BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Dados oficiais do Ministério da Fazenda mostram que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou ao fim do seu mandato com um elevado contingente de integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica trabalhando na Presidência da República, mantendo os números recordes verificados durante sua gestão.

De acordo com os dados relativos a novembro ?os mais recentes disponíveis na Fazenda?, estavam requisitados e cedidos à Presidência 1.231 membros da ativa das Forças Armadas, contra 1.026 em novembro de 2018, no final da gestão de Michel Temer (MDB), um aumento de 20%.

O impulso do deslocamento de fardados para várias áreas do governo, em particular para a Presidência, se deu na esteira da pregação militarista de Bolsonaro. Capitão reformado do Exército, o ex-presidente recorreu em vários momentos a uma retórica antidemocrática que se converteu na principal inspiração política dos vândalos golpistas que depredaram as sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro.

O número de militares da ativa na reta final do governo Bolsonaro supera não só os do mesmo período de Temer, mas também dos outros antecessores ?Dilma Rousseff (943), Lula 1 (569) e 2 (818) e o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (648).

Os dados não incluem militares da reserva que também foram alocados por Bolsonaro em vários postos, incluindo a chefia de ministérios ?como foram os casos, entre outros, dos generais Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto.

Desde os ataques do dia 8, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem feito críticas a militares que teriam participado ou sido coniventes com as manifestações golpistas, declarações que ocorrem paralelamente a uma onda de demissões de fardados dos cargos comissionados.

Nesta quarta-feira (18), por exemplo, o Palácio do Planalto exonerou mais 13 militares do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). O órgão é responsável pela proteção do presidente e do Palácio do Planalto.

A nova leva de dispensas foi publicada no Diário Oficial da União um dia após o governo ter dispensado 40 militares que trabalhavam no Palácio da Alvorada ?além de outros fardados de áreas diversas do governo.

Em entrevista à GloboNews nesta quarta, Lula disse que nenhum dos órgãos de inteligência foi capaz de alertá-lo sobre os ataques e que qualquer militar que participou dos atos golpistas será punido, "não importa a patente ou a Força" a que pertençam.

Em novembro, a Folha de S.Paulo revelou áudios e vídeos em que um militar da Marinha aparece em um grupo de mensagens incentivando os atos antidemocráticos em frente aos quartéis e afirmando que Lula, então já eleito, não tomaria posse em 1º de janeiro.

Nas mensagens, Ronaldo Ribeiro Travassos também defendia o assassinato de brasileiros eleitores de Lula. O militar estava lotado no GSI, chefiado na ocasião pelo general Augusto Heleno, um dos aliados mais fiéis de Bolsonaro.

Procurado na ocasião, ele disse que não comentaria suas falas e argumentou não saber se era ele mesmo nos áudios.

No último dia 13, o Exército indiciou o coronel da reserva Adriano Camargo Testoni, que participou dos atos golpistas de 8 de janeiro e proferiu ataques contra integrantes do Alto Comando da Força.

Trata-se do primeiro inquérito policial-militar encerrado desde que as Forças Armadas decidiram punir militares que tenham participado do episódio.

Testoni trabalhava no Hospital das Forças Armadas com contrato de tarefa por tempo certo ?tipo de contratação utilizada no Exército, Marinha e Aeronáutica para empregar militares da reserva ou reformados para funções temporárias e específicas.

Após a gravação do vídeo, o coronel foi demitido do cargo apesar de ter feito outra gravação posteriormente se desculpando e negando ter participado do quebra-quebra na praça dos Três Poderes.

Os dados do Painel Estatístico de Pessoal do Ministério da Fazenda mostram ainda que, além do quantitativo, a gestão Bolsonaro ampliou um movimento iniciado sob Temer de pulverizar militares em vários órgãos do governo.

Ao assumir um cargo de chefia, o militar da ativa recebe um incremento na sua remuneração, até o limite do teto salarial do Executivo.

No final dos anos 1990 até 2016, a atuação dos fardados era restrita, na quase totalidade, a apenas três órgãos: o Ministério da Defesa (sempre chefiado por um civil nesse período), a Vice-Presidência e a Presidência da República.

Nesse último local, a alocação se dá em geral no GSI, que em determinado período se chamou Casa Militar.

Os três presidentes da República desse período foram perseguidos pela ditadura militar encerrada em 1985. FHC teve que fugir para o exílio, Lula foi preso e Dilma, além da prisão, foi submetida a tortura.

A partir de Temer, em 2016, militares da ativa passaram a figurar em outras pastas. O emedebista também foi o responsável por romper a tradição de colocar um civil no comando da Defesa, anulando parte do simbolismo da submissão constitucional das forças militares ao comando civil democraticamente eleito.

Sob Bolsonaro, os militares da ativa chegaram a se espalhar por cerca de 20 órgãos diferentes do governo. Em novembro do ano passado, já após a vitória de Lula, estavam em 12.

Os dados da Fazenda apontam também que em todo o governo havia em novembro 2.187 militares contra 1.941 no mesmo período de 2018.

Os órgãos que reúnem os maiores contingentes, além da Presidência e da Defesa, são a Vice-Presidência (em novembro comandada pelo general e hoje senador eleito Hamilton Mourão) e a Advocacia-Geral da União.

A reportagem não conseguiu contato com o ex-presidente Bolsonaro.

A Secretaria de Imprensa da Presidência informou que perguntas sobre esse tema deveriam ser encaminhadas para o Ministério da Defesa, que, por sua vez, orientou o envio dos questionamentos para cada uma das Forças.

Apenas a Marinha respondeu, afirmando que há atualmente em todo o governo 1.195 de seus militares da ativa em órgãos do governo, sendo 174 no GSI da Presidência da República. A Marinha disse não ter havido cancelamento de nenhuma dessas requisições desde 1º de janeiro, dia em que Lula foi empossado no cargo.

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Colaborou Marianna Holanda, de Brasília


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