando que atos de invasão de prédios públicos, de ataque, depredação, de barbárie às instituições, a Assembleias Legislativas, STF, ministérios, são atos que merecem nosso repúdio e reprovação, mas têm que ser tratados de forma igual. E não houve punição em 2017 ou, se houve, foi muito pequena.

A partir do momento em que Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, colocou em dúvida o sistema eleitoral e insuflou as pessoas contra o STF, ele não incentivou os atos de domingo?

R. M. - Que eu saiba, o presidente Bolsonaro falou duas vezes em dezembro e não vi, em nenhuma delas, ele insuflando, pelo contrário. [Vi ele] dizendo claramente que é contra qualquer ato de bloqueio ou de depredação. Você viu aí três ou quatro mil pessoas, não sei quantas estavam, de uma minoria radical. Isso não pode representar esse grande número de brasileiros que têm valores e visão de mundo diferentes.

Mas os ataques ao STF e ao sistema eleitoral foram constantes durante o mandato dele. O direito da contestação ou de você eventualmente ter uma diferença em relação a esse ou aquele processo é um direito constitucional. O que ultrapassa o direito da livre manifestação é a materialidade. É você agir. Depredar, bloquear, impedir que as pessoas andem ou efetivamente buscar uma questão física. O direito à opinião, eu vou defendê-lo até o final.

O sr. deixou claro que o episódio merece repúdio e, por isso, eu gostaria de insistir na participação de parlamentares do PL. O que o sr. vai defender?

R. M. - O PL tem 99 deputados, 15 senadores, milhares de vereadores, centenas de prefeitos, governadores. O PL tem um todo e, como qualquer instituição, há pessoas que pensam diferente, o que é absolutamente salutar. Então eu acho que isso cabe a quem está promovendo a investigação. O Ministério Público vai verificar se o que foi dito caracteriza incentivo ou estímulo para o que ocorreu dia 8. Vamos aguardar o desdobramento da própria investigação.

Com quem está a maioria no PL: com os que contestam o resultado das eleições e têm parlamentares suspeitos de incentivar atos golpistas ou com os que defendem a democracia?

R. M. - Eu não tenho tido contato com pessoas que defendem uma postura diferente de uma oposição consistente, dentro da Constituição. Uma oposição em que nós queremos preservar e defender um legado econômico importante, que mudou e transformou esse país nos últimos seis anos. Uma pauta que não permita retrocessos, como foi inclusive publicizado por vários integrantes do novo governo, que falam em rever reforma trabalhista, previdenciária, marco do saneamento. Essa me parece que é a posição amplamente majoritária no PL.

O ex-ministro Marcelo Queiroga afirmou que tudo o que foi feito pelo governo Bolsonaro vai por água abaixo pela ação de "radicais". O sr. concorda?

R. M. - Eu não acho que põe por água abaixo. Mas, por outro lado, deixa o atual governo muito confortável. Porque todas as contradições e todos os equívocos cometidos passam a ser colocados em segundo plano. Você está deixando de lado a discussão da questão fiscal, do novo salário mínimo, da mudança na tabela do Imposto de Renda, de como nós vamos nos comportar em relação à questão ambiental e a essa animosidade do governo que está entrando com o principal motor da nossa economia, que é o agronegócio. Então é evidente que, para o governo, essa situação realmente não deixa de ser uma situação que lhe dá mais conforto na condução das suas políticas, uma vez que a contestação aos eventuais equívocos vai perder força em um primeiro momento.

Já há assinaturas para a abertura de uma CPI para investigar quem financiou o ataque de domingo. O que o sr. vai fazer se for presidente do Senado?

R. M. - A primeira coisa que eu vou fazer quando for eleito é cumprir o que define o regimento do Senado. Então, se um pedido de CPI tem causa, assinaturas suficientes, e os pressupostos que a legislação determina, é evidente que nós vamos instalar. Eu só espero que ela seja ampla, que não seja uma CPI seletiva.

Investigando o Ministério da Justiça, por exemplo?

R. M. - Claro. Todas as responsabilidades.

O que aconteceu domingo fortalece a candidatura de Pacheco?

R. M. - É evidente que nós temos que aguardar as próximas duas semanas para verificar de que forma isso vai impactar entre os eleitores. Estamos falando de 81 senadores e parece muito claro que o Senado precisa voltar a ter altivez. Hoje nós estamos vendo uma série de ações tomadas pelo Judiciário, e agora pelo Executivo, que ultrapassam o Poder Legislativo. Nós precisamos reequilibrar o pacto entre os Poderes para que possamos, de fato, ter Poderes harmônicos e independentes, pelo bem da democracia. Acho que isso está muito forte entre os senadores com quem eu tenho conversado. Por isso eu prefiro avaliar um pouco mais o processo, mas a nossa candidatura continua muito competitiva.

Qual será o papel de Bolsonaro na oposição?

R. M. - Há um legado a ser defendido. Acho que o presidente é um ativo político importante. Nós esperamos que ele volte ao Brasil o mais breve possível e faça a sua parte. Percorrendo o Brasil, organizando o partido para as eleições municipais, defendendo o seu legado, fazendo a oposição necessária para o regime democrático. Qualquer governo precisa ter oposição, é importante para a vitalidade da democracia. E principalmente o governo que está chegando, cheio de contradições, com uma visão atrasada de país.

Desde que foi derrotado, Bolsonaro tem passado sinais que dão margem para que apoiadores interpretem que ele está falando uma coisa, mas querendo dizer outra. Ele, por exemplo, só deixou de se apresentar nas redes como presidente nesta sexta-feira (13).

R. M. - Eu não posso nem devo julgar o presidente Bolsonaro. Quem pode falar pelo presidente é o próprio presidente. O que eu posso dizer é que nós estamos defendendo publicamente, dentro do partido e junto a setores da oposição, que nós temos a necessidade de nos organizar para defender um legado importante de conquistas econômicas e sociais. Da minha parte, nós já viramos a página após o processo eleitoral e estamos no nosso lugar, que a população nos colocou, que é na oposição.

O que o sr. fará com um eventual pedido de impeachment contra Moraes se for presidente do Senado?

R. M. - Eu acredito que a primeira ação que a gente deve empreender é o diálogo. Nós precisamos restabelecer o que chamamos de normalidade democrática, para que cada Poder exerça sua função. O que está previsto na Constituição. A partir daí, com diálogo estabelecido, eu creio que não haverá necessidade de atos extremos. O impeachment é o ato mais extremo previsto na Constituição. Existem outros mecanismos que podem e devem ser aplicados, a começar pelo próprio diálogo, que precisa ser estabelecido com altivez.

Eu não vou fulanizar o debate porque foram decisões que, apesar de terem sido monocráticas, foram respaldadas posteriormente. Eu pretendo, como presidente do Senado, discutir de instituição para instituição, não vou entrar aqui no mérito de quem fez o quê. Até porque eu não vou ser candidato contra uma instituição. Eu sou candidato a favor do Brasil, a favor da democracia, do fortalecimento do Senado.

RAIO-X | Rogério Marinho, 59

Senador eleito, é candidato a presidente do Senado. Foi ministro do Desenvolvimento Regional e secretário especial de Previdência e Trabalho no governo Bolsonaro. Deputado federal entre 2007 e 2019, foi um dos principais articuladores da reforma da Previdência e relator da reforma Trabalhista.


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