BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Apesar da articulação de partidos políticos para cassar o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), que colocou uma peruca e fez um discurso transfóbico no plenário da Câmara, líderes partidários afirmam que a perda de mandato é improvável.
Lideranças de partidos do centrão e da base do governo afirmam à Folha que Nikolas, deputado federal mais votado de 2022, deve receber uma advertência, censura ou, no máximo, suspensão pela fala ocorrida na quarta-feira (8), Dia Internacional da Mulher.
A cassação, julgam, é medida excepcional que sequer foi usada em casos como o do ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), preso por atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e desrespeitar medidas preventivas.
O pedido de cassação de Nikolas foi protocolado no Conselho de Ética da Câmara por PSOL, PSB, PDT e Rede --e deverá receber apoio ainda de outras legendas, caso do PT e do PC do B. O colegiado, no entanto, não tem previsão de ser instalado.
Nos anos anteriores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), indicou aliados para a presidência do Conselho de Ética. Para este ano, segundo lideranças, ainda não há negociação em curso para definir o nome de quem presidirá o colegiado.
Nos últimos dois anos, por exemplo, coordenaram o colegiado os deputados Paulo Azi (União Brasil-BA) e Juscelino Filho (União Brasil-MA) --atual ministro do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na corda bamba por ter usado voos da FAB (Força Aérea Brasileira) e diárias pagas pelo governo para acompanhar leilões de cavalos.
No primeiro mandato de Lira, a atuação do Conselho de Ética foi criticada por inação, com representações não analisadas e demora para julgamento de casos considerados relevantes.
No caso de Nikolas, porém, aliados do presidente da Câmara afirmam que Lira tem interesse em avançar com a representação para evitar que bolsonaristas voltem a protagonizar conflitos, como ocorreu durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
"Não admitirei o desrespeito contra ninguém. O deputado Nikolas Ferreira merece minha reprimenda pública por sua atitude no dia de hoje. A todas e todos que se sentiram ofendidas e ofendidos minha solidariedade", escreveu Lira nas redes sociais.
A deputada Duda Salabert (PDT-MG) diz que a manifestação pública de Lira é uma sinalização de que Nikolas poderá ser punido. Ela avalia ainda que é possível que o Parlamento casse o mandato do deputado, mas reconhece que é preciso fazer costuras políticas.
Duda afirma que se reunirá nesta quinta-feira (9) com o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para pedir ao governo um posicionamento sobre o que ocorreu.
"Uma das bandeiras centrais do governo foi a defesa da democracia, então a gente entende que as palavras não podem ficar ao vento, elas têm que se materializar em práticas. Queremos que o governo se posicione, que seja por meio de suas redes, mas mais do que isso, na articulação da sua base para garantir uma punição severa ao Nikolas Ferreira", diz.
Em 2019, os crimes de transfobia e homofobia foram equiparados ao crime de racismo pelo STF.
"Não é tolerável segundo o próprio entendimento da Suprema Corte um parlamentar se travestir de forma jocosa, risível, caricata de uma pessoa trans e debochar da gente numa Casa que deveria estar discutindo a superação da crise brasileira que é a maior da história", afirma Duda.
No discurso transfóbico na quarta, Nikolas disse que mulheres têm perdido espaço para "homens que se sentem mulheres". "Eles estão querendo colocar uma imposição de uma realidade que não é a realidade", afirmou.
Líder do PT na Câmara, o deputado Zeca Dirceu (PR) afirma que esse tipo de conduta é "inaceitável" e defende a cassação do parlamentar. "Ele é um delinquente virtual e quer trazer o modelo para o plenário", afirma Zeca. Na avaliação do petista, o deputado deverá ser punido "e não será punição pequena".
Líder do Solidariedade na Câmara, Áureo Ribeiro (RJ) concorda que o parlamentar deve ser punido, mas avalia que isso se dará com uma advertência.
"Primeiro pelo momento que a gente vive no Brasil, de diálogo, de equilíbrio, de respeito. Ele se excedeu, está chegando aqui na Casa agora, tem que conhecer o ambiente que ele está, respeitar as pessoas e a história de muitos aqui. Tem que receber uma advertência, não tenho dúvida disso", diz.
Membros do PL saíram em defesa de Nikolas nas redes sociais e no plenário da Câmara.
À Folha, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) diz que não crê em "nenhuma punição" e que a "esquerda quer desviar o foco do conteúdo da fala" de Nikolas.
"Tenho convicção que o presidente Lira escreveu no Twitter sem assistir o pronunciamento do Nikolas. O discurso foi em defesa das mulheres, em especial na questão dos esportes, quando um transgênero masculino vai disputar entre as mulheres. Nunca vimos um transgênero feminino querendo disputar com homens", diz.
"Essa opinião não é transfobia, é uma questão esportiva, biológica e, para mim, lógica. Todas as mulheres não devem se sentir confortáveis em uma disputa esportiva desigual."
Sob reserva, no entanto, alguns correligionários de Nikolas criticaram a sua postura, afirmando que ele se excedeu.
Nesta quinta, o próprio parlamentar foi às redes se defender e afirmou que não há transfobia em sua fala.
"Defendi o direito das mulheres de não perderem seu espaço nos esportes para trans -visto a diferença biológica -e de não ter um homem no banheiro feminino. Não há transfobia em minha fala. Elucidei o exemplo com uma peruca (chocante). O que passar disso é histeria e narrativa", escreveu.
O caso também deverá ter repercussão no Senado Federal. Líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (PT) afirmou que vai pedir para que o MPF (Ministério Público Federal) entre com ação por danos morais coletivos contra o parlamentar.
"O deputado federal Nikolas Ferreira usou o Dia Internacional da Mulher para fazer uma fala transfóbica, preconceituosa. E eu aqui digo que aquela fala dele não se restringe a um comportamento apenas imaturo e irresponsável, mas, acima de tudo, uma fala criminosa", disse no plenário do Senado.
"Eu quero aqui manifestar esse repúdio, mas também apelar para que o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados casse o mandato desse deputado. Volto a falar: a imunidade parlamentar não pode ser utilizada como escudo protetivo para a prática de crime", completou.
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