BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou a subordinados que o governo de Jair Bolsonaro (PL) interferiu em diversos momentos na Força e que, dentro dos quartéis, a política criou "desgastes" para os militares.
As declarações foram feitas em reunião com auxiliares no Comando Militar do Sudeste em 18 de janeiro --três dias antes da demissão do então comandante Júlio César de Arruda pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que decidiu colocar Tomás no posto.
O áudio foi gravado de forma escondida e divulgado pelo podcast Roteirices. A Folha de S.Paulo confirmou a veracidade da gravação, que circula em grupos de militares desde a última semana.
"Algumas interferências do governo, direta, na área militar. 'As novas motociatas do presidente Bolsonaro serão na Aman' --isso foi noticiado. Não ocorreu porque os nossos comandantes, nossos generais, conseguiram convencer o [ex-]presidente [Bolsonaro] que não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar", disse Tomás.
Tomás ainda citou que os comandantes das Forças costumavam ficar quatro anos na função. No governo Bolsonaro, no entanto, o chefe do Exército foi trocado três vezes, no contexto das interferências do ex-presidente.
"No governo passado tivemos uma coisa pouco usual que foram as três mudanças de comandante de Força. Passamos pelo general Pujol, depois o general Paulo Sérgio e depois o general Freire Gomes. Não deu para completar o tempo de quatro anos, que tinha sido normal em todos os governos. Esse é o contexto que estou mostrando para vocês do que ocorreu", completou.
O comandante também criticou a mudança do último desfile do 7 de Setembro no Rio de Janeiro. Como a Folha de S.Paulo mostrou, o então presidente determinou a mudança às pressas para realizar o evento militar em Copacabana, local em que já estava marcada uma manifestação de apoio à sua reeleição.
"Eu estou colocando [as notícias] porque houve diversos pontos de interferência política dentro de temas que são militares."
A gravação tem cerca de 50 minutos. No áudio, Tomás afirma que não considerou adequada a postura do ex-ministro Eduardo Pazuello, que, ainda general da ativa, participou de motociata ao lado de Bolsonaro.
O comandante disse que a postura de Pazuello foi "inadequada" e sinalizou não ter concordado com a decisão do ex-comandante Paulo Sérgio de não punir o general.
"O comandante resolveu entregar o FATD [Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar], o general respondeu e [...] o pessoal considerou que a transgressão estava justificada. É muito difícil para um comandante [militar de área] criticar a decisão dele [comandante do Exército]. Eu posso até falar para ele o que eu penso, mas a decisão está tomada", disse.
"A gente tem que perdoar o pecador, mas tem que mostrar que o pecado aconteceu. Não pode aceitar o pecado, o erro. O erro aconteceu", concluiu.
O comandante Tomás Paiva também aproveitou a conversa para explicar a participação de Bolsonaro em evento da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 2014.
Na ocasião, o então deputado aproveitou o fim da cerimônia do espadim para conversar com aspirantes e anunciar o interesse em disputar a eleição de 2018. À época, Tomás era o comandante da Aman. A conversa foi gravada e publicada nas redes sociais de Bolsonaro.
"Ele era deputado federal, certo, e ele sempre comparecia nos eventos e foi recebido, conhece a academia, foi aspirante, sabe onde os cadetes ficam concentrados antes de entrar", disse.
"Eu não estava lá. Estava no Hotel de Trânsito recebendo as autoridades e ele foi ali, foi indo, foi indo, chegou nos aspirantes, falou e aquilo ali foi filmado e virou um 'start' da campanha dele", completou.
A reportagem procurou o Exército para comentar as declarações, mas ainda não recebeu resposta.
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