BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Após atingir a elite política do país, a Lava Jato completa nove anos com uma extensa lista de arquivamentos em todas as instâncias do Judiciário. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) lideram o ranking, respectivamente, com 23 e 19 investigações arquivadas.
A aposta, no início da operação, era que as apurações manchariam a reputação de todos os supostos envolvidos nos desvios de verba da Petrobras e de outros órgãos do governo federal.
Mas, embora tenha criado dificuldades para a trajetória de diversas autoridades, não foi suficiente para enterrar a carreira de quase nenhum cacique da política brasileira.
Lula, por exemplo, chegou a ser preso, mas as condenações foram anuladas. O petista reconquistou os direitos políticos e venceu as eleições presidenciais de 2022.
O senador Ciro Nogueira (PP-PI) é outro que figurou como um dos personagens centrais das investigações e, mesmo assim, não perdeu o protagonismo em Brasília.
O parlamentar teve oito processos arquivados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por falta de provas. Quando já era alvo da operação, em 2018, foi reeleito senador com quase 200 mil votos a mais do que na primeira vez que se elegeu para o cargo, em 2010.
Além disso, em 2021, virou chefe da Casa Civil do governo de Jair Bolsonaro (PL), que venceu a eleição presidencial na esteira da Lava Jato e com fartos elogios às investigações.
A proximidade do ex-presidente com a operação ficou evidente logo após a eleição de 2018, com o convite para Sergio Moro, juiz da Lava Jato, comandar o Ministério da Justiça.
Pouco mais de um ano depois, porém, os dois se desentenderam e Bolsonaro se distanciou dos integrantes da operação. "Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo", afirmou, em 2020.
Em 2022, o ex-mandatário e Moro se reaproximaram com objetivo eleitoral. Bolsonaro não se reelegeu, mas o ex-juiz virou senador. Outra cara da operação, o ex-procurador Deltan Dallagnol também ingressou na política e assumiu um assento na Câmara dos Deputados neste ano.
Moro e Deltan adotam o discurso de que é preciso assumir espaços de poder para impedir o que veem como retrocesso no combate à corrupção.
O cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), faz análise em sentido contrário.
"Partidarizaram a Justiça com a Lava Jato, e aí se desmoralizou a ideia de imparcialidade do Judiciário. Esse foi um dos maiores desastres da história do ponto de vista da credibilidade do Judiciário. Passou a ideia de que, se condena o Lula, o juiz é de direita, se condena Bolsonaro, vão dizer que o juiz é comunista."
Lynch diz que essa politização da Lava Jato tornou impossível mensurar o acerto ou não das decisões que determinaram o arquivamento de investigações.
"Não dá para saber. A gente sabe que teve roubalheira, que fulano e sicrano roubaram, mas não sabemos quanto, não tem como medir isso mais, analisar a operação do ponto de vista jurídico", afirma.
Existem também políticos que foram obrigados a se conformar com cargos de menos peso após o desgaste gerado pela Lava Jato. É a situação, por exemplo, de Aécio Neves (PSDB-MG).
Segundo colocado na eleição presidencial de 2014, foi alvo de investigações pouco tempo depois e, no pleito seguinte, em 2018, elegeu-se deputado federal. Teve apurações da Lava Jato arquivadas -como o inquérito, engavetado pelo STF, que apurava suposto crime de caixa 2 na eleição de 2014 pago por empreiteiras alvos da operação.
A investigação que mais o prejudicou politicamente, porém, foi a gravação de um telefonema em que pedia dinheiro ao dono da JBS, Joesley Batista. Ao todo, o mineiro já teve seis inquéritos arquivados.
Os arquivamentos ocorreram por falta de provas e também por mudanças na jurisprudência do Supremo, que precisam ser seguidas por instâncias inferiores, sobre métodos de apuração a serem respeitados por investigadores.
Em 2019, por exemplo, cinco anos após o início da Lava Jato, o STF esvaziou a competência da Justiça comum ao determinar que crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando investigados junto com o de caixa dois, devem ser processados na Justiça Eleitoral.
Além disso, a própria anulação das condenações de Lula representou uma derrota importante para a Lava Jato e com consequências em outras investigações.
O STF afirmou que os processos contra o petista deveriam ter tramitado na Justiça Federal do Distrito Federal, onde teriam ocorridos os crimes praticados pelo presidente, e não na 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Moro e que era responsável pela maior parte da operação.
Foi com base nesse precedente, por exemplo, que o Supremo anulou, em 2021, decisão do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio de Janeiro, de tornar o ex-presidente Michel Temer (MDB) réu por peculato, corrupção e lavagem de dinheiro.
O advogado de Renan Calheiros, Luís Henrique Machado, afirma que a quantidade de processos arquivados "revela os excessos cometidos por certos membros da Lava Jato que visavam um nítido projeto de poder".
"Inicialmente, o STF foi induzido a erro pela então República de Curitiba. Aos poucos, a corte foi percebendo as reais intenções do grupo de procuradores e fez a intervenção decisiva no momento em que a operação demonstrou o seu lado mais sombrio, isto é, quando veio à tona o vazamento de conversas suspeitas entre promotores e o então juiz que presidia a Lava Jato na primeira instância", afirma.
Para Alberto Toron, defensor de Aécio Neves, os arquivamentos "traduzem a realização de justiça após um árduo trabalho".
A primeira fase da Lava Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014 e tinha inicialmente como alvo uma rede de doleiros. Um deles atuava junto a uma casa de câmbio em um posto de gasolina no DF, o que levou a investigação a ser batizada com esse nome.
Na época, Moro determinou a prisão do doleiro Alberto Youssef e de outros suspeitos de crimes financeiros. As investigações incluíam elos políticos de Youssef e, três dias depois, a segunda fase chegou à Petrobras e prendeu o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa.
Meses depois, os dois presos firmaram acordos de colaboração que provocaram investigações sobre empreiteiras e seus pagamentos a partidos.
No fim do ano passado, foi solto o último dos políticos presos em decorrência da Lava Jato: o ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral.
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