SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O deputado estadual João Henrique Catan (PL) diz ser alvo de "uma ação orquestrada da esquerda" e de publicações mal-intencionadas após ganhar notoriedade por mostrar um exemplar de "Mein Kampf" ("Minha Luta"), livro de memórias de Adolf Hitler (1889-1945), enquanto discursava no plenário da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul.
O episódio ocorreu na terça-feira (7). Dos nove minutos em que falou perante a tribuna, o parlamentar usou a maior parte deles para se queixar de um requerimento de informações que cobrava transparência, por parte do governo do estado, a respeito de contratações em cargos comissionados. A petição, proposta por ele, não teve o apoio dos demais deputados.
O bolsonarista, então, recorreu à história alemã para exemplificar como o Parlamento local se reconstruiu após a ofensiva nazista e inspirou outros países. No fim do discurso, Catan ergueu o livro "Mein Kampf".
"Aqui eu trago, senhor presidente, um livro que este parlamentar ficou com medo na sua viagem de retorno ao Brasil, senhor presidente. Fiquei com medo de entrar com esse livro no Brasil porque, à época, um juiz ?talvez mais ditador do que Adolf Hitler? suspendeu a entrada e as vendas do ?Mein Kampf?, ?Minha Luta?, ?Minha História?, ?Minha Vida?, de Adolf Hitler, onde aqui retrata suas estratégias para aniquilar, fuzilar, o Parlamento e os direitos de representação popular", disse o deputado do PL, no trecho que viralizou nas redes.
"Senhor presidente, é com a apresentação do Mein Kampf de Hitler que peço para que este Parlamento se fortaleça, se reconstrua, se reorganize nos rumos do que foi o Parlamento europeu da Alemanha", emendou.
Acusado de exaltar a obra de Hitler e de fazer apologia do nazismo, João Henrique Catan diz que as críticas distorcem a sua fala e promovem uma campanha mentirosa.
"É tão ilógico, ignóbil, surreal, repugnante, asqueroso e nojento que me faltam adjetivos aqui. Como que eu ia utilizar um argumento tão imbecil para convencer alguém?", afirma ele à coluna, em sua primeira entrevista após o episódio.
O deputado estadual ainda afirma que não se arrepende de ter exibido o livro, adquirido por ele em 2015, durante um intercâmbio feito à Inglaterra. Do contrário, argumenta, não teria chamado a atenção para um suposto enfraquecimento da Assembleia Legislativa de seu estado.
PERGUNTA - O senhor se arrepende de ter feito esse pronunciamento e de ter levado o livro ao plenário?
JOÃO HENRIQUE CATAN - Para mim, é repugnante as falas que têm ali dentro daquele livro. O que eu falei foi exatamente o oposto do que estão falando.
Eu disse: "Olha, o Hitler, antes de atear fogo no Parlamento alemão, foi acabando com a importância do Parlamento. Ele foi reduzindo até acabar com a representatividade."
No caso do Mato Grosso do Sul, eu fiz esse requerimento e estou falando há dias na Assembleia, na tribuna, na mídia, denunciando que um deputado não pode pedir informações sobre quantas pessoas são contratadas pelo Estado sem concurso público para abastecer currais eleitorais. Você imagina, 2.500 pessoas em 30 dias!
É mais importante uma fake news, uma ação orquestrada da esquerda para, de repente, tirar a minha credibilidade ou é mais importante um parlamentar mostrar, de maneira independente e inteligente, que o Parlamento está em autofagia, favorecendo o governo?
P. - Mas o senhor não acha que pode ter sido infeliz na sua citação e que tenha dado margem para uma outra interpretação?
JC - Eu falei ali por nove minutos na tribuna. O que está acontecendo hoje é que a pessoa pega um corte. Antes, eu havia dito toda uma história que levou o Parlamento a se tornar menos importante, a renunciar às suas prerrogativas, o ataque ao Parlamento. Contei a história. Disse sobre a importância que hoje tem o Parlamento alemão. Tudo isso está naquele contexto.
Estou apresentando esse livro ruim, sujo e feio para que vocês [deputados] votem o contrário, porque vocês estão queimando hoje as funções institucionais e fiscalizadoras de vocês.
Agora, você pega o final da minha fala... É tão ilógico, ignóbil, surreal, repugnante, asqueroso e nojento que me faltam adjetivos aqui. Como que eu ia utilizar um argumento tão imbecil para convencer alguém?
Tem um contexto em que as coisas foram faladas. Tem sites aí que já estão com mais de cento e tantas mil curtidas dizendo que eu virei seguidor de uma pessoa por quem eu tenho ojeriza.
P. - O senhor precisava ter usado o "Mein Kampf" para ilustrar?
JC - Não podia ser um livro de história sobre os horrores do nazismo? Se eu não tivesse usado, não estaria conversando com você hoje. As pessoas não iam saber, não iam dar importância. Eu venho falando isso na Assembleia desde a primeira sessão [deste ano].
P. - Choca [usar o Mein Kampf]?
JC - Choca. Mas, veja, contar a história de Jesus Cristo, contar as passagens bíblicas, às vezes até para uma criança, é uma maneira de a gente ensinar aquilo que aconteceu na história e de como lutar.
Outro trecho que abriu margem para críticas é aquele em que o senhor fala que teve medo de trazer o livro para o Brasil e questiona um juiz que proibiu a publicação por uma editora. Fui estudar fora do país em 2015 e 2016 para fazer um curso de filosofia política. Eu lia filosofias de esquerda, de direita, de centro, progressistas. A gente quer aprimorar o estudo.
A minha preocupação, como todo cidadão, é andar dentro da legalidade. Então, você imagina, de repente [tem na] minha mala algo que é objeto de estudo, do que não é para ser repetido na história de nenhum país, e se volta contra você. Na verdade, a preocupação era a jurisprudência do Brasil.
P. - É a mesma coisa que você proibir a Bíblia. [O "Mein Kampf"] é a Bíblia nazista?
JC - É, mas ali tem histórias de horror. As pessoas olham e falam: "Cara, não quero nunca mais que essa história se repita". Como outros livros também. E você tem livros de esquerda que instituíram regimes, que contam a história de [Josef] Stálin [líder soviético], que matou muito mais gente.
Mas o "Mein Kampf" foi escrito pelo próprio Hitler. Não é um livro de história que tem um contexto. Se você tem uma autobiografia, é história. Ali, ele está descrevendo passo a passo o que fez e como fez. Isso é uma advertência, um alerta que eu utilizei para chamar a atenção do Parlamento do meu estado. E, nesse ponto, acho que tive sucesso.
Agora, dizer "você provocou isso para chamar a atenção da mídia?" Não. Na minha pequeneza, jamais achei que isso ia chegar a uma mídia tão importante. A minha grande preocupação é como que chega. Chegar a uma mentira, isso, sim, incomoda.
P. - O senhor teme ser cassado por esse episódio?
JC - Sempre luto pela democracia, sempre respeito o sistema de freios e contrapesos. Sei até onde posso falar. E eu acho que o nosso mandato tem que servir de amparo, de escudo para que as pessoas se sintam livres para dizer o que pensam e as coisas progredirem. A função do Parlamento é essa, fomentar a discussão.
O que eu faço, o que eu falo, encontra eco em uma parcela significativa da sociedade que quer ver as coisas serem debatidas, que querem ver as coisas acontecendo.
Se a regra do jogo for eu sofrer algum tipo de represália, não vou dizer pra você que isso é legal. Isso é perigoso para a democracia. O que eu posso dizer é que eu vou estar preparado.
Se você não permitir o fomento das ideias, nós não vamos ter avanço. O que eu estou discutindo dentro da minha Casa Legislativa é exatamente isso. Tem uma base lá que não fiscaliza, não cobra, não faz nada.
Fiz isso porque era uma maneira de mostrar que o Parlamento alemão, que tomou o protagonismo na Alemanha, fez isso porque foi massacrado. Mas o que o governo do estado está fazendo com o Parlamento do meu estado, nas funções básicas, é a mesma coisa que o Hitler fez sem precisar colocar fogo.
P. - O senhor está comparando a gestão do governador Eduardo Riedel [do PSDB] com a de Hitler?
JC - Foi exatamente essa comparação que eu fiz. [Ele está] neutralizando a atividade dos parlamentares.
Não há necessidade de o governador tacar fogo no Parlamento, porque neutralizando, você vai tirar a eficácia. Nós estaremos ruindo assim como um Parlamento em que alguém foi lá e tacou fogo. Ou seja, é hora de o Parlamento retomar o seu protagonismo.
OUTRO LADO
O governo sul-mato-grossense afirma, em nota, que a demanda do deputado estadual não chegou ao conhecimento do Executivo e que "os dados solicitados com tanta veemência" podem ser consultados no portal da transparência estadual. "Não há como deixar de lamentar o histrionismo da cena política, na qual se utiliza um livro abjeto, de tão trágica memória, como instrumento para se cobrar o que já é de domínio público."
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