BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Apesar das diferenças ideológicas, a bancada feminina da Câmara e do Senado se diz unida em torno do combate à violência de gênero e à diferença salarial entre homens e mulheres.
Em minoria no parlamento, deputadas e senadoras ouvidas pela Folha afirmam que é possível superar divergências partidárias para aprovar pautas que sejam do interesse das mulheres e garantir a manutenção dos direitos conquistados nos últimos anos.
"Tem pautas que a gente pode tratar de maneira suprapartidária. Não é possível que alguma mulher concorde com os índices de feminicídio praticados no país", afirma a senadora Teresa Leitão (PT-PE).
"As pautas em que podemos divergir são as de costume. Divergimos até no mérito. Mas, na minha experiência de deputada [estadual], acho que a gente tem pontos de convergência que deve realçar. Oportunidades no mercado de trabalho, diferença salarial."
Mesmo em número recorde nas duas Casas, a bancada feminina cresceu menos na última eleição do que em 2018. Em 2022, foram eleitas 91 mulheres na Câmara. Dessas, 50 são de partidos que integram a base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 18 são da oposição e 23 de legendas independentes.
No Senado, 11 das 15 mulheres estão em partidos da base, duas em siglas da oposição ?as ex-ministras de Bolsonaro Tereza Cristina (PP-MS) e Damares Alves (Republicanos-DF)? e duas na União Brasil, que é independente.
Para a senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), há um acordo tácito que une as parlamentares, mesmo quando estão em espectros opostos da política. Segundo ela, a diferença partidária é algo que tem pouco impacto na bancada feminina.
"A bancada feminina tem algo que não é dito. Existe um exercício das mulheres de superar os partidos para poder trabalhar em pautas comuns", diz Mara, que foi candidata a vice-presidente de Simone Tebet (MDB), na primeira chapa 100% feminina da história.
Ante divergências sobre temas polêmicos, como uso de maconha medicinal e costume, parlamentares da base afirmam que a ideia é manter direitos que já foram conquistados, como o aborto legal.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) diz que questões relacionadas à saúde das mulheres ?como tratamentos de câncer? e que incentivem a participação na política também tende, a ter maior consenso. "É buscar o consenso mínimo e não retroceder", afirma.
Ela reforça que as mulheres não querem ficar restritas à pauta feminina. "A função da bancada é também fortalecer que a gente tenha projetos e iniciativas aprovadas que sejam das mulheres sobre qualquer outro tema, porque elas são afetadas por todos eles."
Primeira mulher a presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a bolsonarista Bia Kicis (PL-DF), um dos principais nomes da oposição, diz que enxerga "muito mais dissenso" na bancada, mas fala que é possível buscar convergências.
"Aqueles projetos que são realmente para resolver a situação da mulher sempre que for mais vulnerável, a gente está junto e vamos trabalhar para ter bons projetos para a mulherada do Brasil", afirma.
Em um ambiente dominado por homens, as parlamentares enfrentam uma série de desafios. Enquanto as senadoras ficaram sem nenhum espaço na Mesa Diretora, na Câmara apenas a deputada Maria do Rosário (PT-RS) conseguiu 1 das 7 vagas.
Além disso, nunca uma mulher foi eleita presidente da Câmara ou do Senado. As parlamentares também estão em nítida desvantagem na liderança de bancadas. Na Câmara, só uma mulher é líder: Jandira Feghali (PC do B-RJ).
No Senado, a ex-ministra Tereza Cristina foi a única indicada pelos partidos políticos para liderar a bancada. "Dá mais trabalho, mas eu fiz questão de aceitar, até porque eu acho que isso é importante", diz.
Circulando em ambiente predominantemente masculino desde que era estudante de engenharia agrônoma, a senadora afirma que foi na política que enfrentou os maiores preconceitos e que, ao longo dos anos, precisou se adaptar para sobreviver.
"Às vezes você leva na brincadeira algumas coisas que a gente considera machista. Você brinca com aquilo e vai em frente. Às vezes é uma situação até não muito simpática, mas a gente tem que viver se impondo nesse meio para poder participar", diz.
A bancada de 15 senadoras é a maior número da história. Cinco eram suplentes de homens que deixaram o Senado porque se tornaram ministros ou foram eleitos governadores, como Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina.
Em outubro, das 27 cadeiras em disputa no Senado, apenas 4 foram preenchidas por mulheres. Além de Tereza Cristina, Teresa Leitão e Damares Alves, foi eleta a Professora Dorinha (União Brasil-TO).
Já as 91 eleitas na Câmara representam menos de um quinto do total. O número atual caiu para 88, com parlamentares que se licenciaram para exercer outros cargos, a exemplo das ministras Marina Silva (Rede), Sônia Guajajara (PSOL) e Daniela do Waguinho (União Brasil) e que não necessariamente foram substituídas por mulheres.
No fim de janeiro, a bancada enviou aos candidatos à presidência da Câmara uma carta-compromisso na qual eram listadas três prioridades: aumento da participação nos espaços da Casa, enfrentamento à violência contra a mulher e saúde da mulher.
O texto pede garantias de participação do grupo no rodízio de relatorias e de que sejam pautados "temas polêmicos" em que não haja consenso da bancada. "No sentido de que não ocorram retrocessos e supressões de direitos já adquiridos pela sociedade e principalmente pela mulher brasileira."
A atual coordenadora da bancada feminina, deputada Luísa Canziani (PSD-PR), que assina o documento, diz que a bancada esbarra em "discussões específicas que acabam muitas vezes travando as construções de consensos" ?mas que é possível superar isso com o diálogo.
"A gente sente já no início desta legislatura essa dificuldade, mas que pode ser superada com diálogo, construção, equilíbrio. Esse é o espírito da bancada: o senso de união em torno da bancada", afirma.
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