BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Anunciado na semana passada para a presidência da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), o jornalista Hélio Doyle, 72, afirma que, se depender dele, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) será tratado como "golpe" pelos veículos da organização.

"Se depender de mim, vai continuar falando que foi golpe. Gostem ou não gostem. Agora, a linha editorial da empresa, a gente tem que discutir melhor. Estou falando de caráter pessoal. Nós teremos que discutir melhor com a diretoria. Para mim, foi golpe", diz Doyle, em entrevista à Folha.

Quando fala em "continuar", ele se refere, por exemplo, ao fato de o presidente Lula (PT) ter usado esse termo repetidas vezes recentemente, como ao se referir ao ex-presidente Michel Temer (MDB) como "golpista".

No último dia 13, o presidente Lula destituiu toda a diretoria da EBC e nomeou a jornalista Kariane Costa para a presidência de forma interina. Doyle foi escolhido e anunciado como novo chefe da EBC, mas atualmente está nomeado como assessor da empresa.

PERGUNTA - Qual o plano do senhor para a EBC?

HÉLIO DOYLE - O plano não é meu. Participei do grupo de trabalho da transição de comunicação social. A gente quer recuperar a EBC, porque ela foi desmantelada e perdeu diversas de suas características essenciais -como a de ser um canal de serviço público. Tentaram levar a EBC para um lado de máquina de propaganda governamental. Queremos recuperar esse sentido de comunicação pública.

P. - Como separar essa comunicação do governo da pública?

HD - Separando as duas funções. Por exemplo, o canal 1 transmite uma programação de emissora pública e o canal 2 transmite uma comunicação governamental. Quando falo em canal governamental, não é só para ficar passando pronunciamento do presidente, posse do ministro. Não é isso. É ter uma programação de entrevistas, de programas, usar um pouco de criatividade.

P. - O ministro Paulo Pimenta [Secom] afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que quer identificar fake news sobre ações do governo e pedir ação da Justiça. A EBC participará desse processo?

HD - O ministro está falando do ponto de vista mais amplo. Não é nossa função como empresa ter como prioridade combater fake news.

P. - Como é que nós vamos combater?

HD - Mostrando a verdade e desmentindo as mentiras pelos processos jornalísticos.

P. - A gente sabe das dificuldades, sabe qual é a estratégia bolsonarista de desmoralizar o jornalismo profissional e sabe dos limites desse enfrentamento. Você acha que aquela pessoa que vai para porta do quartel, que reza para pneu, será influenciada pela EBC?

HD - Não vai. Mas tem uma faixa que a gente pode conquistar.

P. - Em que sentido conquistar?

HD - Esclarecer. Tem vários instrumentos, você pode esclarecer, você pode desmentir. A gente pode mostrar, com dados, porque é mentira ou porque é falso.

P. - O senhor citou que não tem a pretensão de atingir uma base bolsonarista. Qual é o público-alvo da EBC?

HD - Todos os outros. Gosto de ser realista, não gosto de ficar me iludindo. Calculo que 20% da população é isso: que reza para pneu, acredita que [o ministro] Alexandre de Moraes foi preso, que o Lula já morreu e agora é um sósia. Não é que a gente não queira. Se a gente puder chegar neles, mostrar a realidade, ótimo. Eles falam que não assistem à Globo porque é mentirosa.

P. - Imagina a gente que é canal de governo?

HD - Só fui realista. Agora todo o resto é nosso público potencial.

P. - O presidente Lula acelerou a troca do comando da EBC por conta da cobertura do dia 8 de janeiro dos atos golpistas?

HD - Não diria que foi só por causa disso. A gente ficou observando a diretoria anterior [indicada por Bolsonaro]. Não foi só o dia 8, teve um problema no jornalismo, uma falta de sensibilidade. Tinham vários oposicionistas para ouvir, e aí ouviram justamente o [senador] Flávio Bolsonaro [PL-RJ]. Está errado? Ele não é da oposição? É da oposição. Mas faltou sensibilidade ali, num momento tenso como esse que nós estamos. Põe um outro lá, um cara menos queimado, que não tenha o sobrenome Bolsonaro.

P. - Há uma discussão de tratar o impeachment da presidente Dilma Rousseff como golpe. Isso vai ser uma linha adotada?

HD - Se depender de mim, vai. Se o governo disser que não é para tratar assim por uma questão, não trata. Mas se depender de mim, foi golpe. Não é só o tanque na rua, foram desenvolvidas novas formas de golpe, em que se usa instrumentos jurídicos e parlamentares para afastar um governante eleito legitimamente.

Hoje está provado que as pedaladas [fiscais] não existiram. Elas foram um pretexto para afastar uma presidente que estava desagradando o Congresso. Então é uma questão de concepção. Se depender de mim, vai continuar falando que foi golpe. Gostem ou não gostem. Agora a linha editorial da empresa, a gente tem que discutir melhor. Estou falando de caráter pessoal. Aí nós teremos que discutir melhor, com a diretoria. Para mim foi golpe.

P. - A Agência Brasil, vinculada à EBC, foi criticada recentemente por ter publicado em seu portal uma reportagem que utilizava linguagem neutra. A EBC irá usar linguagem neutra?

HD - Não. A linguagem neutra foi utilizada aqui antes de a gente [a nova diretoria] chegar, inclusive. Foi usada numa matéria que tratava do tema, a pedido das entrevistadas. A matéria dizia isso, explicava.

Toda ilação de que essa seria uma prática usual da empresa é, na minha opinião, desinformação ou má-fé. Recebemos críticas pesadas e recebemos elogios muito grandes também. E isso é uma definição do governo. O que o governo decidir, nós vamos discutir com base na decisão. Não somos obrigados a seguir a decisão do governo, mas vamos levar em consideração. A minha posição pessoal, que não é absolutista, é de não usar.

P. - O que impede o governo de instrumentalizar a EBC da mesma forma que Bolsonaro?

HD - Nós não queremos garantir a independência da EBC, nós entendemos que ela é uma empresa do Estado. Então não se trata da independência da EBC, se trata da independência do lado público da EBC. É isso que nós queremos: que ele tenha autonomia, tenha decisão, tenha diversidade. Os modelos de emissora pública em outros países são muito diversificados, não existe um modelo único. Então nós vamos encontrando um caminho.

P. - Como garantir independência se não há uma independência financeira?

HD - Da mesma maneira que a imprensa privada garante a sua independência, apesar de terem publicidade. Quem faz a publicidade na Folha não controla a linha editorial do jornal. O raciocínio é o mesmo. Embora o dinheiro venha de lá, a gente não se submete. Agora, se você é frágil, você se submete.

P. - Na gestão Bolsonaro houve denúncias de censura na EBC. Haverá tema proibido na empresa?

HD - Se depender de mim, não. Nós pretendemos aqui ter uma direção realmente colegiada. Essas decisões estratégicas 'vamos proibir tal assunto?' não sou eu que vou tomar. E se vier uma proibição de cima, nós vamos resistir, vamos discutir. Nós temos diálogo com o ministro [Pimenta], com o presidente. Vou te dar um exemplo real: quando saiu a matéria de [linguagem] neutra, teve gente no governo pedindo para tirar do ar porque estava gerando ruído.

P. - Quem pediu para tirar?

HD - Isso eu não vou te falar, mas teve gente do governo falando lá para o ministro.

P. - O que poderia ser proibido? É proibido fazer propaganda da cloroquina na EBC?

HD - É, mas são coisas assim. Agora veto a pessoas, não colocar... Inclusive para dar o exemplo do Flávio Bolsonaro. Ele pode entrar no canal público se tiver alguma coisa relevante [para dizer]. O sobrenome Bolsonaro não é proibido.

P. - No governo Bolsonaro foram contratadas novelas da Record. Isso seguirá na nova gestão?

HD - Vamos reformular radicalmente a programação. Nós vamos fazer estudo de mercado e de audiência para fazer uma programação mais adequada, mais própria de uma emissora pública.

P. - Novela cabe nisso?

HD - Vamos estudar. Agora a gente sabe porque foram compradas novelas da Record, para atender um determinado público da base bolsonarista. Isso nós não vamos fazer. Não vamos contratar programação porque a gente gosta do vendedor. Isso não vai acontecer.

RAIO X Hélio Doyle

Jornaista, trabalhou em redações, foi professor da Faculdade de Comunicação da UnB durante 28 anos e atuou como chefe da assessoria de imprensa no Governo do Distrito Federal. Também foi chefe da Casa Civil do DF no governo de Rodrigo Rollemberg, do PSB.


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