SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Quando Tarcísio de Freitas (Republicanos) golpeou sem clemência o balcão da Bolsa de Valores, para celebrar o fim do leilão do trecho norte do Rodoanel, ensaiou por tabela marretar a má vontade contra ele nutrida por uma parcela do bolsonarismo mais aguerrido.
Mais gestos vieram na mesma semana. O Terra Brasil Notícias, um dos oráculos da comunicação bolsonarista, reproduziu a participação do governador de São Paulo nos 143 anos do Corpo de Bombeiros e destacou: "Tarcísio comanda cerimônia militar pessoalmente".
O chefe do Executivo paulista também sancionou um projeto de lei que tornou a Marcha para Jesus, maior evento no calendário evangélico do continente, patrimônio cultural imaterial do estado ?ato prontamente exaltado por portais do segmento, como o Pleno News.
Os últimos dias foram lidos, por aliados e também desafetos, como um aceno do governador ao eleitorado mais fiel a Jair Bolsonaro (PL), grupo que o embalou até o Palácio dos Bandeirantes. A relação andava estremecida após Tarcísio emitir sinais que não caíram bem com parte dessa base.
Como ao declarar, antes mesmo de tomar posse, nunca ter sido um "bolsonarista raiz". Já na cadeira, ele posou mais de uma vez com o presidente Lula (PT), inimigo número um do bloco, e sancionou uma lei que autoriza a maconha medicinal no SUS em São Paulo, algo no mínimo controverso para uma ala conservadora que tem ojeriza a qualquer flexibilização do acesso à cannabis.
As marteladas que desferiu na B3 ressuscitaram nas redes sociais comparações com os personagens Thor, deus nórdico que empunha um martelo, e Chapolin Colorado, dono da marreta biônica. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), que voltou a defender Bolsonaro depois de dar declarações ao jornal Folha de S.Paulo que a fizeram se indispor com o ex-presidente, compartilhou na internet uma charge do governador "Thorcísio" veiculada na Revista Oeste, outra trincheira virtual do conservadorismo.
Disse Tarcísio ao manusear o martelo: "O pessoal está tímido ainda, mas vou mostrar como é que faz". Com pretensões presidenciais para 2026 no radar, ainda lhe resta mostrar como se faz para sinalizar para um eleitorado mais amplo sem desagradar a base que cimentou sua vitória no ano passado.
Tímida foi, até aqui, a reação em grupos digitais bolsonaristas a movimentos do governador que aliados interpretam como uma piscadela para a direita.
O Telegram se empolgou, mas com comedimento, com a empolgação de Tarcísio do leilão do Rodoanel, aponta monitoramento coordenado por Leonardo Nascimento, Letícia Cesarino e Paulo Fonseca com apoio do InternetLab.
As mensagens mais compartilhadas sobre o episódio nos principais canais a favor de Bolsonaro somam 20 menções. "Parece pouco, mas são grupos com centenas de inscritos", diz Nascimento, professor da Universidade Federal da Bahia.
Diz uma delas: "Bate Tarcísio, martelaaaaaaaaaaa!! Imagina toda a pressão que ele deve estar sofrendo e o duro que foi finalmente bater este martelo. Que Deus te abençoe e te dê muita força para fazer São Paulo decolar!!".
Um recado o parabenizando, postado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), impulsionou as referências positivas ao governador nesse ecossistema digital. Para Nascimento, Tarcísio parece estar "estrategicamente acenando para as pautas do bolsonarismo para tentar ocupar o lugar do ?pai da horda?".
O vereador paulistano Fernando Holiday (Republicanos), que respaldou Tarcísio e Bolsonaro em 2022, não detectou em sua bolha direitista muitas demonstrações públicas de afeto ao entusiasmo do governador com a privatização de extensão do Rodoanel. "Eu só o vi postando e a esquerda criticando", diz, acrescentando um emoji de gargalhada.
Segundo Holiday, alguns devotos de Bolsonaro não gostam muito de qualquer sinal de entrosamento com a esquerda, mesmo que num nível republicano. Daí a implicância com Tarcísio. "Mas isso é só uma questão de amadurecimento da direita. Foi por falta de gestos como esses que acabamos sendo tachados de antidemocráticos."
A direita, segundo o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ex-presidente da bancada evangélica, "está engatinhando no Brasil" e ainda "passará pelo amadurecimento natural da política".
"O governador foi militar e sempre foi liberal na economia, essa é a essência dele", afirma o parlamentar. "Quem é [conservador] não precisa provar, é só praticar aquilo que ele acredita e defende."
Enquanto fileiras mais ideológicas do bolsonarismo resistem ao governador, chegando a lhe rotular como "traíra", nos bastidores do poder seu nome cresce entre as apostas para bater a esquerda na próxima eleição a presidente, sobretudo se questões judiciais tornarem Bolsonaro inelegível.
Para o apóstolo César Augusto, um dos evangélicos que marchou com o ex-presidente na fracassada campanha pela reeleição, lustra a biografia de Tarcísio com adjetivos como "ousado" e "corajoso".
Para o líder da igreja Fonte da Vida, o governador vai cada vez mais "ocupando espaço que está vago na direita e surfando numa onda onde não tem ninguém". Virou "uma opção no cenário nacional para combater a esquerda".
Em nota, o Bandeirantes diz que "todas as medidas e decisões adotadas pela atual gestão estão alinhadas com o plano de governo e são voltadas à promoção do diálogo e do desenvolvimento a fim de assegurar a dignidade a todos os paulistas".
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