SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Pelos últimos quatro anos, com Jair Bolsonaro (PL) na cabeceira do Executivo federal, a bancada evangélica se sentiu jogando no ataque. Mas Bolsonaro não se reelegeu, e a volta de Lula (PT) à Presidência é um balde d'água progressista nos planos conservadores do mais articulado bloco religioso do Congresso, avaliam seus integrantes.
É com a sensação de que entrarão em campo mais uma vez na zaga, posição em que mais precisam impedir que o outro lado avance do que impor sua agenda, que parlamentares evangélicos se reunirão na manhã desta quinta-feira (2) para escolher seu novo líder.
Enfrentam-se três nomes que apoiaram Bolsonaro na corrida presidencial. Dois são deputados: Silas Câmara (Republicanos-AM), que já presidiu o grupo, e Eli Borges (PL-TO). Corre por fora o senador Carlos Viana (Podemos-MG).
Ex-bolsonarista roxo, que nas últimas semanas passou a criticar o ex-aliado e falar em "virar a página", Otoni de Paula (MDB-RJ) chegou a enviar sua inscrição, mas deve abrir mão da candidatura em prol de Borges.
Até a véspera, a eleição se encaminhava para uma inédita disputa no voto. Isso porque pleitos passados tiveram como praxe a aclamação de um presidente sem necessidade de votação. Assim aconteceu desde a criação da Frente Parlamentar Evangélica, em 2003.
O consenso às vezes chegava de última hora, é verdade. Os cabeças do bloco ganham mandatos bienais, mas em 2021, por exemplo, dois candidatos evitaram o confronto ao fecharem um acordo pouco antes da queda de braço política se consolidar. Ficou assim: Cezinha de Madureira (PSD-SP) liderou a bancada em 2021, e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), no eleitoral 2022. Todo mundo saiu feliz.
Aliado do pastor Silas Malafaia, Sóstenes deve passar o bastão para Câmara ou Borges. O mais provável é que Viana capitaneie os evangélicos do Senado, um time que conta com a "terrivelmente cristã" Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra de Bolsonaro, e Magno Malta (PL-ES), que retorna à Casa após perder a vaga em 2018 para Fabiano Contarato (PT-ES), primeiro senador abertamente gay do país.
Até a noite de quarta (1º), não havia expectativa de um acordo entre os adversários --o que sempre pode ocorrer aos 45 minutos do segundo tempo, claro.
Câmara, aliás, está bem ciente disso: quando foi eleito pela primeira vez, em 2019, a pacificação em torno do seu nome só foi selada no próprio dia, após cinco rivais abandonarem o páreo em seu benefício, incluindo Flordelis (então PSD-RJ). Três meses depois, seu marido seria assassinado, crime pelo qual ela acabou condenada no ano passado.
As costuras para a eleição deste ano coincidiram com a campanha para as presidências da Câmara e do Senado. Na terça (31), Arthur Lira (PP-AL), que no dia seguinte seria reconduzido à liderança dos deputados, recepcionou a bancada evangélica com um café da manhã que teve no menu o racha entre evangélicos e o posicionamento que o bloco pretende adotar nesta legislatura.
O apego dos membros à chamada agenda de costumes será uma pedra no sapato de Lula, diz o atual presidente. Sóstenes vê o "enfrentamento ideológico às pautas do governo esquerdista" como prioridade da bancada daqui em diante. Os temas são velhos conhecidos do embate entre progressistas e conservadores, do aborto à causa LGBTQIA+.
Estreiam na bancada três deputados recém-chegados à Câmara, todos alvo de inquérito do STF (Supremo Tribunal Federal) que apura se eles incentivaram os atos de vandalismo em Brasília no dia 8 de janeiro.
Clarissa Tércio (PP-PE) é investigada por ter postado numa rede social: "Acabamos de tomar o poder. Estamos dentro do Congresso. Todo povo está aqui em cima. Isso vai ficar para a história, a história dos meus netos, dos meus bisnetos". Sílvia Waiãpi (PL-AP), por compartilhar um vídeo com a legenda: "Tomada de poder pelo povo brasileiro insatisfeito com o governo vermelho".
Fecha o trio André Fernandes (PL-CE), que fez uma convocação virtual para o "ato contra o governo Lula", dizendo que lá estaria. Ele depois publicou a foto de um armário do ministro Alexandre de Moraes, vandalizado. "Quem rir vai preso", escreveu.
Sóstenes diz que conversou com os deputados e que nenhum deles estava na capital do país no dia.
O novo governo começou provocando, afirma o presidente de saída. Irritaram gestos como o uso do pronome neutro ("todes") em eventos oficiais e a limpeza do Palácio do Planalto com sal grosso. O elemento é vinculado a religiões de matriz africana, demonizadas por parte das igrejas cristãs.
Pelas suas contas, a bancada terá 132 deputados (26% da Câmara) e 14 senadores (17% da Casa). Decano do grupo, Gilberto Nascimento (PSC-SP) engrossou a primeira frente parlamentar, no primeiro ano de Lula como presidente. O momento atual é mais desafiador, diz o deputado.
O obstáculo maior, para ele, nem será o próprio presidente, mas "o pessoal dos ministérios", com um perfil diferente e mais identitário do que o da primeira Esplanada lulista. "Vamos ter que trabalhar numa defesa grande, tentar sobreviver em termos dessas pautas [progressistas]."
Nem todos da bancada desejam fazer uma oposição intransigente a Lula, até porque há questões partidárias no meio --muitos congressistas estão em legendas da órbita lulista, como o PSD, ou em siglas que podem aderir à base governista no futuro, como o Republicanos.
Enquanto isso, o clima de disputa no bloco evangélico contamina as redes sociais. Um dos comentários dizia, sem nomear desafetos: "Tomem cuidado com os anjos caídos".
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